Ilustração da impressora 3D “tamanho real” (escala 1:1) que vai ser desenvolvida no novo laboratório criado pela Poli em colaboração com a indústria de cimento

Em cinco anos, USP faz mais de 11 mil convênios com empresas e instituições públicas

Interação com entidades públicas e privadas mostra que a Universidade está cada vez mais aberta para resolver problemas práticos do mercado e da sociedade

Por Herton Escobar

16/10/2020

Arte: Camila Paim/Jornal da USP

O estereótipo da universidade pública como uma torre de marfim, fechada em si mesma, está desmoronando. No lugar dele, começa a ganhar forma a imagem de uma nova construção, mais adaptada ao estilo coworking: um ambiente aberto e colaborativo, no qual a academia, indústria e poder público interagem com agilidade para resolver problemas de interesse comum.

Só nos últimos cinco anos, a USP firmou mais de 11 mil convênios com entidades públicas e privadas; incluindo cerca de 600 convênios com empresas para fins de pesquisa científica e inovação tecnológica. É o conhecimento produzido na universidade pública auxiliando o desenvolvimento de diferentes setores da economia.

Os dados são do Departamento de Convênios (DCONV) da USP, criado há menos de um ano, justamente para organizar essas informações, consolidar processos e favorecer a interação da Universidade com a sociedade. “Já fizemos muita coisa e vamos fazer muito mais”, diz o diretor do novo departamento, Igor Studart Medeiros, professor da Faculdade de Odontologia (FO). Como a gestão dos convênios, até então, era descentralizada, diz ele, era difícil até mesmo para a própria USP ter uma visão panorâmica, quantificada, de todas as suas interações com a sociedade. “Havia muito desconhecimento, tanto da comunidade interna quanto externa, do volume de convênios que a Universidade tem com o setor produtivo”, avalia Medeiros.

Neste exato momento, segundo o DCONV, há 133 convênios vigentes ou já aprovados entre a USP e empresas para fins de pesquisa e inovação. Há várias modalidades de interação: a empresa pode contratar a Universidade para prestar um serviço específico (por exemplo, avaliar a eficácia de um teste de covid-19 já existente) ou juntar forças para iniciar um projeto de pesquisa colaborativo (por exemplo, para desenvolver um novo teste de covid-19).

A propriedade intelectual das descobertas é sempre compartilhada entre a empresa e a Universidade, como no caso emblemático do Vonau Flash, um medicamento para controle de náuseas e vômitos desenvolvido pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP em parceria com a empresa Biolab Sanus.

Um dos maiores e mais recentes exemplos desse esforço de colaboração em pesquisa e inovação é o Centro de Inteligência Artificial (C4IA), inaugurado nesta semana, 13 de outubro, que vai agregar esforços da USP e da gigante IBM para a solução de questões estratégicas no campo da Inteligência Artificial (IA) no Brasil. “Não tenho dúvida de que em poucos anos vamos dar grandes saltos nessa área”, disse o pró-reitor de Pesquisa da USP, Sylvio Canuto, que integra o Comitê Estratégico do centro. “Esse é um projeto estratégico da USP, que considera a área de Inteligência Artificial essencial para o desenvolvimento da sociedade moderna, e a interação com a indústria nos dá um alcance ainda maior nesse contexto.”

Sylvio Canuto, pró-reitor de Pesquisa – Foto: Marcos Santos/ USP Imagens

Abrigado no Centro de Pesquisa e Inovação InovaUSP, com mais de 60 pesquisadores envolvidos, o C4IA é a quinta unidade do programa Centros de Pesquisa em Engenharia (CPEs) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) com sede na USP, de um total de 11 unidades já implementadas (veja a lista abaixo).

