Como os presidenciáveis pretendem enfrentar a crise urbana

Raquel Rolnik é professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP e colunista da Rádio USP

 03/09/2018 - Publicado há 6 anos

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Raquel Rolnik – Foto: Martin Hunter via Facebook Raquel Rolnik

 

Basta circular pelas cidades brasileiras, perdendo horas em congestionamentos ou esperando ônibus ou metrôs que passam lotados – ou não existem! – para constatarmos que elas estão longe de alcançar um padrão razoável de funcionamento. E mesmo quem, supostamente protegido por muros, entra muito pouco em contato com as condições precárias que marcam a situação habitacional de milhões de famílias, se assusta com o aumento do número de pessoas morando nas ruas ou a evidência dessa precariedade, quando alguma tragédia, como o incêndio no Edifício Welton Caldeira, ganha as páginas dos jornais e outras mídias.  É de se esperar, portanto, que o tema das cidades, e da moradia e do transporte, em particular, estejam presentes nos programas de governo dos candidatos à Presidência da República.

Entretanto, não é bem assim: as cidades e seus desafios são abordados por apenas sete dos 13 candidatos à Presidência. O tema não é sequer mencionado nos programas de Jair Bolsonaro (PSL), João Amoêdo (Novo), Henrique Meirelles (MDB) e Cabo Daciolo (Patriota); e as diretrizes apresentadas por Eymael (DC) incluem um genérico “promover esforços para assegurar a todas as famílias a moradia digna, mediante políticas públicas específicas”.

Os demais candidatos abordam a questão urbana, incluindo o tema do saneamento, do transporte coletivo, da política habitacional e da regularização fundiária. Para Geraldo Alckmim (PSDB) e Álvaro Dias (Podemos), trata-se de assegurar os bilhões anuais necessários para universalizar a coleta de esgoto e acabar com os lixões. Os dois candidatos e Marina Silva (Rede) propõem, inclusive, incorporar as Parcerias Público-Privadas para captar recursos privados para tais investimentos.  Já Guilherme Boulos (PSOL) e João Goulart (PPL) rejeitam a privatização do saneamento. Para o programa de Marina, saneamento ambiental é um dos eixos centrais de uma política de transição ecológica, o que também está presente nos programas de Lula (PT) e Boulos.

Também no tema do transporte urbano, a maior parte dos candidatos fala em investimentos para construção de trens, metrôs e corredores de ônibus. João Goulart (PPL) propõe, inclusive, a criação de uma empresa estatal (Metrobrás) para ampliar os metrôs nas grandes cidades. Já Marina aponta o estímulo à conversão da matriz energética do transporte coletivo para uma energia limpa e Boulos menciona o estabelecimento de um teto para as tarifas de transporte público coletivo, em todo o país.

Quanto à habitação, quase todos os candidatos que mencionam o tema falam de construção de casas populares, sendo que Ciro Gomes (PDT) e Lula (PT) se referem especificamente à continuidade do Programa Minha Casa Minha Vida, que, de acordo com as diretrizes apresentadas por ambos, deve ser aperfeiçoado.  Na proposta do PT inclusive há uma meta: 2 milhões de novas moradias deverão ser construídas e um “subsídio localização” deverá garantir uma melhor localização dos conjuntos nas cidades. Mas tanto o programa de Lula como os de Marina e de Boulos afirmam que a construção de casas não deverá ser a única proposta: locação social, urbanização de favelas e reforma de edifícios também fazem parte das diretrizes de governo propostas. No programa de Boulos, o acesso à moradia digna entra também como um elemento de promoção dos direitos de afrodescendentes e população LGBTT, e a assistência técnica pública e gratuita aparece como subsídio para as construções populares. Lula, Boulos, João Goulart e Vera (PSTU) mencionam a taxação de imóveis desocupados e sua mobilização para moradia. Finalmente, parece ser um consenso, entre todos os candidatos cujos programas incluem o tema urbano, a regularização fundiária e legalização das propriedades urbanas.

Sem apelo eleitoral, questões importantes para a política urbana – como a capacidade de gestão dos municípios, a coordenação das políticas entre municípios da mesma região ou conurbados e o planejamento de longo prazo, todos elementos muito importantes para a viabilização de qualquer plano ou política com efeitos duradouros – não aparecem nos programas. Falar em bilhões de investimentos para zerar déficits históricos é mais fácil. No caso do saneamento, por exemplo, há anos estão disponíveis recursos para financiamento de sua ampliação e mesmo assim a coleta e tratamento de esgotos no Brasil avança muito pouco.

O tema da superação da fragmentação da política urbana, também central, aparece nas diretrizes de Ciro, Marina, Boulos e Lula, que anunciam programas urbanos integrados multissetoriais, envolvendo moradia, transporte, saneamento etc. Para Boulos, se trata de construir um SUS das cidades, capaz de garantir recursos para a ampliação de áreas urbanizadas e também para sua manutenção permanente. O programa de Lula também menciona um Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano a ser estabelecido por um novo “marco regulatório do desenvolvimento urbano”.  Estas iniciativas requerem, entretanto, uma reforma do Estado – e até mesmo de nosso modelo federativo –, temas que infelizmente não estão na pauta do debate político do País.

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