"Na COP 30, o Brasil precisa liderar pelo exemplo", diz Marina Silva

A ministra participou da primeira conferência do USP Pensa Brasil 2024, junto com o climatologista Carlos Nobre. O evento de abertura contou com a presença do reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior, da vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda e outras autoridades

Textos: Luiz Roberto Serrano e Erika Yamamoto

Arte: Simone Gomes e Diego Facundini*

 13/08/2024 - Publicado há 3 meses     Atualizado: 19/08/2024 às 17:35
Marina Silva - Foto: Redes Sociais/ Reprodução - Carlos Nobre - Foto: Leticia Valverdes

“O enfrentamento dos desafios colocados pelo aquecimento global é um imperativo ético”, definiu Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, em sua participação na conferência O Brasil e a COP 30, primeiro seminário da terceira edição do USP Pensa Brasil 2024, evento que teve início nesta segunda-feira, 12 de agosto, na Cidade Universitária. “Vivemos um momento desafiador em que o aumento da temperatura da Terra em 1,5ºC deveria ocorrer em 2028, mas já se deu em 2003”. 

Nesta terceira edição, o USP Pensa Brasil aproveita a proximidade da Cúpula Climática da Organização das Nações Unidas (COP) 30, a ser realizada em novembro de 2025, na cidade de Belém, Pará, para trazer como tema COP 30: Desafios para o Brasil.

Na sequência, o climatologista Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP e do Instituto Amazônia 4.0, apresentou um quadro dramático sobre a evolução da questão climática no mundo: “As mudanças climáticas recentes são generalizadas e intensificadas, e sem precedentes em milhares de anos; vivemos no tempo da Emergência Climática”.

“Estamos vivendo um novo normal? O que será o novo normal?”, perguntou, em sua palestra, a ministra Marina Silva, referindo-se às emergências climáticas. Respondendo, acrescentou: “O que acontece agora, deveria ocorrer depois”, ou seja, só daqui a alguns anos. Como exemplo das calamidades que estão ocorrendo atualmente, no Brasil, lembrou as enchentes no Rio Grande do Sul, os incêndios no Pantanal, a existência de 1.500 municípios no País em situações de perigo climático. “São situações que podem se agravar ora com chuvas, ora com secas, ora os dois até combinados.”

Referindo-se à questão do ponto de vista internacional, lançou críticas: “Todos mostram exemplos do que fazem, que cada um faz o melhor de seu melhor; todos contam que fazem mais do que o necessário”. Mas ressaltou: “Um balanço das COPs anteriores mostra que o que se está fazendo é insuficiente; o dever de casa não foi feito”.  Para ela, “o desafio da COP 30 deve ser visto como se fosse um batelão (um barco) que tem que ter um bom motor de popa, potente”. E sentencia: “O motor de popa tem que ser potente, ir além da ciência, que tem a capacidade para mitigar e adaptar-se ao problema, quando é preciso transformar”.

“Na COP 30, o Brasil precisa liderar pelo exemplo, nosso plano de ação tem que ser robusto”, disse a ministra. O desafio para todos os países, segundo ela, “é transformar um modelo insustentável em sustentável”, propagar aos quatro ventos que “sustentabilidade é uma maneira de ser, não só de fazer”.

Veja, abaixo, a íntegra da fala de Marina Silva:

Em sua palestra, que se seguiu à da ministra Marina Silva, o cientista Carlos Nobre apresentou uma ampla variedade de slides que ilustraram a dramaticidade da atual crise climática. Ao final, enumerou uma série de slides com conclusões e indicações sobre o que o Brasil deve fazer para enfrentar o problema:

