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A burocracia excessiva é um dos problemas mais antigos, mais debilitantes e mais desgastantes da ciência brasileira. Um estudo realizado em 2017 estima que pesquisadores brasileiros perdem, em média, cerca de 35% do seu tempo preenchendo formulários, pesquisando preços, pedindo notas fiscais, fazendo prestação de contas e outras chatices administrativas. Só que ninguém havia precificado esse tempo perdido até agora.
Em preparação para uma audiência sobre o tema na Câmara dos Deputados, o engenheiro Fernando Peregrino resolveu fazer as contas. Resultado: prejuízo de R$ 9 bilhões por ano, considerando todos os dispêndios públicos e privados em atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) no Brasil em 2016 — ano de referência para o cálculo.
Só na esfera federal, o prejuízo foi de R$ 3 bilhões. Para se ter uma ideia da ordem de grandeza, isso equivale à soma dos orçamentos do CNPq e do FNDCT naquele ano (R$ 1,3 bilhão e R$ 1,65 bilhão, respectivamente) e ao orçamento atualmente disponível para investimento em pesquisa pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações em 2019 (R$ 2,95 bilhões).
“É um desperdício inaceitável”, disse Peregrino ao Jornal da USP. “Eu vejo isso todos os dias no meu trabalho; é torturante”, completou. Peregrino é presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies), e diretor executivo da Coppetec, fundação de apoio à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Ele lembra que a grande maioria dos cientistas brasileiros trabalha em universidades e institutos públicos de pesquisa e que, portanto, o tempo perdido com a burocracia não representa apenas um atraso de vida para eles, mas um desperdício de dinheiro público para toda a sociedade.
A pesquisadora Lygia da Veiga Pereira, do Instituto de Biociências (IB) da USP, em São Paulo, conhece bem essa “tortura”. “A gente é cientista, mas tem de virar contador”, diz. Além do tempo perdido com papelada, os pesquisadores precisam lidar com a demora para importação de reagentes, amostras, equipamentos e outros materiais indispensáveis que não existem no Brasil e podem levar de dois a três meses para chegar aos laboratórios — comparado a dois ou três dias nos países desenvolvidos.
“Desde a contratação dos projetos até a prestação de contas é tudo muito demorado, muito complicado”, destaca Lygia, que dirige o Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias (LaNCE). “Como é que você mantém o entusiasmo dessa forma? Pior ainda, como é que você mantém a competitividade?”
O neurocientista Stevens Rehen, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), calcula que perde um mês por ano de trabalho com burocracia. Extrapolando isso para os cerca de 200 mil pesquisadores em atividade no Brasil, são milhares de anos de trabalho científico desperdiçado.
“A escassez de recursos, o excesso de burocracia, a demora para importação de insumos; tudo isso atrasa para o progresso da ciência brasileira imensamente”, lamenta Rehen. Em 2014, ele realizou uma enquete com 165 cientistas, de diversos Estados, revelando que quase todos eles já tinham desistido de realizar ou mudado as configurações de alguma pesquisa por causa das dificuldades de importação.
O problema que já é crônico se torna ainda mais agudo no cenário atual, de penúria orçamentária, em que muitas instituições de pesquisa estão tendo que sobreviver com metade dos recursos que o ministério dispunha até poucos anos atrás. Quanto o tamanho do bolo encolhe, qualquer fatia a menos faz falta.
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Muitos mecanismos foram criados nos últimos anos, por meio de leis, decretos e normas técnicas, com o objetivo de aliviar a carga de burocracia que incide sobre a pesquisa em diversos órgãos e agências de governo, como Anvisa, Ibama, Receita Federal. Mas o problema persiste.
O problema, segundo os participantes da audiência na Câmara, não está mais nas normas, mas na falta de implementação das mesmas. “Não queremos mais leis; queremos que as leis que já existem sejam implementadas”, afirma Peregrino. Algo que, segundo ele, passa por uma “mudança cultural” dos agentes fiscalizadores que atuam na ponta do sistema, e que nem sempre seguem na prática as normas de flexibilização estabelecidas no papel.
Uma proposta defendida pelo Confies para simplificar essa implementação seria a unificação dos recursos de custeio e capital destinados a projetos de pesquisa sob uma única rubrica de investimento, permitindo que esses recursos sejam executados com mais flexibilidade e menos burocracia.
Os vídeos da audiência do dia 29 de maio, na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, podem ser vistos aqui: https://bit.ly/2WK9RiU