Foyo: Reprodução/ImunoTera

Mulheres cientistas empreendem para desenvolver imunoterapia contra câncer

O grupo ImunoTera é uma empresa de biotecnologia que desenvolveu um tratamento contra o câncer induzido pelo HPV; tecnologia nasceu na USP

26/11/2020

Karina Tarasiuk

Três pesquisadoras que desejam transformar conhecimento científico em soluções inovadoras de impacto global. Assim surgiu a ImunoTera, uma empresa spin off que está buscando concluir o desenvolvimento de um imunoterápico (tratamento que potencializa o sistema imunológico para combater doenças) contra tumores causados pelo vírus do papiloma humano, o HPV, como o câncer de colo de útero.

A ideia do produto surgiu em 2016 quando a farmacêutica Luana Moraes Aps e as biólogas Bruna Porchia Ribeiro e Mariana Diniz faziam seus projetos de doutorado no Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, em São Paulo.  Chamado de Terah-7, ele é baseado em uma proteína recombinante capaz de direcionar e ativar o próprio sistema imunológico, induzindo uma resposta específica para combater o tumor, sem prejudicar células saudáveis de pacientes. 

O tratamento inovador pode ser administrado em forma de uma vacina de DNA ou de proteína recombinante, aliado à quimioterapia. Em modelo experimental, duas injeções da Terah-7 resultaram na cura permanente de 100% dos animais que tinham tumores associados ao HPV em estágio inicial.

Ele também apresentou sinergismo (quando o efeito de dois ou mais agentes químicos combinados é maior do que a soma dos efeitos individuais) com a quimioterapia, levando à regressão total de tumores “incuráveis” em combinação com apenas um terço da dose de quimioterapia.  

Agora, em parceria com o Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina USP, as pesquisadoras estão buscando obter uma prova de conceito clínico da Terah-7 com células de pacientes diagnosticadas com lesões pré-cancerígenas no colo do útero (chamadas de neoplasias intraepiteliais cervicais de alto grau).

Luana Moraes Aps, Bruna Porchia Ribeiro e Mariana Diniz, pesquisadoras que fundaram a ImunoTera - Foto: Arquivo pessoal

Empreendedorismo científico

Para que o produto seja produzido e comercializado, elas criaram a ImunoTera em 2016 e desde então têm participado de iniciativas de inovação e empreendedorismo. Desde programas de aceleração, nos quais tiveram a oportunidade de se conectar com outras startups do setor de biotecnologia e receber mentorias de especialistas em negócios, a gestão e empreendedorismo.

“Nosso principal objetivo, hoje, é o de nos tornarmos um caso de sucesso na translação clínica de um produto que pode trazer benefícios para os pacientes, para o SUS, para a universidade e para o ecossistema de startups de biotecnologia e mostrar que no Brasil também se faz ciência de qualidade”, afirma Luana.

A ImunoTera teve apoio da USP, em particular do ICB, onde a tecnologia foi criada. Em troca de royalties, o instituto disponibilizou para a empresa o Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas. “O atual diretor, professor Luís Carlos de Souza Ferreira, abriu as portas do laboratório que chefia com bancada e equipamentos sofisticados de cultivo celular, microbiologia e biologia molecular”, disse a pesquisadora.

A Agência USP de Inovação (Auspin) auxiliou nos processos de licenciamento das patentes relacionadas aos produtos da ImunoTera que foram geradas enquanto ainda eram apenas projetos acadêmicos. 

A empresa recebeu um investimento inicial da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) entre 2016 e 2017 a partir do edital Pipe-Fapesp, investimento inicial que possibilitou a confirmação do potencial do primeiro produto do pipeline: uma vacina de DNA para o tratamento de tumores associados ao HPV. 

Nosso principal objetivo hoje é o de nos tornarmos um caso de sucesso na translação clínica de um produto que pode trazer benefícios para os pacientes, para o SUS, para a universidade e para o ecossistema de startups de biotecnologia e mostrar que no Brasil também se faz ciência de qualidade.

Luana Moraes Aps, graduada em Farmácia, doutora em Ciências Biológicas e sócia-fundadora da ImunoTera

Luana Moraes Aps - Foto: Odjair Baena/MCTI

Os próximos passos

O modelo de negócio da ImunoTera é no licenciamento da tecnologia, que atualmente está direcionada para o tratamento de doenças causadas pelo HPV-16. Para tornar o produto mais atrativo para o licenciamento, a ImunoTera prevê a realização das etapas iniciais de desenvolvimento. 

Elas compreendem a produção do lote-piloto em condições certificadas (Boas Práticas de Fabricação), ensaios pré-clínicos de toxicidade em roedores e não roedores conforme normas da Anvisa e estudo clínico de fase I em pacientes diagnosticados com lesões pré-cancerígenas ou câncer causados pelo HPV-16.

Para as três primeiras etapas de desenvolvimento, a ImunoTera conta com parcerias estratégicas com capacidade técnica e estrutura adequada para cumprir as atividades com rigor científico e de acordo com as exigências da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e de órgãos regulatórios internacionais. 

Já no primeiro trimestre de 2021 a empresa terá concluído os estudos pré-clínicos de toxicidade e até 2022 pretende iniciar a submissão da fase I do estudo clínico em pacientes.

Prêmio Mulheres Inovadoras 2020

Em agosto, a ImunoTera ganhou o prêmio Programa Mulheres Inovadoras, organizado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e pela Prefeitura de São Paulo. A iniciativa pretende estimular a presença feminina no campo do empreendedorismo e da ciência, disponibilizando para cada uma das cinco empresas vencedoras R$ 100 mil a serem utilizados em investimentos.

“O prêmio foi uma grande felicidade para nós, mas também  desafiador”, conta Luana. Ela e as colegas passaram por um processo de aceleração e tiveram que aprofundar conhecimentos da área de marketing e financeira. “Tivemos que mostrar que o nosso negócio vale a pena não só para o paciente mas também para o investidor.” 

Luana Moraes Aps e o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, durante a entrega do prêmio Mulheres Inovadoras 2020 - Foto: Arquivo pessoal

O recurso que ganharam com o prêmio foi importante por ser um valor com maior liberdade de uso e que de fato será investido em melhorias na propriedade intelectual e projetos de escalonamento do produto. “Mais importante que o recurso foi a repercussão e o exemplo que pudemos dar para outras spin offs acadêmicas, além de mulheres e mães empreendedoras que se dedicam à casa, à família e aos seus negócios com tanto amor e dedicação, assim como nós”, conclui a pesquisadora.