Aves frugívoras têm papel essencial na restauração de ecossistemas

Pâmela Friedemann discorre sobre a atuação dos pássaros no processo ecológico de dispersão de sementes, o que também contribui para o processo de preservação ambiental

 Publicado: 11/06/2024     Atualizado: 12/06/2024 as 17:19
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A Mata Atlântica abriga uma enorme pluralidade de espécies de aves frugívoras – Foto: Reprodução/kuritafsheen77 – Freepik
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Um estudo realizado pelo Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, mostrou a importância de alguns grupos de pássaros no processo de restauração de ecossistemas e na diminuição dos efeitos das mudanças climáticas. Essa categoria de animais é caracterizada pela frugivoria, hábito alimentar baseado principalmente no consumo de frutas. Pâmela Friedemann, doutora em Ecologia pelo Instituto de Biociências (IB) e pós-graduanda da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), ambos da USP, explica o funcionamento da frugivoria na natureza e a importância desse processo para a preservação ambiental.

Segundo Pâmela, na natureza existe uma variedade de aves que se alimentam de animais invertebrados, como cupins e formigas, e outras que têm preferência por vertebrados, como pequenos mamíferos e anfíbios. Para uma espécie ser caracterizada como frugívora, grande parte de sua dieta alimentar precisa ser composta de frutos e, segundo ela, é possível estimar o grau de frugivoria a partir da quantidade consumida pelo animal.

Pâmela Friedemann – Foto: Currículo Lattes

Conforme a pesquisadora, a Mata Atlântica abriga uma enorme pluralidade de espécies de aves frugívoras, tal qual os tucanos, sendo a espécie de tucano-de-bico-preto (Ramphastos vitellinus) uma das aves mais frugívoras dessa família. Ela explica que existe também o grupo de aves da família Crascidae, como a jacutinga (Aburria jacutinga) e a jacupemba (Penelope superciliaris), que são maiores e, por consequência, conseguem consumir frutos de tamanhos diferentes. A jacutinga teve sua população reduzida drasticamente e atualmente é uma espécie considerada em perigo, de acordo com a lista vermelha da IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza).

“Além dessas aves frugívoras de maior porte, temos também as de menor tamanho, como o sabiá-una (Turdus flavipes) e espécies da família Pipridae, como o Tangará-dançador (Chiroxiphia caudata). Um outro grupo bem importante na frugivoria são as aves da família dos papagaios, como o periquito-de-encontro-amarelo (Brotogeris chiriri)”, esclarece.

Dispersão de sementes

Conforme a bióloga, a dispersão de sementes é um processo ecológico fundamental para as populações de plantas, porque assim elas conseguem ocupar e se estabelecer em novos locais e esse processo ocorre de diferentes maneiras, como pelo vento, pela água ou através dos animais. Quando é feito pelas aves, recebe o nome de ornitocoria e, além da ingestão de frutos, pode acontecer quando as sementes se prendem à penugem das aves.

Considerando a dispersão de semente através da frugivoria, o fruto é ingerido pela ave e viaja dentro do seu sistema digestivo até serem evacuadas através da defecação e depositadas no solo, momento em que passam a germinar e desenvolver uma nova planta. Segundo Pâmela, as aves são consideradas as espécies mais eficientes na dispersão de semente, porque elas conseguem se movimentar entre diferentes localidades e sobrevoar uma grande área.

“Um componente importante para esse processo de dispersão é a semente ser dispersada e se estabelecer longe da planta mãe, da planta de origem. Desse modo, esses indivíduos novos de plantas têm uma maior chance de se desenvolver, já que talvez não precisem competir com outras plantas que estão estabelecidas no local e assim conseguem ocupar mais ambientes”, explica.

Pâmela explica que, apesar de as aves serem as mais conhecidas na dispersão de sementes, elas não são as únicas, pois há diversos grupos de animais atuando dessa forma em ecossistemas ao longo de todo o território brasileiro. Outros exemplos de espécies com esse hábito são as cutias (Dasyprocta azarae), os morcegos e diversas espécies de primatas, como os muriquis (Brachyteles arachnoides), e de lagartos, como o teiú (Salvator merianae). No Cerrado, destaca-se o lobo-guará (Chrysocyon brachyurus) e, em ambientes de água doce, também praticam frugivoria os peixes como o pacu (Piaractus mesopotamicus).

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Equilíbrio ambiental

Segundo Pâmela, a interação entre aves e plantas é potencialmente mutualista, pois ambos os grupos de espécies têm benefícios. A ave que comeu o fruto é beneficiada por ter um recurso alimentar e a planta é beneficiada por ter a semente dispersada para longe de sua planta de origem e conquistar mais chances de se desenvolver. “Então essas plantas realmente dependem desses animais para dispersar suas sementes e ocupar e crescer em novas áreas. Quando a gente pensa em manter um ecossistema saudável é muito importante que serviços ambientais como a dispersão de sementes sejam mantidos”, diz. “Da mesma maneira, para se restaurar uma área que já foi desmatada, é essencial que se pense em ações e práticas que visam a estabelecer a dispersão de semente pelas aves e pelos outros animais nessa área. Pois assim as sementes chegam no solo dessas áreas que estão sendo regeneradas e as plantas vão começar a crescer e ocupar esses territórios”, analisa.

Efeitos climáticos

De acordo com a pesquisadora, os pássaros frugívoros também influenciam na mitigação das mudanças climáticas, porque desempenham o papel de manter ou restaurar o ambiente natural em diversas áreas do mundo. Ela explica que já existem trabalhos acadêmicos, como o do Instituto de Zurique, que estimam a redução de sequestro de carbono e conseguem quantificar isso em cenários com a extinção local de espécies frugívoras.

O sequestro de carbono é um processo naturalmente realizado pelas plantas, que utilizam em sua fase inicial de crescimento uma grande quantidade de carbono para se desenvolver. Esse carbono presente na atmosfera é capturado pelas plantas e, por isso, segundo Pâmela, o desmatamento é um grande inimigo do processo de sequestro, já que o corte das árvores promove a liberação da substância na atmosfera, bem como impede que, no futuro, a planta adulta possa absorver o CO2 através da fotossíntese.

“Pensando numa escala mais local, a frugivoria é importante para a manutenção de temperaturas amenas, porque é possível notar que, em ambientes urbanizados e que têm poucas árvores, as temperaturas são altíssimas no verão. Enquanto isso, em áreas mais arborizadas e naturais, as temperaturas geralmente são bem mais amenas”, analisa.

Pesquisa e preservação

Conforme Pamela Friedemann, é extremamente importante a preservação e o incentivo à pesquisa com esses grupos de animais, a fim de que seja possível identificar as principais espécies dispersoras de sementes e quais são os fatores externos que ameaçam a sua existência. Ela informa que, nos cenários de alta urbanização, desmatamento e fragmentação do ambiente é fundamental a presença das espécies praticantes da frugivoria para evitar a atenuação dos transtornos.

“Uma espécie que é eficaz como dispersora de semente na Mata Atlântica pode não ser eficaz como dispersora de semente em um outro ambiente, como no Cerrado, por isso é muito importante que sejam identificadas espécies eficazes no processo de dispersão de semente em cada tipo de ambiente. Dessa forma, nós nos aprofundamos no conhecimento da história natural de cada grupo de espécie e conseguimos estimar com mais precisão as principais fontes de impacto que podem sofrer no futuro”, finaliza.

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira


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