Obladi, oblada life goes on brahhh… Lala how the life goes on

Há 50 anos, os Beatles lançavam o icônico “Álbum Branco”, trilhando o caminho sem volta da separação. Era o começo do fim dos “fab four”

 07/12/2018 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 12/12/2018 às 18:21

Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

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Marcello Rollemberg – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

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Depois da explosão de cores e ideias nas capas dos dois álbuns anteriores – Sgt. Pepper’s, a resposta conceitual ao Pet Sounds dos Beach Boys, e a viagem lisérgica de Magical Mistery Tour – a capa daquele novo disco era de uma pureza quase franciscana. Imaculadamente branca, sem nome de batismo, apenas com a gravação em alto-relevo do nome da banda: “The Beatles”. Mais nada. E a simplicidade acabou aí. Porque, mais do que um cacófato enviesado ou uma aliteração, o “Álbum Branco” – como o White Album passou a ser conhecido por aqui – se tornou um marco na discografia dos rapazes de Liverpool, para o bem e para o mal.

Não era para menos. Lançado em 22 de novembro de 1968, depois de quase seis meses de trabalho em estúdio, o Álbum Branco é uma hipérbole musical. Para começar, é o primeiro e único álbum duplo dos Beatles – o que deixou o produtor George Martin (aquele que ganhou o epíteto de “quinto beatle”) de cabelos em pé. E por que era um álbum duplo? Porque tinha música à beça – trinta, para ser bem exato. E foi isso o que apavorou Martin. Ele queria um álbum mais enxuto, com umas 14 músicas no máximo. Mas vá tentar convencer quatro rapazes no auge da sua criatividade, da sua fama e do seu egocentrismo disso. Como todos sabem, não deu certo.

E, dessa vez, sir George estava errado: o Álbum Branco é o disco vendido mais rapidamente de todos os tempos e hoje já passou da casa das 20 milhões de cópias comercializadas. E, para não deixar dúvidas de sua importância, está em décimo lugar na lista dos mais importantes álbuns de rock da revista Rolling Stones.

Maharishi Mahesh Yogi em 1967 – Foto: Ben Merk (ANEFO) via Wikimedia Commons / CC0

Mas antes de falarmos mais desse trabalho que em muitos aspectos é um divisor de águas (e de banda, também) na carreira dos Beatles, vale dar uma contextualizada. Afinal, um disco como esse não nasce de geração espontânea. E esse surgiu no rastro daquela famosa e frustrada viagem de John, Paul, George e Ringo à Índia, para meditar e encontrar o nirvana pelas mãos do guru da moda na época, Maharishi Mahesh Yogi. Ideia de George, claro, que já não se contentava só em tocar cítara. Mas até meditação demais cansa – pelo menos no caso deles – e o nirvana parecia mais distante do que o prometido. Para não falar da comida condimentada que dava nós gástricos no sensível senhor Starkey. Resultado? Uma debandada de leve, mas incisiva. Ringo foi embora primeiro, com saudades dos feijões britânicos (sim, isso é possível, desde que você seja inglês). Paul foi em seguida e, finalmente, John e George pegaram seu avião para Londres. Na bagagem, as composições que viriam a dar forma ao Álbum Branco. A grande maioria delas, inclusive, com referência ao período indiano.

Julia, Prudence, Martha e…Yoko

Não se pode dizer – pelo menos eu não digo – que o Álbum Branco seja uma obra equilibrada. Não é. Há, é verdade, pequenas-obras primas que se tornaram clássicos do rock, como Back in the U.S.S.R., Blackbird e While My Guitar Gentle Weeps (nessa, de George Harrison, quem faz o solo da guitarra chorosa é um guitarrista promissor do iniciante grupo Cream, chamado, caso você ainda não saiba… Eric Clapton). Tem pérolas de delicadeza musical, como I Will (que Paul fez para a namorada Linda Eastman), Julia (homenagem de John à sua mãe, que morreu atropelada), Dear Prudence (feita por John para animar Prudence, irmã de Mia Farrow, que também participou da roubada indiana) e I’m so tired (com John atestando melodicamente que já estava cansado daquela história de meditação). Ainda temos bobagens deliciosas, como Ob-la-di, Ob-la-da (cujos versos dão título a esse artigo e que estourou nas paradas britânicas gravada também pelo grupo Marmelade, aquele de Reflections of My Life), The Continuing Story of Bungalow Bill e Martha My Dear (só para constar: não, a Martha “silly girl” não era nenhuma paixão secreta de Paul. Era sua cachorra).

