Revista divulga texto inédito de Sérgio Buarque de Holanda

Revista do Instituto de Estudos Brasileiros da USP traz também dossiê sobre o centenário do samba no Brasil

 20/09/2018 - Publicado há 6 anos
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Os escritos inéditos de Sérgio Buarque de Holanda: considerações sobre o método historiográfico – Foto: Montagem sobre imagem de Revista do IEB

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Em algum momento entre 1967 e 1969, Sérgio Buarque de Holanda discursava para um grupo de estudantes, a convite do Centro de Estudos Históricos Afonso Taunay (Cehat), então ponto de reunião de alunos de História da lendária Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da USP. Um encontro que, por cerca de 50 anos, ficara registrado apenas na memória dos presentes e em papéis perdidos de seu acervo pessoal, guardados desde 1983 no Arquivo Central do Sistema de Arquivos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Capa da edição 70 da Revista do IEB, que acaba de ser publicada pelo Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP: texto inédito de Sérgio Buarque de Holanda e dossiê comemorativo do centenário do samba – Foto: Divulgação / Revista do IEB (Clique na imagem para ampliar)

Agora, o conteúdo dessa conferência finalmente é publicado nas páginas da edição 70 da Revista do IEB, publicação do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP. Apresentado e comentado pelo pós-doutorando do IEB Raphael Guilherme de Carvalho, o rascunho datilografado da palestra mostra uma tomada de posição de Holanda sobre os fundamentos e métodos do estudo da história.

“Muito pouco explorado na fortuna crítica buarquiana, provavelmente dada sua situação de ineditismo, o texto da conferência que ora apresento, versando exclusivamente sobre epistemologia da história, é um produto relativamente raro na trajetória do autor, fruto de longa reflexão, que parte das próprias práticas historiográficas, em torno de uma concepção que ele passa a expor e defender nesses e nos anos seguintes”, comenta Carvalho no artigo que acompanha o documento.

A data da palestra é estimada a partir de referências citadas por Holanda no rascunho. À época, o autor de Raízes do Brasil dirigia a Coleção História Geral da Civilização Brasileira, iniciada em 1959 na editora Difusão Europeia do Livro (Difel). No começo dos anos 1960, ele fundara o IEB, do qual foi diretor entre 1962 e 1964. Em abril de 1969, ele se aposentaria do cargo de professor da USP em solidariedade aos colegas aposentados compulsoriamente pelo regime militar.

Segundo Carvalho, o rascunho mostra o desacordo de Holanda com o estruturalismo, representado na disciplina de História pela longue durée de Fernand Braudel. Seria uma “volta ao conhecimento”, de acordo com o pós-doutorando.

“O método da longa duração implicaria, ao cabo, que a sociedade se transforma através de fases que obedecem, de certo modo, a uma necessidade inexorável”, escreve Holanda no rascunho. “O que aqui se chamaria dinâmico é exatamente o que em outras ciências se chama estático, obediente a algum esquema relativamente fixo.”

Para Carvalho, o que o autor busca é a singularidade da disciplina. “O historiador então trabalha”, comenta o pós-doutorando, “sem desprezar a interdisciplinaridade, um delineamento de fronteira disciplinar, ou, melhor, uma proposição quanto à singularidade da história entre as ciências sociais, considerando também a clivagem interna à disciplina histórica, diante do advento da história serial e sua pesquisa das regularidades.”

.Centenário do samba

O registro de Pelo Telefone, canção de Donga (Ernesto dos Anjos), em 1917 na Biblioteca Nacional, é o marco oficial (e discutido) do nascimento do samba. Para celebrar seu centenário, a nova edição da Revista do IEB traz também um dossiê organizado pelo professor do IEB Walter Garcia e pelo professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila) Gabriel Lima Rezende.
“É um lugar-comum promover grandes celebrações em datas redondas”, escrevem os organizadores. “Mas, por ironia ou por correção do destino, o centenário (digamos, oficial) do samba foi celebrado, em 2017, quando havia se tornado evidente o esfacelamento da noção de ‘povo brasileiro’ como horizonte e ideia reguladora dos mais diversos projetos políticos de desenvolvimento econômico e social. Ao iniciarmos a organização deste dossiê, não poderíamos adivinhar que esse problema acabaria configurando uma área de intersecção dos dez artigos aqui reunidos.”

“Já não é possível apenas escrever história, é preciso saber refletir, e refletir demais sobre a história, sob pena de permanecer na rotina”, escreve Sérgio Buarque de Holanda no texto datilografado – Foto: Divulgação / Revista do IEB (Clique na imagem para ampliar)

Dentre os textos, tanto de pesquisadores brasileiros quanto estrangeiros, há um trabalho sobre a relação entre alegria e tristeza nos sambas de Bide e Marçal, da professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Claudia Neiva de Matos. Em outro artigo, o músico e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo Amailton Magno Azevedo contesta o título de “túmulo do samba”, dado à capital paulista, propondo uma revisão da historiografia do samba a partir da discussão sobre estilo negro, corpo negro e o conceito de microáfricas. Já o professor do King’s College London David Treece analisa o Grêmio Recreativo de Arte Negra Escola de Samba Quilombo, fundado pelo compositor e cantor Antônio Candeia Filho na ressurgência da militância antirracista nos anos 1970.

“O conjunto heterogêneo permite uma visão panorâmica, mas não integral, da diversidade que as pesquisas sobre o samba apresentam atualmente”, escrevem Garcia e Rezende. “Nesse sentido, nem sempre os textos serão convergentes em seus princípios, procedimentos e conclusões. Oxalá essa característica possa contribuir para o cultivo do pensamento crítico e do diálogo, práticas desejáveis em uma sociedade que se imagina democrática”, concluem.

Revista do Instituto de Estudos Brasileiros (RIEB), número 70, 371 páginas. Disponível no endereço www.ieb.usp.br/rieb70/


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