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Pesquisadores preveem corte de bolsas em edital do CNPq

Chamada lançada pela agência de fomento impõe teto para renovação de bolsas que estão vencendo em 2021

22/03/2021
Por Herton Escobar

O primeiro edital deste ano para concessão de bolsas de mestrado e doutorado do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) deixou pesquisadores preocupados. Pelas regras da chamada, divulgada em 10 de março, apenas programas de pós-gradução que têm bolsas a vencer neste ano podem concorrer e, ainda assim, limitados a um teto máximo de renovação. Por exemplo: programas pequenos, com até duas bolsas de mestrado ou doutorado, poderão renovar até 100% de suas bolsas; enquanto que programas grandes, com mais de 20 bolsas, só poderão manter até 60% delas.
 
Carlos Gilberto Carlotti Júnior - Foto: Marcos Santos / USP Imagens
“É um edital que só prevê perdas, basicamente”, diz o pró-reitor de Pós-Graduação da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior. “Não há possibilidade de ganhar bolsas. Um pequeno grupo de programas poderá manter as que já tem, mas a grande maioria vai perder.”
“O nome correto deveria ser ‘Chamada para retirada de apoio à produção de ciência e tecnologia no Brasil’”, diz o pesquisador Paulo Prado, professor do Instituto de Biociências (IB) e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ecologia da USP. “É um edital montado para recolher bolsas, não para distribuir. As regras não deixam margem para ganhos, mas abrem várias possibilidades para perda.”
Paulo Inácio Prado, professor do Instituto de Biociências - Foto: Divulgação/IB
Trata-se do segundo edital lançado pelo CNPq dentro de um processo de transição do antigo modelo de quotas — em que os programas de pós-gradução recebiam um número fixo de bolsas para distribuir entre seus alunos — para um novo modelo em que as bolsas são concedidas a projetos de pesquisa institucionais. Consequentemente, o processo seletivo passa a ser baseado no mérito dos projetos, em vez do mérito dos programas, e uma vez concluído o período de vigência das bolsas (dois anos para mestrado e quatro anos para doutorado), elas retornam ao CNPq para serem redistribuídas em novos editais, em vez de permanecerem à disposição dos programas. O primeiro edital realizado dentro desse modelo foi a Chamada 25/2020, concluída em dezembro.
Procurado pelo Jornal da USP, o CNPq afirmou que: “Todas as bolsas cuja vigência expira no primeiro e segundo semestres de 2021 serão recolhidas pelo CNPq e redistribuídas por meio dessa nova Chamada Pública, dando continuidade à mudança do modelo por quotas para a concessão de bolsas por meio de projeto de pesquisa institucional, iniciada com a Chamada 25/2020. Não se trata de recolhimento e nem aumento de bolsas, trata-se de resgatar a missão precípua do CNPq de fomentar a pesquisa científica nas instituições de ensino e pesquisa. O modelo de quotas permanentes disponíveis para os programas indicarem seus bolsistas não será mais usado pelo CNPq, que fará regularmente chamadas para avaliar projetos de pesquisa institucional para a concessão de bolsas de mestrado e doutorado”.
 
“Dando continuidade ao processo de transição, a atual chamada será de manutenção ou seja, as bolsas recolhidas retornarão para o programa de pós-graduação após a aplicação do critério de transição e circunscritas ao novo modelo de concessão por meio de projeto de pesquisa institucional”, completou a agência.

Conceito x prática

Conceitualmente, o novo modelo de distribuição de bolsas é bem-visto pela comunidade científica. Na prática, porém, a situação é complicada. “Os novos critérios podem ser bons, se forem bem usados”, diz o professor Carlos Menck, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. “O problema é que estão usando isso para, simplesmente, baixar o número de bolsas.” Coordenador do Laboratório de Reparo de DNA, no Departamento de Microbiologia do ICB, Menck diz que nunca teve tanta dificuldade para conseguir bolsas como agora. Que tipo de dificuldade? “Não tem bolsa”, resume ele.
O professor Carlos Menck do ICB - Foto: Reprodução / Canal USP

Os novos critérios podem ser bons, se forem bem usados (...). O problema é que estão usando isso para, simplesmente, baixar o número de bolsas.