Ob-La-Di, Ob-La-Da

Ouça trecho de Ob-La-Di, Ob-La-Da

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While My Guitar Gently Weeps

Ouça trecho de  While My Guitar Gently Weeps

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Além dessas, há também excentricidades sonoras praticamente inaudíveis, como Revolution 9, uma colagem e superposição angustiantes de sons que têm claramente  o dedo… hã…, digamos, criativo da então nova namorada de John, a artista plástica experimental e pretensa música Yoko Ono. “John apresentou as instalações de Abbey Road uma vez, e ela nunca mais foi embora”, lembrou, certa vez, George Harrison. Deu no que deu – e o resto é história.

A “number 9”, como ficou conhecida – e tem essa numeração esdrúxula para não se confundir com a Revolution 1, que também faz parte do Álbum Branco e que ganharia sua versão alternativa e definitiva naquele mesmo ano, ao ser lançada em um compacto simples (!!) que tinha Hey Jude do outro lado – é tão maluca que Paul se recusou a participar da sua gravação. Para ele, “não era uma música beatle”.  Mas o velho Macca devia atinar mais para as coisas. Afinal, é dele uma outra maluquice irritante no disco, chamada Wild Honey Pie – não confundir com Honey Pie, também do Álbum Branco e perfeitamente audível.

Álbum Branco, o primeiro e único álbum duplo dos Beatles – Foto: Patrick Despoix via Wikimedia Commons / CC BY-SA 4.0

Na verdade, o Álbum Branco tem inúmeras qualidades mas, para mim, como já disse, é um trabalho desequilibrado, com os dois discos parecendo querer ir cada um para seu lado. Mas, olhe só, eles se complementam. Enquanto o disco 1 (que pode ser identificado pela casca verde da maçã no selo, já que ele foi o primeiro disco lançado pela Apple Records, dos Beatles) é mais melódico e tem um tom roqueiro mais comportado, por assim dizer, o disco 2 (com o interior branco da maçã no selo) é mais “sujo”, pesado, rasgado. É nesse, por exemplo, que está Helter Skelter, que, além de antecipar de alguma forma o que os punks fariam uma década mais tarde, foi o que os loucos assassinos da família de Charles Mason escreveram com sangue na parede da casa de Roman Polanski depois de terem trucidado sua mulher Sharon Tate, que estava grávida, e alguns amigos.

Por mais sucesso que tenha feito, o Álbum Branco talvez não seja uma unanimidade como Sgt. Pepper’s ou Revolver, outras obras emblemáticas da discografia beatle. Mas ele tem seus significados e sua relevância. Para John, e Paul, o álbum continha algumas de suas melhores composições. Para Ringo, era um marco: pela primeira vez ele tinha uma música sua – Don’t Pass me By gravada. George era uma usina represada de novas criações – não à toa, seu primeiro trabalho solo, All Things Must Pass,  foi um álbum triplo.

Sgt. Pepper’s

Ouça o começo da primeira estrofe de Sgt. Pepper’s

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Mas havia algo estranho no reino da beatlemania. Como nunca havia acontecido antes, cada um dos Beatles trabalhou em um estúdio diferente e gravou por conta própria sua composição – fazia tempos que a assinatura “Lennon&McCartney” nas músicas era pura convenção. Cada um estava indo para seu lado e a convivência estava cada vez mais difícil. Eles começaram a trilhar um caminho sem volta. Ainda gravariam Abbey Road e tentariam uma salvação, sem sucesso, com o filme/disco Let it Be. Mas já era tarde. A argamassa que juntou os jovens em Liverpool nos anos 50 tinha esboroado. Agora era cada um por si. E o Álbum Branco – lançado justamente naquele 1968 de tantas mudanças e tantos questionamentos, que já tinha visto desde barricadas em Paris, assassinatos, passeatas mundo afora e primaveras frustradas em Praga – foi o primeiro sinal de que, como disse o crítico inglês Paul Du Noyer, os fab four estavam se transformando nos four fab. O sonho beatle, como vários outros daquele período, estava prestes a acabar.

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