Tecnologia previne fraudes e interrupções na energia elétrica

Economia, segurança e sustentabilidade são pilares das redes inteligentes de energia estudadas nos laboratórios da USP

 08/11/2017 - Publicado há 6 anos
Na Escola de Engenharia de São Carlos (EESC), diversas pesquisas são desenvolvidas em Smart Grids, que propõe tecnologias para integrar processos de geração, transmissão e distribuição de energia de forma sustentável – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Evitar a interrupção da energia depois de eventos como uma tempestade, por exemplo, e que muitas vezes demora a voltar, é uma das vertentes dos estudos em Smart Grids. Na Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP, diversas são as pesquisas realizadas nesta área, que propõe o uso da tecnologia para integrar os processos de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica de forma sustentável.

“Hoje tudo é feito de forma manual e as redes de energia não são monitoradas. É por isso que as empresas que gerenciam a distribuição só tomam ciência de um problema quando os moradores do local prejudicado registram reclamações”, explica Eduardo Asada, professor do Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação (SEL) da EESC. Quando a equipe de manutenção chega ao local, é necessário identificar o problema e isolar a área. No caso de um poste precisar ser trocado, o corte de energia elétrica na região pode durar dias.

Além de Asada e do professor Denis Coury, chefe do SEL, compõem o mesmo grupo de pesquisa os docentes Mario Oleskovicz e José Carlos Vieira Junior. Métodos para melhorar a qualidade da energia elétrica, novas rotas e expansão de sua distribuição, ajustes em equipamentos para proteção contra curto circuitos, segurança na rede de energia e monitoramento estão entre os trabalhos que são desenvolvidos no Laboratório de Análise de Sistemas de Energia Elétrica e no Laboratório de Sistemas de Energia Elétrica.

Redes inteligentes de energia elétrica permitem aplicações em diversas áreas – Montagem: Jéssica Gomes

Outro grande projeto dos pesquisadores é o desenvolvimento de baterias gigantes que podem ser instaladas em redes de distribuição de energia para alimentar casas ou até bairros. Essa é mais uma alternativa de migração para uma matriz energética limpa capaz de diminuir o uso de fontes reconhecidamente poluentes, tanto em ocasiões de pane no sistema, quanto em épocas do ano nas quais o consumo é maior. “Nosso objetivo é que as pessoas tenham mais autonomia, possibilitando que o fornecimento de energia esteja disponível 100% do tempo e de uma maneira sustentável”, finaliza Asada.

Os trabalhos na área também contam com a atuação de outros dois laboratórios no departamento: o Laboratório de Análise Computacional em Sistemas Elétricos de Potência e o Laboratório de Automação Inteligente de Processos e Sistemas.

Rotas alternativas

Mas como as Smart Grids, ou redes inteligentes de energia elétrica, podem ajudar a contornar a situação? Segundo o docente, o que está sendo proposto nos estudos é a criação de rotas alternativas que possam levar energia elétrica para as regiões afetadas enquanto os reparos são feitos. Com o uso de sensores na rede, seria possível detectar o problema, comunicar em tempo real à empresa responsável, isolar a área comprometida e habilitar o fornecimento por uma rede próxima, tudo de forma autônoma.

As pesquisas da área possuem um caráter multidisciplinar e demandam, por exemplo, conceitos de computação, telecomunicações, inteligência artificial e economia. Um dos desafios na dinâmica das Smart Grids é reunir um elevado número de informações para que as ações possam ser executadas: “A possibilidade de obter, interpretar e comunicar os dados de toda a rede de energia facilita seu processo de automação”, afirma Denis Coury.

Denis Coury, chefe do Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação da EESC – Foto: Henrique Fontes/SEL

O desconhecimento do perfil e das características da própria rede pelas empresas responsáveis é um dos principais problemas do atual modelo de distribuição de energia elétrica e um prato cheio para os golpistas que tentam burlar o sistema de medição nas casas. Eduardo Asada explica que, embora as companhias saibam o quanto está sendo enviado de energia pelas subestações que alimentam as cidades, elas não conseguem ter a certeza do quanto realmente chega na residência de cada cliente.

“Se não possuem sensores espalhados pela rede, medindo o quanto está passando por cada trecho, as fraudes se tornam muito mais fáceis”. Segundo o especialista, o prejuízo para as empresas pode ser grande, já que as pessoas possuem mais equipamentos eletrônicos hoje e o consumo é bem maior do que há algumas décadas.

Produza, gerencie e venda sua própria energia

Outro conceito atrelado às Smart Grids é o de casa inteligente, no qual a residência é capaz de produzir a própria energia. A ideia é fomentar a instalação de painéis fotovoltaicos (solares) nas casas para que a energia elétrica obtida seja armazenada em baterias e utilizada em momentos convenientes que gerem economia aos moradores.