A escassez de bolsas dificulta — ou até mesmo impossibilita, em muitos casos — a participação dos alunos de pós-graduação em projetos de pesquisa, resultando em prejuízos profundos para a formação desses alunos e para a produção científica e tecnológica do País como um todo (já que a maior parte dessa produção ocorre dentro das universidades públicas de pesquisa, feita por estudantes de pós-graduação). “No fundo, o que estão fazendo é cortar investimento em pesquisa”, avalia Menck.
Luis Raul Abramo - Foto: Divulgação/IFSC
“É um corte líquido e certo”, avalia Luis Raul Abramo, professor do Instituto de Física e coordenador do Programa de Pós-Graduação em Física da USP. Ao mesmo tempo que impõe um teto de renovação aos programas grandes — que, tradicionalmente, são os mais antigos e de maior excelência —, diz ele, o edital não permite que programas novos, que ainda não têm bolsas (ou que não têm bolsas a vencer neste ano) concorram ao benefício.
 
Outra preocupação, segundo Abramo, é com relação à transparência do processo. Segundo ele, não ficou claro para a comunidade científica como foi feito o julgamento dos projetos no edital anterior — nem como será feito nesta nova chamada. “Se o objetivo é fazer algo mais baseado em análise de mérito, é preciso deixar claro como essas avaliações são feitas”, diz.
Segundo o edital, os tetos de renovação visam à “manutenção de um patamar adequado de bolsas”. “As propostas apresentadas pelos diferentes PPGs (Programas de Pós-Graduação) não concorrem entre si, tendo em vista que os projetos institucionais serão julgados individualmente, com base no número de bolsas do PPG a vencer em cada modalidade (Mestrado e/ou Doutorado) e com a aplicação do respectivo critério de transição. Nesse sentido, não haverá redistribuição de bolsas entre os PPGs”, diz a chamada.
A arqueóloga Ximena Villagran, professora do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Arqueologia da USP, concorda com a intenção do CNPq de induzir (por meio do novo modelo) uma melhor distribuição de bolsas pelo País, mas também cobra um pouco mais de transparência e clareza no processo. “A intenção é boa, mas a maneira como está sendo implementada é muito confusa”, avalia. No edital anterior, segundo ela, o programa conseguiu renovar suas duas bolsas que estavam vencendo em 2020. Agora, espera renovar outras três.
A arqueóloga Ximena Villagran - Foto: Reprodução/Research Gate

Restrição orçamentária

O edital não diz o que acontecerá com as bolsas que não forem renovadas; mas pesquisadores ouvidos pela reportagem têm poucas esperanças de que elas sejam redistribuídas no curto prazo, dadas as restrições orçamentárias que o CNPq deve enfrentar neste ano. O orçamento de bolsas previsto para a agência este ano é 12% inferior ao de 2020, e 60% dependente da liberação de créditos suplementares.

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O valor previsto para ser desembolsado no edital é de R$ 400 milhões, “oriundos do orçamento do CNPq, a serem liberados de acordo com a disponibilidade orçamentária e financeira do CNPq”. No edital anterior, o montante foi de R$ 70 milhões.
 
“Caso haja um número significativo de bolsas remanescentes ao término dessa chamada, o CNPq poderá utilizar esses recursos em novas chamadas públicas”, declarou a agência ao Jornal da USP.
 
A comunidade científica conquistou uma vitória importante nesta semana no Congresso Nacional, com a derrubada parcial dos vetos presidenciais à lei do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). Com isso, o FNDCT não poderá mais sofrer “reservas de contingências”, o que significa que todo o valor previsto para arrecadação do fundo em 2021 (cerca de R$ 7 bilhões) estará disponível para investimentos em ciência e tecnologia.
Esses recursos, segundo o CNPq, também poderão ser usados para expandir a capacidade de fomento da agência a programas e bolsas.
 
Sobre os tetos de renovação previstos no edital, o CNPq explica que eles se aplicam “unicamente a bolsas que estão vencendo em cada um dos semestres computados separadamente”.
 
“O CNPq tem sido extremamente cuidadoso em mudar o modelo de concessão de bolsas, buscando focar na sua missão que é financiar pesquisa, mas sem impactar de modo brusco qualquer PPG que já conta com bolsas do antigo modelo. Trata-se de uma transição planejada, envolvendo a comunidade científica na discussão e acolhendo sugestões para o aprimoramento da concessão de bolsas aos PPGs por meio de projetos de pesquisa institucional”, declarou a agência.

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