Foram publicadas em dezembro as portarias do Ministério da Fazenda que definem o regimento interno e a composição da recém-criada comissão de ética do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). O colegiado analisá casos de conflitos de interesse envolvendo servidores e conselheiros do órgão. Segundo julgadores da entidade, a proposta de implementação vinha sendo gestada desde 2015, após a Operação Zelotes causar o afastamento de conselheiros. A força-tarefa descortinou casos de compra e venda de votos no conselho. O Jornal da USP no Ar conversou sobre o assunto com o professor Luís Eduardo Schoueri, do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito (FD) da USP, mestre em Direito Tributário.
O professor explica que o Carf é o órgão responsável pela revisão de lançamentos tributários, possibilitando que o contribuinte autuado peça à própria administração que ela reveja aquele lançamento. Ele é composto de conselheiros, metade deles representante da Fazenda e a outra metade representante dos contribuintes, que se reúnem para discussões técnicas, com o objetivo de assegurar que o lançamento seja o mais adequado possível. Os conselheiros do setor privado são indicados por Federações, como as da Indústria, do Comércio e dos Bancos, e precisam passar pela aprovação de uma comissão do Ministério da Fazenda.
A Comissão de Ética visa a examinar o comportamento desses conselheiros, verificando desvios e conflitos de interesses. Para Schoueri, toda criação de conselhos de ética e revisão de princípios éticos na administração pública é bem-vinda, com o único possível perigo sendo a limitação da atuação dos profissionais submetidos ao colegiado. Entretanto, o professor não acredita que esse será o caso, já que a comissão não se propõe a analisar os méritos das decisões dos conselheiros, apesar de poder indicar a exoneração em casos de comprovação da incompatibilidade da atuação no Carf com a função pública do órgão. Além disso, quando comprovado o desvio, é possível que determinadas decisões sejam revertidas por conta da atuação da comissão.
Para o especialista, é necessário entender que um Carf independente, que não necessariamente vote sempre a favor do governo, é algo bom para o Estado brasileiro, já que eventuais ações levadas a juízo, em que o contribuinte discorde da decisão da comissão, deixam a Fazenda sujeita a ter que pagar as sucumbências do processo. Dessa forma, o Carf funciona, segundo ele, como um grande filtro: um órgão que assegura que somente os bons lançamentos sejam preservados, e com isso preserva a própria Fazenda pública.
Sobre a eficácia do órgão até aqui, o professor expõe que, em casos complexos, em que ocorra um empate, o regimento do Carf prevê que o presidente do órgão, ligado à Fazenda, deve votar novamente, em um voto de qualidade, e que sistematicamente esse voto costuma ser favorável ao fisco. Com isso, casos duvidosos acabam punindo o contribuinte por algo que dividiu o próprio conselho, levando às vezes a processos muito onerosos na Justiça. Além disso, ocorre o que o especialista chama de “desjudicialização do planejamento tributário”, em que o Judiciário não se manifesta sobre essas operações duvidosas, porque o contribuinte, sabendo que está sujeito a multas muito altas, aceita o Refis, programa de refinanciamento de dívidas. No novo governo, Schoueri prevê que a tendência seja o retorno do Carf à sua independência de antes da Operação Zelotes.