Experimento enriquece compreensão sobre o processo de aprendizado

Pesquisador do Neuromat ilustra como o cérebro toma decisões e “corrige” a Lei de Hick, de 1950

 06/06/2016 - Publicado há 8 anos     Atualizado: 10/10/2018 às 10:38
Foto: Visualhunt
A conclusão da pesquisa favorece a teoria de que o cérebro é um estatístico – Foto: Visualhunt

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O tempo que cada um de nós leva para tomar uma decisão aumenta proporcionalmente à quantidade de alternativas à disposição de quem vai decidir. Será? Só em parte, informa o resultado de um experimento liderado por André Helene, professor do Instituto de Biociências (IB) da USP e pesquisador do Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepid) em Neuromatemática (Neuromat). No experimento, a decisão a ser tomada aparecia como a tarefa de prever qual o próximo termo de uma sequência a partir de seus termos anteriores. Seis diferentes tarefas, na forma de sequência de letras, foram apresentadas a 48 voluntários, segundo um critério de complexidade: da mais simples, em que a sequência é conhecida ou fácil de aprender, como por exemplo ab – bc – cd etc., até uma sequência muito complicada ou até aleatória, em que depois de a, por exemplo, pode vir b, c, d.

O experimento mediu o tempo que os voluntários levaram para tomar a decisão sobre o termo seguinte na sequência. Resultado: nas sequências de complexidade intermediária, o experimento confirma a ideia de que quanto maior a complexidade, maior o tempo até que a resposta seja dada; mas não nos casos mais próximos aos extremos de mínima e máxima dificuldade para prever.

Neles, o tempo de espera em função da dificuldade para a tomada de decisão é melhor representado por um platô do que por uma reta inclinada.

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Experimento e tempo de reação (clique para aumentar)

Como? Assim: no caso de sequências fáceis de compreender ou fixas, o aumento do grau de complexidade – até um certo ponto – não aumenta o tempo de resposta; o mesmo platô acontece quando a complexidade aumenta: a partir de um certo grau de dificuldade, o tempo para a decisão estaciona no platô. Ou seja: a gente leva tanto tempo para responder a uma tarefa muito, muito difícil quanto para responder a uma dificílima. É como ir adicionando açúcar a um copo d’água. Você nota a doçura até determinado momento. Depois de muito doce, as papilas gustativas ficam superestimuladas e os receptores saturados, incapazes de reagir com precisão.

E daí? Daí que esse resultado cria exceções à chamada Lei de Hick, ou Hick-Hyman, em homenagem a dois pesquisadores da década de 1950: William Hick e Ray Hyman. A “lei” estabelece de forma mais precisa aquilo que está escrito na primeira linha deste texto: de que quanto mais alternativas temos à nossa frente – ou seja, quanto mais difícil é prever qual a melhor decisão, ou a escolha “certa” – mais tempo levamos para chegar à decisão. Na formulação do verbete sobre a Lei de Hick na Wikipédia, a lei “descreve o tempo que uma pessoa leva para tomar uma decisão com base no número de opções” passíveis de escolha. Os pesquisadores do Neuromat publicaram seus resultados em março passado na Scientific Reports, publicação de acesso aberto pertencente ao grupo Nature; dias depois, introduziram no verbete a seção “Exceções à Lei de Hick”, em que apresentam a variação que encontraram sobre o comportamento do tempo de resposta quando a tarefa a respeito da qual se busca uma decisão é simples demais ou complicada demais.

Previsibilidade e repetição

De acordo com Helene, a ideia de que a complexidade está relacionada com a dificuldade de execução de uma tarefa está certa em parte. “Mesmo que a tarefa seja complicada, com muito treino o sistema é capaz de transformar as coisas incompreensíveis em triviais”, diz. No estudo, Helene e um grupo de cientistas fizeram o experimento com 48 voluntários, em que cada um deveria prever a sequência alfabética apresentada pelo computador, chamada tarefa de previsibilidade. Cada voluntário ficou em uma sala com pouca iluminação, com a cabeça imobilizada de maneira que só pudesse olhar para o monitor. O experimento ainda era composto por dois mouses adaptados, com precisão de milissegundos e dois botões, em cada. A ideia era que os voluntários usassem os dedos indicadores e médios para acionar o botão correspondente a cada uma das quatro letras das sequências alfabéticas apresentadas.