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Os CPEs seguem o modelo de sucesso dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) da Fapesp (dos quais 11, de um total de 17, também são sediados na USP), com o diferencial de que nos CPEs o trabalho é financiado e desenvolvido em colaboração direta com empresas. O investimento previsto para o C4IA, por exemplo, é da ordem de R$ 40 milhões em cinco anos (renováveis por mais cinco), sendo R$ 2 milhões por ano da Fapesp, R$ 2 milhões por ano da IBM e R$ 4 milhões por ano da USP. Em todos os casos, a contrapartida da Universidade é dada na forma de recursos humanos, infraestrutura, equipamentos e serviços.

Além dos cinco CPEs, a USP abriga 20 dos 25 projetos vigentes até 2019 do programa Pesquisa em Parceria para Inovação Tecnológica (PITE), também da Fapesp, que financia projetos de colaboração universidade-empresa, e três unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), do governo federal, que também apoia projetos de inovação tecnológica, num modelo de financiamento tripartite.

Centros de Pesquisa em Engenharia (CPEs) da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp)

Projetos de colaboração entre universidades e empresas, com duração de 5 a 10 anos
Unidade sede: Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP)
Empresa parceira: Koppert Biological Systems
Área de atuação: Controle biológico de pragas agrícolas
Unidades sede: Inova USP e Instituto de Ciências Matemáticas e da Computação (ICMC) da USP em São Carlos
Empresa parceira: IBM
Área de atuação: Inteligência Artificial
Unidade sede: Instituto de Psicologia da USP
Empresa parceira: Natura
Área de atuação: Bem-estar humano, físico e emocional
Unidade sede: Escola Politécnica da USP
Empresa parceira: Shell
Áreas de atuação: Uso sustentável do gás natural, armazenamento de CO2
Instituições sede: USP, Unicamp e Ipen
Empresa parceira: Shell
Áreas de atuação: Armazenamento de energia limpa, conversão de metano
 

Unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii)

Desenvolvem projetos colaborativos financiados pela Embrapii, empresas e instituições de pesquisa
Sede: Centro de Inovação em Construção Sustentável (CICS) da Poli-USP
Áreas de atuação: Construção civil e infraestrutura
Sede: Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP)
Áreas de atuação: Controle biológico de pragas agrícolas
 
Sede: Instituto de Física de São Carlos (IFSC)
Áreas de atuação: Produtos, sistemas e processos de inovação
Sede: Laboratório de Tratamentos, Reciclagem de Resíduos e Extração (Larex) da Poli-USP
Áreas de atuação: Processos e produtos sustentáveis

Tripla hélice da inovação

Essa “tripla hélice” formada pela universidade, indústria e agência de fomento é fundamental para dar sustentação aos projetos, impulsionar a inovação e acelerar a transferência de resultados para a sociedade, diz o engenheiro Gustavo Assi, professor da Escola Politécnica (Poli) da USP e diretor de inovação e difusão do conhecimento do Centro de Pesquisa para Inovação em Gás (RCGI).

O RCGI foi o primeiro Centro de Pesquisa em Engenharia a ser implementado na Universidade, no fim de 2015, com patrocínio da Fapesp e da Shell, focado no uso sustentável do gás natural e armazenamento de CO2, entre outros tópicos de pesquisa. Os números desses primeiros cinco anos de operação impressionam: mais de 370 pesquisadores envolvidos, 18 laboratórios, 46 projetos de pesquisa e R$ 213 milhões em investimentos (R$ 145 milhões da Shell, R$ 28 milhões da Fapesp e R$ 40 milhões de contrapartida da USP). A Shell nem esperou o fim do quinquênio para fazer novos aportes de recursos, o que permitiu ampliar substancialmente o portfólio de pesquisas do centro já a partir de 2018. A Fapesp deve anunciar em breve a renovação do convênio para os próximos cinco anos. Depois disso, o financiamento público ainda poderá ser prorrogado por mais um ano.

Essa garantia de financiamento de longo prazo — recentemente colocada em risco pelo Projeto de Lei 529, e novamente, agora, pelo Projeto de Lei 627, que prevê corte de 30% no orçamento da Fapesp para 2021 — é outro componente essencial da equação, segundo Assi. É o combustível que mantém a “tripla hélice” girando tempo suficiente para gerar os resultados almejados. “O RCGI só chegou aonde chegou porque tinha um horizonte mínimo de 11 anos para trabalhar”, avalia Assi. “Ninguém vai se dedicar com a mesma intensidade para fazer um negócio que pode acabar no dia seguinte.”

