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“Quando somos alunos de escola pública, jamais imaginamos que um dia iremos entrar na Faculdade de Medicina da USP.” É o que respondeu Rafael, de 17 anos, com os olhos cheios de lágrimas, ao perguntarem como estava se sentindo. Quando saiu de Mogi Guaçu, a mais de 100 km de São Paulo, no dia 8 de junho, o jovem não imaginava que naquele dia assistiria a uma aula de anatomia e conheceria os modernos laboratórios da maior escola de medicina da América Latina.
Tudo começou quando Rafael decidiu contar sua história à Make-a-Wish Brasil. A organização é uma das 38 filiadas à Make-a-Wish International e realiza o sonho de crianças e adolescentes com doenças graves. Do hospital onde realiza o tratamento de um câncer, ele enviou o seu sonho: ter o famoso Atlas de Anatomia Humana, de Johannes Sobotta.
Na ONG, o sonho é passado às “fadas”, pessoas responsáveis por realizar o desejo da criança e promover uma experiência inspiradora e marcante. As fadas de Rafael foram as voluntárias Gisele Godoy Peres Coutinho, Jéssica Lança e Silvia Fongaro.
“Nós, fadas, só descobrimos qual é o sonho da criança quando a conhecemos pessoalmente e ela vai realizar o seu sonho, até porque as crianças podem mudar de opinião entre o tempo de enviar a carta e conhecer as fadas”, explica Gisele.
Após descobrirem que o menino sonhava ter o Atlas, a equipe da Make-a-Wish percebeu que seria interessante realizar o sonho em um local especial. Foi escolhida, então, a Faculdade de Medicina da USP (FMUSP).
Gisele entrou em contato com a USP pedindo uma visita monitorada. Embora as visitas só sejam permitidas aos alunos do terceiro ano do ensino médio ou de cursinhos pré-vestibular, a FMUSP decidiu abrir uma exceção para o estudante do segundo ano. Ficou combinado que o menino chegaria às 10 horas no local.
Explorando a medicina
A “fada” Silvia se encarregou de buscar Rafael, a mãe e a irmã pequena em Mogi Guaçu. A única informação que o menino tinha era de que iria para São Paulo. “Quando passamos em frente à faculdade eu perguntei: ‘Aqui é a USP, não é, mãe?’. Então eles me contaram que este era o nosso destino. Fiquei muito surpreso”, conta Rafael.
O primeiro item do roteiro da visita era assistir a uma aula de anatomia. O professor Mauro Figueiredo Andrade e três residentes explicaram ao jovem as partes de um joelho e como suas articulações funcionam. O segundo local que Rafael conheceu foram os laboratórios de habilidades da faculdade, onde os alunos podem simular ambientes reais de socorros e podem praticar o que aprenderam em sala de aula.
O curso de Medicina possui laboratórios que são montados a cada aula para que os alunos manipulem equipamentos e conheçam as partes do corpo humano.
Naquele dia, um dos laboratórios montados era para uma aula de urologia. Outros ficam permanentemente montados, como as salas de parto e de emergência – lá, Rafael pôde interagir com um manequim que tosse, respira e responde a perguntas. Ele descobriu como são os procedimentos padrão de uma situação de emergência.
O último momento da visita foi no Museu Histórico da FMUSP. Na exposição A Pele Enferma, o estudante leu sobre a história da dermatologia e as principais doenças conhecidas na área. E foi no museu que as fadas fizeram a magia acontecer e realizaram o sonho: a entrega do Atlas de Anatomia Humana de Johannes Sobotta.
O professor André Mota, coordenador do museu, também presenteou Rafael com um livro sobre a FMUSP. “Espero vê-lo daqui alguns anos como meu aluno”, comentou o professor.
Sonho encorajado
Rafael conta que sempre gostou de ler livros sobre o corpo humano. Já havia cogitado cursar medicina, mas a decisão só veio quando descobriu a leucemia. Não tinha pensado em prestar o vestibular para a USP, porém a visita despertou o encantamento pela Universidade. “Amei a visita, vou levar essa surpresa para sempre”, diz o futuro médico, que ainda não decidiu qual especialidade quer seguir.
Estudante de uma escola estadual de Mogi Guaçu, o rapaz lembra do enorme abismo que existe entre a escola pública e a universidade pública. “Quando a gente fala que quer medicina, as pessoas já começam a desestimular, falando que é muito difícil, ainda mais para um aluno de escola pública.” Mas conta que conhecer a FMUSP foi um estímulo para continuar seguindo o seu sonho.
Crianças e adolescentes que tenham alguma doença que coloque a vida em risco podem entrar em contato com a Make-a-Wish, contar o seu sonho pelo formulário na internet e aguardar o retorno. No Brasil, a instituição já realizou mais de 1.600 sonhos, que vão desde objetos que as crianças sonham ter até lugares ou artistas que sonham conhecer.