.
Considerada uma das áreas mais complexas da Economia, a Economia do Setor Público ganhou um espaço de estudos na USP. O Laboratório de Economia do Setor Público (LabPub) é o novo grupo de pesquisa da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) que estuda temas relacionados à intervenção governamental na economia, tais como avaliação de políticas públicas, características do sistema tributário, funcionalismo público e compras governamentais.
A ideia do LabPub surgiu a partir da reforma curricular do curso na FEA em 2022 que tornou a disciplina Economia do Setor Público optativa, não sendo mais obrigatória para obtenção do diploma. O fato de existirem poucos acadêmicos especializados no assunto na FEA também foi o que motivou três docentes a se unirem e a investirem em pesquisas nesse campo do conhecimento. “Éramos três pessoas interessadas num tema comum. As questões do setor público sempre são importantes, fundamentais. E como a disciplina Economia do Setor Público deixou de ser obrigatória, era uma forma também de manter viva essa discussão do setor público na faculdade”, afirma Fabiana Rocha, professora que coordena o laboratório ao lado de Pedro Forquesato e Luís Meloni, todos professores do Departamento de Economia.
As linhas de pesquisa do LabPub estão no momento concentradas em questões de taxação. O laboratório se uniu a outro grupo de pesquisa da FEA, o Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) para organizar um debate sobre os desafios e as perspectivas da Taxação no Brasil, em parceria com a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe). Vários especialistas estiveram na FEA trazendo propostas para a reforma tributária, um dos temas centrais da agenda do futuro governo.
O grupo também está desenvolvendo uma pesquisa avaliando como mudanças no Imposto sobre a Propriedade Imobiliária (IPTU) no município de São Paulo afetaram os preços de venda dos imóveis no município a fim de calcular a incidência desse imposto e o seu custo de eficiência, dois parâmetros essenciais para determinar o nível ótimo da taxação.
.
Análise de impostos
Em outro estudo envolvendo o IPTU, o LabPub busca a avaliação de impacto da mudança promovida pela promulgação da Emenda Constitucional nº29/2000, que permitiu a cobrança de alíquotas progressivas do IPTU, e que levou diversas cidades a adotarem este tipo de modalidade tributária. O objetivo é comparar a arrecadação tributária das cidades que no início dos anos 2000 implementaram a progressividade na taxação de propriedade imobiliária (grupo de tratamento) com a arrecadação de cidades semelhantes que permaneceram no modelo antigo (grupo de controle).
Outro imposto que está merecendo atenção do grupo é o Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD). No mesmo espírito do estudo sobre o IPTU, a ideia é comparar a arrecadação dos estados que adotaram alíquotas progressivas com aqueles que mantiveram a alíquota uniforme, complementando a análise com uma avaliação da resposta dos contribuintes ao limite de isenção.
Uma pauta atual, e igualmente polêmica, é a proposta sugerida durante a campanha eleitoral de isentar do imposto de renda para quem ganha até cinco salários mínimos. O grupo de pesquisa está iniciando conversas para se aprofundar no tema. “Esse é um estudo que queremos fazer, saber se tem viabilidade, qual o impacto da isenção, qual o limite razoável de isenção e quais as mudanças nas alíquotas que devem acompanhar o projeto”. Em artigo a quatro mãos publicado no Valor Econômico, a professora Fabiana e o professor Forquesato já deram uma ideia de que o projeto para ser viável é muito mais complexo do que se imagina.
“Se por um lado a opinião pública é majoritariamente favorável a uma correção da tabela, dada a preocupação com a carga de impostos, há entretanto algumas considerações que apontam cautela”, alertam os economistas. “Por mais que indivíduos com renda alta continuem na alíquota de 27,5%, isso não significa que a alíquota média de impostos ao qual estão sujeitos não se reduzirá com uma correção da tabela”.
Renda de homens e mulheres
Com origem na temática de gênero, um trabalho realizado no LabPub pelo aluno de mestrado Kauany Batista de Souza investigou o impacto de uma norma social implícita, conhecida como a norma do homem provedor, de acordo com a qual as mulheres não devem ganhar mais do que os seus maridos. Essa norma é identificada não só no Brasil, mas também em outros países onde a igualdade de gênero é maior. No Brasil, mais de 35,5% dos respondentes do World Values Survey (2020) concordam com a afirmação de que “há um problema se a mulher tem uma renda maior do que a do seu marido”.
A defesa da dissertação ocorreu no ano passado e teve a orientação da professora Fabiana, com co-orientação do professor Forquesato. A norma social foi modelada como um imposto implícito sobre os ganhos das mulheres que ultrapassam os dos seus maridos. Usando técnicas de agrupamento e uma variedade de elasticidades de oferta de trabalho, a norma do provedor adiciona um imposto marginal implícito de 32 pontos percentuais sobre os ganhos que excedem os dos maridos.
O grupo está desenvolvendo também um modelo de micro simulação de impostos e transferências, que denominaram Brazilian Simulation Model (Brasmod). O modelo calcula os impostos e as contribuições previdenciárias assim como os benefícios recebidos pelas famílias, de acordo com suas características demográficas e renda. Usando microdados representativos da população, o modelo pode avaliar os efeitos distributivos e orçamentários tanto de políticas que estão efetivamente em vigor assim como de políticas ainda não adotadas, permitindo a avaliação a priori de seus impactos e viabilidade.
Modelos similares passaram a ser usados recentemente em vários países em desenvolvimento, mas nenhum deles é de acesso aberto e fácil de usar como pretende ser o Brasmod. O modelo está sendo desenvolvido em parceria com o Made, que divide com o LabPub a preocupação com a taxação. Forquesato ressalta que “é importante que tenhamos um modelo único, aberto e de fácil acesso para estimar o impacto fiscal e redistributivo de propostas tributárias em discussão no debate público. Algo que hoje ainda não existe no Brasil.” Desde a criação do grupo, ele propôs o desenvolvimento desse modelo que agora está saindo do papel.
.
Rede de economistas
Uma ideia dos coordenadores do LabPub para este ano é ampliar a interação com outros economistas que trabalham com economia do setor público. Para isso, pretendem realizar seminários acadêmicos, onde seriam apresentados trabalhos realizados por importantes economistas que trabalham com diferentes temas e não só taxação, assim como tópicos de economia política. Como explica Meloni, as duas áreas são muito próximas: “Se em setor público estudamos o papel e as escolhas dos governos nas economias, em Economia Política estudamos como as restrições políticas afetam essas escolhas”.
Outros seminários seguiriam a mesma linha do seminário de taxação, ou seja, seriam mais aplicados e com um olhar para a política econômica. Segundo os pesquisadores, a FEA sempre foi conhecida pela sua participação no debate público e o grupo acredita que pode trazer a faculdade de volta à sua tradição. “São inúmeras as questões que necessitam ser endereçadas e temos capital humano e capacidade de agregação de pessoas que garantem que esse protagonismo pode ser retomado”, destaca Fabiana.
Além dos professores Fabiana Rocha, Pedro Forquesato e Luís Meloni, integram a equipe do LabPub os alunos de pós-graduação Karina Bugarin, Vitória Wendt, Leandro Raposo, Rafael Cavalieri dos Santos, o mestre em Economia Guilherme Tinoco, a graduanda Camily Vieira, o graduando e estagiário João Pedro Marconde, e o graduando em ciências moleculares Lucas Novaes Cabral de Gusmão.
Para saber mais sobre o LabPub acesse a página do grupo https://labpub.fea.usp.br
.
Texto adaptado de Cacilda Luna, da Assessoria de Comunicação da FEA