Claudio Mubarac imprime a poética do gesto na arte

Em exposição em São Paulo, o artista revela suas impressões na busca do ser

 13/04/2018 - Publicado há 6 anos
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Obra em aquarela sobre papel recepciona o visitante na exposição de Claudio Mubarac – Foto: João Musa

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A paisagem em aquarela com uma série de nove desenhos abre a exposição individual de Claudio Mubarac. São fragmentos da passagem do ser pelos caminhos da arte. Nas imagens das pétalas de uma flor, de ossos, sementes, insetos ou de respingos de tinta, o artista e professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP parece resgatar as primeiras impressões do gesto da pintura.

O título da exposição, Anatomias de Abril, revela essa busca orgânica de um outro tempo. “A etimologia da palavra ‘abril’ remonta a duas acepções: aprillis, abrir/germinar, e aprus, nome etrusco da deusa do amor e da beleza, Vênus”, explica Mubarac. No espaço amplo da Face Gabinete de Arte, o espectador caminha por aquarelas, gravuras e telas. São 30 obras em plena harmonia.

A obra de Mubarac tem a referência das gravuras japonesas – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

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Crânios, fragmentos do corpo, flores, combinados entre si – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

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“Crânios, flores, morcegos, fragmentos do corpo, cores respingadas, combinados entre si, gravados em superfícies diferentes, desenhados ou impressos digitalmente. Essas ‘coisas’ não estão ali para serem representadas”, explica a curadora Ana Magalhães. “Na poética de Claudio Mubarac, elas estão no mesmo registro do próprio ato de desenhar ou gravar, assim como o papel no qual são depositadas é também parte inerente do sentido de sua obra. Ele desenha, grava, marca o papel, utilizando-se de suas ferramentas de gravador, criando objetos únicos.”

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Os trabalhos datam dos três últimos anos, mas, na verdade, já faz algum tempo que as datações pouco me interessam.”

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O tempo para Mubarac conta na dimensão da arte. “Os trabalhos datam dos três últimos anos, mas, na verdade, já faz algum tempo que as datações pouco me interessam”, conta o artista.

“Trabalho com base numa coleção de matrizes que rearticulo sempre que encontro necessidade. As mais antigas foram gravadas no início dos anos 90 e continuam a ser retrabalhadas, sempre em novas combinações com matrizes atuais, ou mesmo chegam a ser transformadas por intervenções de regravações ou por oxidações que o tempo registra em suas superfícies. Os desenhos e pinturas são feitos paralelamente, em diálogo com as estampas, e seu número e presença no ateliê têm crescido nos últimos anos. Por isso eu os apresento nesta mostra.”

Imagens com fundo dourado, soltas no espaço, lembram o Ma, que significa o vazio – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

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Para Ana Magalhães, também curadora e professora do Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, o trabalho de Mubarac se liga à obra dos grandes mestres da tradição artística por seu aspecto experimental e domínio técnico. “Esse mundo de imagens se faz de referências à anatomia do corpo e outras formas orgânicas, como a flor da espatódea, aqui tanto concretamente incorporada no momento da impressão como sugerida nos traços soltos da aquarela sobre o papel”, observa. “Elas são também feitas de texturas e cores, e por isso mesmo o artista trata o papel como ‘pele da gravura’. Ele, aliás, é um colecionador de papéis artesanais, novos, antigos, comprados de lotes fora de circulação e trazidos de várias partes do mundo. Por exemplo, as aquarelas delicadíssimas pintadas sobre um papel pautado guardam estreita relação com seu suporte: um papel de algodão japonês de textura também muito delicada, quase acetinada.”

Ana compara as paisagens de Mubarac à estampa erótica japonesa ukiyo-e, termo que significa “imagem do mundo flutuante”. “Em alguns, as manchas avermelhadas sugerem o sexo feminino.” Apesar da referência, o desenho do artista é, como bem acentua Ana, uma sugestão. Nada explícito nem óbvio. A presença da mulher tem a sua sensualidade forte desenhada com traços leves na recriação do ukiyo-e. Interessante também é a referência japonesa no fundo dourado das telas e no silêncio sugerido pelo vazio tão reverenciado pela arte japonesa. Um vazio expresso pela filosofia japonesa Ma, que significa o espaço, o intervalo, onde tudo pode acontecer.

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Sigo o conselho de Bashô, que nos diz: não faça o que os antigos fizeram, procure o que eles procuraram.

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Paulista de Rio Claro, Claudio Mubarac se graduou, fez mestrado e doutorado em Artes Plásticas na ECA, onde leciona desde 1994. “Não escolhi ser artista e professor, mas essa condição foi se construindo ao longo do tempo, já que ‘a chuva dos seres não se interrompe’, como diz o poeta Pascal Quignard.”

A mostra Anatomias de Abril reúne 30 obras de Mubarac, entre gravuras, aquarelas e telas – Foto: Cecília Bastos / USP Imagens

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Mubarac está sempre acompanhando e incentivando os jovens artistas. “Observo o trabalho das novas gerações com entusiasmo, mesmo quando percebo distâncias às vezes grandes se formando entre nossas visões de mundo. Aí estou sempre com o conselho de Bashô, que nos diz: ‘não faça o que os antigos fizeram, procure o que eles procuraram’. A originalidade tanto está no novo quanto na origem.”

Anatomias de Abril, exposição individual de Claudio Mubarac, está na Face Gabinete de Arte (Rua Cunha Gago, 208, Pinheiros, São Paulo). Pode ser vista até 28 de abril, de terça a sexta-feira, das 11 às 19 horas, e sábados, das 11 às 15 horas, com entrada franca. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (11) 3813-7330.

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