Mara Rúbia e a banda Confrete cantando o "Mar de Morros" de Aziz - Foto: Fábio Gomes
Marchinha de Carnaval homenageia o geógrafo Aziz Ab'Sáber
Professor da USP é lembrado na canção Mar de Morros, vencedora do 39º Festival de Marchinhas Nhô Frade de São Luiz do Paraitinga, cidade onde o defensor da Amazônia nasceu
Texto: Leila Kiyomura
Na Praça da Matriz
Das terras de Aziz
Chovia da sacada
A poesia molhada
Tecida pelo som…
Na voz de Mara Rúbia, a canção Mar de Morros, de Edson D’Aisa e João Bid, se espalha pelo Carnaval de São Luiz do Paraitinga. E convida a todos para conhecer a cidade onde, há um século, nasceu Aziz Ab’Sáber, geógrafo, Professor Emérito da Universidade de São Paulo e um dos grandes defensores da floresta amazônica e meio ambiente do País. A música foi classificada em primeiro lugar no 39º Festival de Marchinhas Nhô Frade, apresentado no último dia 27.
Só quero Mar de Morros
Só quero cor e fita
Só quero ver o povo
Todo enfeitado em chita…
O Festival de Marchinhas de São Luiz do Paraitinga destaca-se no Brasil como o único a manter a tradição da música que registra o cotidiano popular com suas histórias, crenças, sonhos, alegrias. E, neste ritmo de todos, desperta a arte de cantar, tocar e compor. “Em nossa cidade, o dia nasce no Mar de Morros, como dizia o mestre Aziz, e já inspira uma nova canção. Pedreiros, açougueiros, lavradores, comerciantes, médicos, professores, estudantes, todos e todas aqui têm talento para compor”, observa Galvão Frade, o maior criador de marchinhas do País e atual secretário e diretor de Cultura do município. “Prova disso é o resultado dos nossos festivais e do Carnaval, uma festa que atrai 30 mil pessoas por dia. São 26 blocos alegrando a cidade.”
Carnaval em São Luiz do Paraitinga atrai 30 mil pessoas por dia - Fotos: Alexandre Medeiros
Tava descendo pra praia
Fumando pito de paia
Bem no meio da serra
Ouvi o grito da Terra
Resolvi parar.
Será que era a Charanga?
Será que era o Paranga?
Será que era outra banda?
Os compositores Edson D’Aisa e João Bid, a intérprete Mara Rúbia e sua filha Naomi - Foto: Arquivo pessoal
Certo é, que mesmo todos aqueles que não nasceram em São Luiz do Paraitinga, que estão indo para as praias e resolvem parar, acabam ficando. É nesta passagem e também atraídos pelo Carnaval, que os compositores Edson D’aísa e João Bid se deixaram envolver . “Além da música, muitas coisas me encantaram: a arquitetura, a tranquilidade, a história. Porém, durante esse tempo que frequento a cidade, descobri que o melhor de São Luiz do Paraitinga é a sua gente”, conta João.
O geógrafo se utilizou da definição 'Mar de Morros' para designar o relevo das colinas do Planalto Atlântico. Essa expressão me pegou"
E para homenagear a gente que defende a história da cidade e da natureza, o parceiro Edson D’Aisa sugeriu a luta do luizense Aziz Ab´Sáber . “O geógrafo se utilizou da definição ‘Mar de Morros’ para designar o relevo das colinas do Planalto Atlântico. Essa expressão me pegou. Fiquei observando as ondas da paisagem e assim nasceu a canção.”
São Luiz do Paraitinga cercada pelo Mar de Morros - Fotos: Fábio Gomes e Atílio Avancini
Quando Mara Rúbia, vestida de chita, subiu no coreto e a banda Confrete tocou os primeiros acordes, o Mar de Morros de Aziz tomou conta da praça. “Minha relação com as marchinhas vem desde a infância. Nasci na Estância Hidromineral de Socorro, no interior de São Paulo. Meu pai animava os Carnavais cantando Lamartine Babo, Ary Barroso, Braguinha”, lembra a cantora e psicóloga. “Quando ouvi, pela primeira vez, em Paraitinga, o grupo Paranga cantando ‘Chora Viola’ e ‘Canta Coração’ fiquei apaixonada. Aí foi um caminho sem volta. Decidi morar na cidade em 2010. Vim com a enchente…”
Mara presenciou com o marido, o produtor cultural Fábio Gomes, o centro histórico totalmente destruído. E viram o movimento da população, da Prefeitura, dos historiadores e do geógrafo Aziz Ab’Sáber na restauração e recuperação da cidade, fundada em 1769. Com cerca de 10.693 habitantes (segundo estatística do IBGE de 2021), a cidade é tombada pelo Iphan – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e pelo Condephaat – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico. No dia 16 de maio de 2014, a igreja matriz, símbolo de São Luiz do Paraitinga, foi reaberta. Hoje a cidade é uma referência em arte, história e educação. Naomi, filha de Mara e Fábio, é luizense e, como as outras crianças, estuda em escola pública, brinca pelas ruas, e, como diz a mãe com orgulho , “tem a alegria de ser criada com liberdade e uma marchinha nova para cantar”.
