USP recebe doação de biblioteca especializada em teoria das categorias

Especialidade da professora Marta Bunge (1938-2022), sua coleção foi doada ao Instituto de Matemática e Estatística da USP em dezembro de 2023, reunindo mais de 800 livros, que estão sendo catalogados e disponibilizados ao público

 Publicado: 02/07/2024
Marta Bunge em sua biblioteca doada para o Instituto de Matemática da USP – Foto: Eric Bunge/Arquivo pessoal

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Reconhecida por seu trabalho em cálculo variacional sintético e topologia diferencial sintética, Marta Bunge foi uma especialista na área da teoria das categorias que atuou como
professora emérita da Universidade McGill, do Canadá, sendo a única mulher do Departamento de Matemática e Estatística da instituição por cerca de 30 anos. Faleceu em 2022 e, depois de um processo que durou cerca de oito meses, em dezembro de 2023 sua biblioteca foi doada ao Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP, na Cidade Universitária, e agora está disponível para o público.

A doação para o IME decorre da vontade da própria pesquisadora que adoraria levar a pesquisa realizada em Teoria das Categorias para a América Latina”, conforme relataram seus filhos Silvia e Eric Bunge. Formada por mais de 800 livros identificados pela etiqueta Bunge e pelo ex-libris de uma libélula, a coleção engloba essa área de estudo, cujos conhecimentos também podem ser aplicados em outras ciências como física, biologia e filosofia. Na matemática, a teoria das categorias provê uma linguagem interdisciplinar capaz de delinear resultados e construções gerais, separando-os dos específicos a cada área, possibilitando a simplificação e clarificação de demonstrações.

A história da doação envolve uma amiga da família, a matemática brasileira Valéria de Paiva, que trabalha no Instituto Topos em Berkeley, Califórnia, nos Estados Unidos. Pioneira nas pesquisas em teoria das categorias no Brasil, Valéria colaborava com Marta Bunge e já havia co-editado um número especial da revista Theory and Applications of Categories em sua homenagem

Buscando uma universidade para realizar a doação, os filhos da professora Marta Bunge entraram em contato com Valéria, que indicou o professor Hugo Mariano, do Departamento de Matemática do IME. Eles descobriram que o professor da USP vinha trabalhando na criação de um centro de teoria das categorias no Brasil. Foi uma grande e ótima surpresa saber a extensão e sobretudo a qualidade e diversidade do acervo doado pela família da professora Marta Bunge. Pelo que vi, há livros excepcionais em diversas áreas, mas sobretudo os conectados à teoria das categorias e à álgebra”, informa o professor Mariano. 

O processo de doação ainda teve o auxílio de outro amigo da canadense, o professor Noson Yanofsky, do Brooklyn College, em Nova York, que selecionou e embalou os livros que considerava úteis. O envio dos livros para a USP, em São Paulo, foi por transporte marítimo. Foi um processo muito longo e complicado, e encontramos desafios inesperados ao longo do caminho. Por isso, ficamos muito felizes e aliviados quando eles finalmente chegaram do Brooklyn, em Nova York, ao Instituto de Matemática e Estatística da USP”, contaram os filhos da professora Marta. 

Professor Noson Yanofsky, de Nova York, organizando os livros a serem doados para o IME – Foto: Divulgação/IME USP

Disposição da coleção 

A chegada dos livros ocorreu em dezembro de 2023, quando começaram a ser catalogados e disponibilizados para empréstimos na Biblioteca do IME. Ao longo da catalogação, foi conferido o estado físico dos livros (que deve ser adequado para compor o acervo), além de sua subárea para disposição na Biblioteca.

Segundo a bibliotecária Stela Madruga, chefe técnica de serviço, responsável pela Biblioteca do IME, a doação foi composta por 856 exemplares, sendo alguns pertencentes ao acervo especial, os quais podem ser consultados apenas nas dependências da biblioteca. Os livros da coleção podem ser identificados pela etiqueta “Bunge” que consta na lombada, além do carimbo ex-libris de uma libélula na primeira página. Em muitos exemplares, há a assinatura da professora Marta Bunge também na primeira página.

O símbolo do ex-libris não foi uma escolha por acaso. A filha da professora Marta, Silvia, tinha lido que a libélula simboliza a sabedoria e a transformação: “Perfeito para um conjunto de conhecimentos transferidos da biblioteca pessoal da nossa mãe para uma universidade”. O seu filho Eric recordou que uma vez, ao longo de um passeio, a professora Marta foi seguida durante todo o caminho até sua casa por uma libélula. 

Biblioteca do Instituto de Matemática e Estatística da USP, em São Paulo, que recebeu a doação do acervo – Foto: Divulgação/IME USP

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O acervo pode ser consultado na Biblioteca Carlos Benjamin de Lyra, que fica na Rua do Matão, 1010, Bloco A, na Cidade Universitária, no bairro do Butantã, em São Paulo. A biblioteca funciona no período letivo de segunda à sexta, das 8h às 21h30. O telefone de contato é 3091-6174 e o e-mail bib@ime.usp.br

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Quem foi a Professora Marta Cavallo Bunge?

Sua trajetória reúne títulos importantes. Em 1966, a professora obteve seu PhD com a tese Categories of Set Valued Functors, orientada por Peter J. Freyd e William Lawvere. A partir do mesmo ano, ocupou a posição de pesquisadora de pós-doutorado na Universidade McGill, onde se tornou professora assistente em 1969, sendo a única mulher do Departamento de Matemática e Estatística por cerca de 30 anos. Tornou-se professora titular em 1985 e se aposentou como Professora Emérita em 2003.

Confira o depoimento de Silvia Bunge e Eric Bunge, filhos da pesquisadora:

A nossa mãe nasceu e cresceu em Buenos Aires, após ela e o nosso pai, o falecido filósofo Mario Bunge, viverem nos Estados Unidos e na Europa antes de se estabelecerem em Montreal por décadas. Ela era uma matemática teórica com muitos interesses diversos, incluindo música, literatura, arquitetura, política e muito mais. Ao longo da sua carreira, a nossa mãe esteve também muito envolvida na luta pelos direitos humanos, defendendo matemáticos encarcerados pelas suas convicções políticas e sensibilizando para as suas condições. Era uma leitora ávida de muitas revistas internacionais e uma crítica intransigente das nações que não defendiam os direitos humanos.

Ela foi a única mulher no seu departamento na Universidade McGill durante os primeiros 30 anos do seu cargo de professora. Vivenciou o sexismo, mas não se considerava feminista; limitava-se a seguir a sua paixão pela matemática. Não falava muito sobre o seu trabalho (nós não o teríamos compreendido), mas tem sido gratificante ouvir dos seus colegas e antigos alunos que era uma matemática brilhante, uma professora inspiradora, generosa e uma colega calorosa.

 

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*Texto adaptado de Nathalie Rodrigues, do Serviço de Apoio Institucional do IME USP


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