Tarefas de previsibilidade fizeram parte do experimento - Foto: Visualhunt
Tarefas de previsibilidade fizeram parte do experimento – Foto: Visualhunt

Os resultados mostraram que o desempenho todo, e não necessariamente apenas o tempo de resposta, é afetado pela repetição do estímulo e pela incerteza da sequência numérica. O experimento avaliou o quanto de preparação de atividade nas áreas motora e visual o encéfalo geraria antes do aparecimento dos números e como os voluntários aprenderam as sequências.

Na representação gráfica, os resultados combinam melhor com forma de uma curva sigmoide e não de uma reta, demonstrando que a complexidade das possibilidades oferecidas gera três padrões diferentes de desempenho do encéfalo: os dois platôs e um meio dinâmico. “Há uma fase em que o aumento da complexidade não aumenta o tempo de resposta [quando a sequência é fácil ou quando você já aprendeu a sequência]; uma em que aumenta rapidamente [quando você já aprendeu e está acertando muito]; e uma terceira, em que a complexidade é tão alta que, por mais que o voluntário fosse exposto às repetições, ele não conseguia entender a lógica da sequência [ou quando você acerta todas as vezes, o que torna o tempo de resposta sempre igual]”, descreve o pesquisador.

Um modelo para descrever como o cérebro funciona

O experimento descrito é um entre os dois de que trata o artigo de André Helene. A leitura indica que mais importante ainda que a existência dos platôs é a interpretação dada pelos pesquisadores para o meio dinâmico da curva sigmoide. “Nós vimos que até a sétima, oitava vez que a sequência fácil aparecia, os voluntários estavam na parte dinâmica da curva. Depois, caíam no platô, porque acabava o processo de aprendizagem”, diz. O mesmo ocorria com as sequências randômicas ou nas vezes em que nem mesmo uma sequência era apresentada. Neste caso, a tarefa se torna tão difícil, que o cérebro é incapaz de acertar a previsão. Por isso, o desempenho sai, novamente, do meio dinâmico e cai no platô.

O meio dinâmico da curva sigmoide é uma interpretação dada pelos pesquisadores

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O modo de calcular que os pesquisadores entenderam como o melhor para explicar como o cérebro se comporta é chamado Joint Probability – a probabilidade de um fato acontecer levando em consideração todas as probabilidades de ocorrências variadas. Este modo está relacionado com o chamado modelo de circuito aberto. Em vez da constante checagem do passado, o modelo aberto faz avaliações de conjunto e leva em conta as probabilidades globais para prever as respostas.

Um jogador

O encéfalo, continuamente, fica gerando previsibilidades a partir de conhecimentos do passado. Se essa expectativa for realista e ele “acertar”, há um benefício. O acerto é uma espécie de filtro, que seleciona as informações relevantes buscando gerar um desempenho melhor, no tempo e na eficiência. “É o que o encéfalo está tentando fazer: engajar o potencial que ele possui naquilo que ele acha que é relevante e manter uma eficiência alta sobre os eventos que estão ocorrendo no ambiente”, conclui Helene.

A conclusão dos pesquisadores contribui com a teoria, proposta pelo Neuromat, de que o cérebro é um estatístico. “O encéfalo aposta o tempo todo e monitora constantemente cada evento” e aponta: “Se você conseguir gerar melhores expectativas sobre um evento, melhores serão suas previsões e consequentemente tomará melhores decisões”.

Wikipédia

Outro ponto caro ao Neuromat é o cuidado com a divulgação da ciência em ferramentas de acesso aberto. Por isso, entre os meios de difusão científica da preferência do centro está a Wikipédia. Já é possível ler, desde o final de março, a seção “Exceções à Lei de Hick”, no verbete sobre a lei, tanto em inglês quanto em português.

O artigo “Na sequência de modelos de aprendizagem: controle de malha aberta não estritamente guiada pela Lei de Hick” foi publicado no dia 15 de março, na Scientific Reports, revista científica do grupo Nature.

Tabita Said/Núcleo de Divulgação Científica da USP


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