Cidade de São Luiz do Paraitinga é famosa pelo Carnaval de marchinhas; na última foto, Galvão Frade, compositor de marchinhas e diretor de Cultura da cidade - Fotos: Alexandre Medeiros e Fábio Gomes
A luta da cidade pela sua preservação é documentada em livros, artigos e teses como a de João Rafael Coelho Cursino dos Santos, historiador luizense com mestrado e doutorado na USP. “Aziz fez questão de observar pessoalmente o projeto de reconstrução da sua cidade. Mesmo com a saúde debilitada ele veio várias vezes até São Luiz”, explica o historiador João Rafael. “Seu sonho era ouvir o sino da matriz. Mas não viu a igreja restaurada. No entanto, sabia que todos iriam lutar para reconstruir a sua cidade.”
A marchinha sobre Aziz abre o seminário internacional em comemoração ao seu centenário"
Enquanto acompanhava o 39º Festival de Marchinhas Nhô Frade sentado nas escadarias da igreja matriz, Atílio Avancini, professor da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP e também fotógrafo e compositor, ficou admirado com o alto nível das canções, dos arranjos, e da criatividade na apresentação. “Quando ouvi a marchinha sobre Aziz, percebi que podia ser o caminho para abrir as comemorações dos cem anos de Aziz Ab’Sáber”, define. “A canção traz a alegria e o encanto da cidade que era a referência do professor pela preservação da história, cultura e meio ambiente.”
O VIII Seminário Internacional Aziz Ab’Sáber vai comemorar os cem anos do geógrafo e professor. O evento, com a coordenação da Prefeitura de São Luiz do Paraitinga e da Universidade de São Paulo, será realizado no decorrer de uma semana em outubro. “Na oportunidade, lançaremos o primeiro concurso de fotografias para estudantes das escolas da região. A meta é fomentar a produção de imagens com a temática ecológica”, explica Avancini. “Será um modo de contribuir com a divulgação e a reflexão crítica da ciência, geografia e arte.”
O luizense Aziz Ab,Sáber, geógrafo, cientista, professor: uma trajetória dedicada a preservar o meio ambiente - Arte sobre foto/Jornal da USP
Clique no player abaixo para conferir o “Mar de Morros”:
Wagner Costa Ribeiro, professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, é um dos participantes da Semana Aziz Ab’Sáber. “No ano do centenário do grande geógrafo e pesquisador, é fundamental revisitar sua contribuição para a conservação e uso sustentável da Amazônia”, observa. “Um seminário sobre sua obra pode gerar subsídios importantes para a COP30, que será em Belém em 2025. Em especial, seus trabalhos sobre o zoneamento agroecológico e as matrizes que ele criou para delimitar áreas de uso sustentável nesta parte do território brasileiro.”
Mural de Aziz Ab'Sáber na cidade de São Luiz do Paraitinga; cidade recebe turistas durante a época de Carnaval - Fotos: Alexandre Medeiros e Fábio Gomes
A geógrafa Magda Adelaide Lombardo também é uma das integrantes da organização do VIII Seminário Internacional Aziz Ab’Saber. Autora do livro Aziz Nacib Ab’Sáber: um geógrafo à frente das fronteiras da geografia, a professora do Instituto de Estudos Avançados da USP, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP e da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) destaca a importância de rever e aprender com os desafios de Aziz. “Os mares de morros representam grandes expansões de terras com predomínio do planalto onde a paisagem destaca todo um processo da dinâmica morfoclimática regional”, afirma. “O centenário do geógrafo Aziz Ab’Sáber, ressalta a importância socioambiental do Brasil, um país continental, com domínios que representam os diversos biomas. Nesse sentido, deve-se refletir sobre o território brasileiro tendo como base a interpretação do professor destacando-se os aspectos complexos da paisagem que unem a ecologia e a sociedade no espaço total do Brasil.”
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