  • O Brasil retomou com altivez o protagonismo conquistado arduamente até alguns anos atrás na busca de soluções para enfrentar a emergência climática global.
  • Deve implementar suas ambiciosas metas de NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) até 2030, e pode tornar-se o próximo grande país de grandes emissões a atingir net zero antes de 2040.
  • O Brasil deve tornar-se ainda mais ambicioso e acelerar políticas públicas e práticas de adaptação e aumento da resiliência em todos os setores e manter o apoio à geração de conhecimento científico.
  • Deve aperfeiçoar os sistemas de previsão e alertas de desastres causados por extremos climáticos e proteger as populações em áreas de risco e todas as populações vulneráveis a ondas de calor.
  • O impacto da tragédia climática no Rio Grande do Sul foi caracterizado por uma combinação de eventos extremos de precipitação com implicações generalizadas. Não só o Rio Grande do Sul está em risco, mas todo o Brasil e o planeta Terra.
  • Os aumentos projetados de eventos extremos como fortes chuvas, inundações e enchentes, deslizamentos de terra, secas e ondas de calor servem de alerta em relação à intensidade e à frequência de eventos extremos no futuro. A tragédia no Rio Grande do Sul mostra o tamanho do desafio.
  • Intensificar ações de prevenção e controle do desmatamento na Amazônia Legal, no Cerrado, no Pantanal, na Caatinga, no Pampa e na Mata Atlântica.
  • Desenvolver uma política pública de arborização urbana e investir no planejamento integrado de soluções baseadas na natureza são ações essenciais para a resiliência urbana. Pensar o futuro das cidades, como as “cidades-esponja”, é pensar o futuro da humanidade.
  • Combater o ponto de não retorno da Amazônia: zerar desmatamentos, degradação florestal e incêndios de vegetação; grande restauração florestal e escala para a economia da biodiversidade.
  • O Brasil, com seus Estados, cidades e comunidades, ampla sociedade, setor privado e financeiro, deve caminhar urgentemente na busca da sustentabilidade como nosso principal legado para as futuras gerações.
  • Importância do ensino em escolas e comunidades a respeito dos extremos climáticos, riscos e prevenções de desastres.
  • As novas gerações devem assumir a liderança na busca de trajetórias de sustentabilidade para o planeta, com ênfase em justiça social e climática e principalmente no empoderamento dos jovens e das mulheres.

Veja a fala de Carlos Nobre na íntegra:

"Uma visão multidisciplinar de cultura pública"

A abertura do evento, ocorrida também nesta segunda, 12, contou com a presença do reitor Carlos Gilberto Carlotti Junior, da vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda, do secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, Vahan Agopyan, e do presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Marco Antonio Zago.

“O USP Pensa Brasil apresenta uma visão multidisciplinar de cultura pública na medida em que o conhecimento e a ciência buscam desdobramentos sociais capazes de orientar políticas que visem ao combate das formas regressivas, especialmente em busca de concepções esclarecidas. O seminário mescla pesquisas científicas e orientações de natureza prática. Nesse registro, a temática ambiental instaura uma espécie de razão universal que se perdeu na esteira da fragmentação e do particularismo e que, no âmbito da própria Universidade, tem posto em questão a noção de universalidade que está na raiz da ideia de universidade”, afirmou a vice-reitora Maria Arminda do Nascimento Arruda, na abertura do USP Pensa Brasil 2024.

De acordo com Maria Arminda, que também é a coordenadora-geral do USP Pensa Brasil, além de refletir sobre a crise ambiental, o seminário tem o objetivo de construir um diagnóstico e elaborar um documento com propostas a serem encaminhadas ao plenário da COP 30.

“A sociedade espera que as universidades sejam um vetor de modificação, que tragam soluções para seus problemas e atuem como protagonistas das mudanças, apresentando soluções. Formamos pessoas para serem agentes modificadores da sociedade e fazemos pesquisas para melhorar a realidade do País, com foco no desenvolvimento sustentável. Mas não pode ser só uma decisão da Universidade, de um governante, tem que ser uma decisão da sociedade inteira, porque o desafio é muito grande”, afirmou o reitor da USP, Carlos Gilberto Carlotti Junior. 