A colaboração com empresas permite que os pesquisadores trabalhem com maior objetividade na busca de soluções para “problemas reais” da indústria — que nem sempre são óbvios para quem está na Universidade.

Gustavo Assi, professor da Poli e diretor de inovação e difusão do conhecimento do RCGI – Foto: Reprodução/ RCGI

“Você antevê as necessidades da indústria e faz pesquisa de excelência, direcionada para um objetivo definido, com implementação muito mais rápida dos resultados”, diz o entomólogo José Roberto Postali Parra, professor titular da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, e coordenador do Centro de Pesquisa Avançada de São Paulo para Controle Biológico (SPARCBio), outro CPE já aprovado, que deverá entrar em operação no início de 2021. O foco será no controle biológico de pragas agrícolas (técnicas que utilizam insetos, vermes, bactérias e outros inimigos naturais das pragas, em vez de defensivos químicos). O investimento previsto é de R$ 40 milhões nos primeiros cinco anos, entre recursos da Fapesp, da Esalq e da Koppert Biological Systems, empresa multinacional com sede na Holanda e líder no setor.

José Roberto Postali Parra, professor da Esalq e coordenador do SPARCBio – Foto: Gerhard Waller/ Esalq

Tudo isso, garante Parra, sem que os pesquisadores precisem “se vender” para as empresas nem abrir mão de fazer pesquisa básica, formar alunos ou publicar trabalhos científicos de alto impacto. “No passado, o indivíduo da universidade que mantivesse contato com a indústria era malvisto na comunidade”, comenta Parra. Mas essa percepção está mudando, diz ele. “Era um pecado capital; agora é um pecado venial”, brinca o professor.

Parcerias concretas de alto impacto

“A ideia de que a pesquisa com empresas não gera artigos científicos de impacto é preconceituosa”, diz o engenheiro civil Vanderley Moacyr John, professor titular da Escola Politécnica da USP, coordenador do Centro de Inovação em Construção Sustentável (CICS) — que tem apoio de várias empresas do setor — e do Hubic, um núcleo de pesquisa e desenvolvimento sobre construção digital, recentemente criado por meio de um acordo de cooperação técnica entre a Poli, a Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP) e o Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC).

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Pelo contrário, diz John: nas ciências aplicadas, os trabalhos científicos de maior impacto costumam ser, justamente, aqueles que são desenvolvidos em colaboração com a indústria, “porque tratam de problemas reais” daquele setor. “É uma vantagem muito grande. Artigos que discutem problemas reais relevantes têm muito mais impacto e ajudam mais a sociedade”, diz o pesquisador. “Essa é a nossa ambição; fazer alianças em cima de objetivos comuns, sem perder a nossa identidade.”

A colaboração com empresas é essencial para “transformar pesquisa em produtos”, ressalta John. Ou, nas palavras de Assi, “fazer o conhecimento virar aço”.

O acordo com a ABCP, cuja sede é anexa ao campus da USP em São Paulo — não por acaso, mas em função de um longo histórico de cooperação —, prevê a construção de um laboratório para impressão 3D de projetos em tamanho real (escala 1:1), além de um espaço de coworking, com capacidade para hospedar 30 profissionais, e outras iniciativas. O investimento previsto no Hubic é de R$ 8 milhões, bancados pelo indústria, com contrapartida da Universidade em infraestrutura, laboratórios e recursos humanos. “A ABCP tem uma lista de necessidades de inovação, e nós temos a ciência, os laboratórios e os pesquisadores para resolver essas necessidades”, afirma John. “Não vamos dar consultoria, vamos desenvolver soluções.”

O Hubic será vinculado ao CICS, na Escola Politécnica, que também abriga uma Unidade Embrapii de Construção Ecoeficiente.


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