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Só no Estado de São Paulo, mais de 1.200 produtores de leite e derivados, com potencial para serem regularizados, atuam na informalidade, segundo o documento técnico Diagnóstico dos Serviços de Inspeção Municipal (SIM), da Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (CATI). Por esse motivo, a Rede de Pesquisa em Queijos Artesanais Brasileiros (Repequab), criada por pesquisadores do Centro de Pesquisas em Alimentos (Food Research Center – FoRC), da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da USP, desenvolveu um protocolo analítico para padronizar pesquisas científicas sobre segurança microbiológica de queijos artesanais produzidos com leite cru e maturados por menos de 60 dias.
Solicitado pela Associação Paulista de Queijos Artesanais (APQA), o protocolo, que inclui etapas de aplicação de questionário para qualificação do risco do produto e processo produtivo e a realização de análises microbiológicas, foi publicado no formato de um relato de experiência na Revista de Segurança Alimentar e Nutricional.
No Brasil, é permitida a produção de queijos de leite cru, com menos de 60 dias de maturação, em condições específicas estabelecidas pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), sendo necessário o cumprimento de uma série de requisitos legais a mais do que os demais queijos — aqueles produzidos com leite pasteurizado ou com leite cru desde que maturados por 60 dias ou mais, a fim de evitar contaminações por patógenos que causam doenças como brucelose, tuberculose e outras transmitidas por alimentos.
Um desses requisitos é a obrigatoriedade de realização de pesquisa científica que comprove que o queijo de leite cru não traz riscos à saúde, algo que, no entanto, não tem regras para execução estabelecidas pelo Mapa. Assim, atualmente, fica a cargo de cada órgão de inspeção (federal, estadual ou municipal) estabelecer o que considera uma pesquisa científica válida para comprovar a segurança dos queijos, sendo que este processo muitas vezes acontece após a realização da pesquisa, quando já foram dispendidos tempo e recursos financeiros. A ideia é que o protocolo possa balizar produtores e órgãos de inspeção sanitária sobre os parâmetros necessários para regularizar um produto do gênero.
Divergência de regras
“Existe uma divergência muito grande de regras entre os Estados, e é isso que o protocolo visa padronizar, com base no que a ciência julga como seguro e no que é possível de ser adotado pelos produtores que, em grande parte, são pequenos agricultores”, afirma um dos coordenadores do projeto, Uelinton Pinto, professor da FCF e pesquisador do FoRC.
“Uma consequência da aplicação de protocolos diferentes é que, em Santa Catarina, por exemplo, o limite de maturação para um queijo artesanal tradicional é de 5 dias, enquanto, em Minas Gerais, varia entre 14 e 22 dias, sendo que essa diferença de tempo não significa que os queijos mineiros levam o triplo de tempo para atingir o mesmo padrão de segurança microbiológica”, detalha a outra coordenadora do projeto, Alline Artigiani Lima Tribst, engenheira de alimentos do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alimentação da Universidade Estadual de Campinas (Nepa/Unicamp).
Segundo os pesquisadores, o protocolo busca solucionar também a falta de clareza envolvida no processo. Para eles, os órgãos de inspeção não utilizam uma metodologia clara para avaliar essas pesquisas. Não é definida qual é a amostragem que precisa ser apresentada, qual porcentagem de toda produção ela representa, por quanto tempo devem ser feitas as análises e quais análises são essas. Com essa ausência de diretrizes, não há como saber se o seu produto será aprovado, mesmo se for considerado seguro pelos resultados de análises realizadas por pesquisadores independentes; e o custo para realizar essas pesquisas pode ser muito alto.
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“Vamos supor que um grupo de pesquisa cobre mil reais para analisar uma amostra e seja preciso avaliar quatro amostras por mês, por um período de seis meses. São 24 mil reais, o que é inviável para muitos produtores e pode ser que o produto nem seja aprovado no fim das contas”, afirma Uelinton. “Em São Paulo, mais especificamente, cada produtor faz um queijo diferente e muitos produzem mais de uma variedade de queijo. Isso contrasta com regiões onde centenas de produtores fazem o mesmo queijo”, comenta Alline. Esses fatores refletem diretamente na alta taxa de produtores na informalidade.
Pensando nessa questão, o protocolo foi apresentado à Defesa Agropecuária do Estado e à CATI com a proposta de que, com recursos do governo do Estado, ele seja regulamentado pelo primeiro órgão e aplicado por técnicos vinculados à segunda instituição. Esses técnicos fariam vistorias nas queijarias que solicitarem o serviço, com a incumbência também de coletar as amostras que seriam então analisadas por pesquisadores de universidades e de instituições de pesquisa.
Conheça o protocolo
O protocolo é baseado no volume de produção de cada queijaria e nos riscos do queijo específico e do processo produtivo aplicado em cada queijaria. Com um questionário padrão (modelo checklist), seriam avaliados os riscos envolvidos na produção. Conforme a avaliação, o técnico definiria o número de amostras necessárias para a análise, que inclui enumeração de Escherichia coli, Estafilococos coagulase positiva, Listeria monocytogenes e pesquisa de Salmonella, podendo variar de uma a 16 amostras mensais durante seis meses.
“A quantidade de amostras dependeria da avaliação dos técnicos sobre as boas práticas de ordenha, o controle de qualidade da queijaria e um diagnóstico da estrutura da queijaria como um todo. Também entra no cálculo o tempo de maturação e o volume de produção, pois quanto menos tempo de maturação e maior o volume, maiores os riscos e assim maior o número de amostras a serem avaliadas. Caso a avaliação seja negativa [produto de alto risco], será recomendado ao produtor que ele não encaminhe as amostras para análise, mas faça primeiro as melhorias sugeridas pelo técnico”, informa Alline.
O uso desse protocolo não desobrigaria o produtor de cumprir outras exigências da lei, a exemplo da certificação de Propriedade Livre ou Controlada de Tuberculose e Brucelose, do Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose e da Tuberculose Animal (um processo que pode demorar mais de um ano e poderia ser feito de forma simultânea), e do Programa de Controle de Mastite.
Além do interesse na implementação da proposta no Estado de São Paulo, os pesquisadores têm a expectativa de que o protocolo e a metodologia sejam incorporados por outros estados e municípios e possam servir de base para o desenvolvimento de novas políticas do Mapa, voltadas para padronizar as regulamentações de queijos artesanais a nível federal.
Para saber mais sobre a Rede de Pesquisa em Queijos Artesanais Brasileiros, acesse a página do grupo em https://repequab.com.br.
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Texto da Assessoria de Imprensa da Repequab