Universidades pelo clima

No primeiro encontro do seminário, o reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Emmanuel Zagury Tourinho, falou sobre as oportunidades de integração de instituições de ensino e pesquisa amazônicas e não amazônicas, em defesa do meio ambiente.

“Houve uma época em que uma cooperação mais intensa era improvável, pois havia uma restrita capacidade de se fazer ciência na Amazônia. Hoje, esse cenário mudou, temos instituições muito fortes e um sistema de pesquisa e pós-graduação robusto na região. Nossas capacidades são complementares e nossas ações podem contribuir substancialmente não apenas para nos colocar diante da fronteira do conhecimento em várias áreas, mas também para dar à sociedade brasileira condições de compreender e tomar decisões corretas em políticas públicas que impactam a política do País e, em particular, impactam o destino das populações que vivem no território amazônico. Pensamos, na UFPA, que empoderar com ciência as populações locais para a defesa de seus direitos e de seus territórios constitui uma das principais contribuições que a ciência na Amazônia pode dar”, explicou o reitor da UFPA.

Tourinho também elencou quatro desafios para pensar a Amazônia, que podem servir de ponto de partida para a construção de uma agenda de pesquisa colaborativa: a complexidade da realidade amazônica; o ponto de não retorno dos sistemas socioculturais que têm mantido a floresta em pé; os riscos de novos modelos de bioeconomia; e a não coincidência entre energia limpa e sustentabilidade.

“A contribuição diferencial que pesquisadoras e pesquisadores da Amazônia têm a oferecer relaciona-se à maior familiaridade que possuem com a realidade regional, construída ao longo da convivência com o ambiente natural e com as populações amazônicas, com as consequências dos projetos lá implementados nas últimas décadas para a exploração de suas riquezas e com as carências e ameaças que são o cotidiano de seus povos”, afirmou Tourinho.

Carlotti concordou com o colega e ressaltou que “não respeitar os povos originários e acreditar que podemos trazer uma cultura externa para preservar a floresta, sem utilizar o conhecimento local, é um caminho certo para o desastre”.

Censo USP de Sustentabilidade

Em seguida, o coordenador curatorial do USP Pensa Brasil, Alexandre Macchione Saes, apresentou os dados preliminares do Censo USP de Sustentabilidade, realizado no primeiro semestre deste ano entre professores e pesquisadores da Universidade, com o objetivo de sistematizar informações sobre projetos desenvolvidos na USP em torno das temáticas ambientais.

O Censo registrou 171 grandes projetos sendo desenvolvidos na Universidade, com quase 2 mil pesquisadores envolvidos, de 35 unidades da USP. Cerca de 90% desses projetos contam com financiamento externo, sendo que a Fapesp é responsável pelo financiamento de quase metade dos projetos.

O estudo também aponta que o meio ambiente é um assunto presente em todas as áreas de conhecimento, abordando temas como biodiversidade, desenvolvimento sustentável, urbanização, infraestrutura, inteligência artificial, saúde e produção de alimentos, energia renovável, descarbonização e comunidades tradicionais.

“A COP 30 será uma oportunidade para que o Brasil, que será o palco para a realização do evento, se coloque como protagonista no debate e na agenda ambiental internacional. E as universidades cumprem o papel de oferecer muita produção científica, métricas e conhecimento que, certamente, fortalecerão e criarão possibilidades de posições políticas para decisões futuras, não só nacionalmente quanto internacionalmente. É uma agenda em que o Brasil pode ter uma atuação decisiva”, ressaltou Saes.

Veja a íntegra da fala de Alexandre Saes:

Em seguida, a artista Denise Milan apresentou sua videoarte Das Américas para Todo Planeta Azul.

Também foi lançado o livro Impacto das ciências ambientais na Agenda 2030 da ONU. Volume II: Clusters temáticos, de autoria de Carlos Alberto Cioce Sampaio, Arlindo Philippi Junior e Maria do Carmo Martins Sobral.

 

* Estagiário sob orientação de Simone Gomes


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