“Nós vivemos em um sistema sazonal e, principalmente no final do ano, as termelétricas entram em funcionamento, o que encarece nossa conta mensal e prejudica o meio ambiente. Com um “estoque” de energia em casa, poderíamos suprir parte do que compraríamos das concessionárias e, além de sair mais barato, seria uma iniciativa sustentável”, afirma Coury. Outra opção para obtenção de uma energia “limpa” é um maior investimento em energia eólica que, segundo o pesquisador, já é responsável por 7% de toda a produção energética do Brasil.

Moradores poderão acompanhar consumo de energia em tempo real pelo celular – Imagem: Pixabay

Caso a energia armazenada nas residências seja excessiva, os moradores terão a opção de vendê-la para as empresas possibilitando que outras pessoas a utilizem. Mas como monitorar a quantidade de energia em nossas casas? É aí que entram em cena os Smart Meters (medidores inteligentes), que são capazes de gerenciar o fluxo de energia das moradias, de modo a identificar o quanto está sendo consumido e fornecido. Com a ferramenta, qualquer pessoa conseguiria acompanhar seu consumo em tempo real pelo celular durante qualquer época do mês e planejar suas ações.

Outra vertente das Smart Grids que também impactará positivamente o meio ambiente contribuindo com a redução de poluentes é a preparação das cidades para o recebimento dos carros elétricos, que, segundo os especialistas, serão uma realidade inevitável. “Vamos precisar preparar os municípios para atender esses automóveis. Ao invés de um posto de gasolina, os motoristas vão procurar um lugar para recarregar a bateria de seus carros”, explica Coury.

Segundo Asada, a missão não é simples. “Diferente de uma casa, a demanda de um carro elétrico ainda é desconhecida. Dessa forma, como pensar em toda uma estrutura de rede elétrica sem saber como e onde esses veículos irão circular? Não depende apenas de conhecer os automóveis, mas também o comportamento das pessoas”, diz o especialista.

Alto potencial, pouco engajamento

De acordo com os professores, o Brasil sempre se destacou em pesquisas na área de energia renovável. Primeiro, por causa de sua grande extensão territorial, o que torna primordial a existência de mecanismos que entreguem energia para grandes distâncias, segundo, pela sua riqueza hidrográfica, que facilita o processo de geração de energia. Apesar de o Brasil possuir muitos cientistas tratando das Smart Grids, algumas barreiras impedem o avanço mais rápido de suas aplicações: “A área é muito conservadora e as empresas ainda possuem certa resistência do ponto de vista de inovação”, diz Coury.

Mais um fator que atrasa o desenvolvimento da área no Brasil é a falta de políticas públicas que incentivem os estudos nesse campo. Segundo o professor, seria essencial uma melhor infraestrutura e um maior investimento no setor e tudo isso passa, não só pelo Governo Federal, mas também pelas prefeituras na gestão das cidades. Nos Estados Unidos, um dos pioneiros na área, o cenário é o oposto e já podemos encontrar cidades que utilizam elementos das Smart Grids. A legislação norte-americana, inclusive, está avançada nesse aspecto e conta até com regulamentação para o uso da tecnologia.

Eduardo Asada: redes de energia de hoje não são monitoradas – Foto: Henrique Fontes/SEL

Segundo Coury, além das questões governamentais que prejudicam o andamento das pesquisas, a desigualdade do Brasil também atrapalha: “Existem projetos inovadores, mas que não poderão atender a todas as regiões do país, pois, em determinadas localidades, a disponibilidade de energia elétrica é precária. Isso é falta de planejamento”, explica.

Apesar do cenário desfavorável, algumas concessionárias brasileiras já começaram a executar projetos-piloto. Como exemplo, podemos citar a instalação de medidores inteligentes e painéis fotovoltaicos em regiões de Campinas, além da introdução de pontos de recarga para carros elétricos no trecho que liga o município à capital paulista. Essas iniciativas servem de alento aos pesquisadores para que vislumbrem um cenário otimista para o futuro: “Quando se falava em Smart Grids há cinco anos, imaginávamos algo para o futuro e hoje não é mais assim, as coisas estão acontecendo. Os medidores inteligentes, por exemplo, já são praticamente uma realidade e não devem demorar para estar em nossas casas”, conclui Coury.

Smart Grids em Metáfora: Alguns cientistas utilizam a figura de linguagem para definir e ilustrar o conceito de Smart Grids como sendo “o encontro de Thomas Edison com Bill Gates”. Enquanto o inventor da lâmpada incandescente representa nosso antigo sistema elétrico de potência, o bilionário fundador da Microsoft retrata o que há de novo, no que diz respeito à informatização e à modernização desses sistemas.

Henrique Fontes / Assessoria de Comunicação do SEL, com edição do Jornal da USP

Edição de imagens: Marília Ruberti

Mais informações: e-mail  comunica.sel@usp.br


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