Após pressão, CNPQ incluirá campo licença-maternidade no currículo Lattes - Foto: Pexels Cc.

Licença-maternidade no currículo das cientistas acabará com lacunas

Após pressão, CNPq disponibilizará novo campo na plataforma Lattes a partir de 15 de abril; informação sinaliza pausa na carreira de pesquisadoras

13/04/2021

Tabita Said

A inclusão formal do campo licença-maternidade nos currículos da plataforma Lattes foi aprovada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A proposta era uma reivindicação de mulheres e do movimento Parent in Science, que formalizou o pedido há mais de dois anos junto ao conselho. O registro dos períodos da licença-maternidade estará disponível a partir do dia 15 de abril na plataforma, que é o sistema oficial para cadastro das atividades dos pesquisadores brasileiros. O preenchimento será opcional.

“Desta maneira, ficaria sinalizado o momento de pausa na carreira da cientista, podendo este fator ser então considerado nas avaliações realizadas com base no currículo, como já vem sendo praticado por agências de fomento estaduais”, destaca nota do Parent In Science após o anúncio do CNPq. 

A demanda para a criação do campo no currículo foi formalizada em 2018, através de uma carta enviada ao conselho e assinada pelo movimento e outras 34 entidades científicas de todo o Brasil. Desde então, foram realizadas duas reuniões com o CNPq. O Parent In Science publicou ainda uma carta nos Anais da Academia Brasileira de Ciências reforçando a importância da inclusão da licença-maternidade como forma de reduzir as diferenças de gênero ao longo da carreira. 

Para a bióloga Isabella Bordon, a vitória é importante, entretanto ainda há muito pelo que batalhar. “Todas seremos beneficiadas por igual, no que diz respeito ao ato político que isso representa. Mas espero que também se reflita na concessão de bolsas”, diz Isabella, que é embaixadora do movimento Parent In Science na USP. De acordo com o coletivo, há um impacto direto da maternidade na carreira científica das mulheres, refletindo na queda de produtividade nos anos seguintes ao nascimento dos filhos. O cenário foi aprofundado pela pandemia Esse processo de queda de produtividade tem efeito demonstrado:

Um relatório sobre Gênero no Cenário de Pesquisa Global, publicado em 2017 pela Elsevier, mostrou que

49%

é o número de mulheres cientistas no Brasil

Mas dados do Programa Jovens Pesquisadoras do CNPq indicaram que

o número de mulheres na ciência diminui com o avanço da carreira científica,

ou seja, em cargos considerados de maior prestígio.

É o chamado leaky pipeline, em português “vazamento na tubulação”. Para a coordenadora do Parent in Science, isto se deve à falta de políticas de apoio que considerem a maternidade na carreira científica.

Currículo científico

A plataforma Lattes é uma base de dados científica, criada para quantificar a produtividade acadêmica de pesquisadores. Atualmente, o Lattes é a principal fonte de avaliação da maioria das instituições de ensino e pesquisa e agências de fomento nos processos avaliativos em editais, solicitações de bolsas, concursos, processos de progressão funcional, entre outros. 

Cientistas participantes do primeiro Simpósio Brasileiro de Maternidade e Ciência lançaram a hashtag #maternidadenoLattes (maternidade no Lattes) para promover a inclusão de informações sobre maternidade na base de currículos, mesmo que informalmente. Para o grupo, as informações servirão para avaliar a “pena da maternidade”, aumentando a capacidade de quantificar e de mitigar seus efeitos no meio acadêmico brasileiro. 

A reconhecida física da Universidade Federal de Juiz de Fora, Zélia Ludwig, integra o movimento Parent In Science e destaca que a inclusão da maternidade no currículo científico representa uma conquista e novos desafios.

Eu sou mãe há 16 anos e posso dizer que o período da maternidade afeta muito a produção e a carreira de uma mulher cientista. É preciso deixar claro que não é só naqueles meses iniciais! Mulheres são muito mais solicitadas que os homens nessas questões. Por exemplo, um pós-doutorado no exterior, as responsabilidades de uma mãe solo no final da pós-graduação… E pra quem é experimental como eu, que morava e trabalhava longe da família, com o esposo trabalhando em outra cidade? Você tem que se desdobrar entre seu trabalho, a casa, a escola dos filhos, as idas ao médico. Ao final do dia, toda essa carga física e emocional não nos permite, nem motiva a fazer qualquer pesquisa. Mas na hora de participar de um concurso, ser julgada para ganhar uma bolsa, ou um projeto, você acaba sendo avaliada pelas mesmas ferramentas que seus amigos homens dentro da academia.”

Zélia Ludwig é professora da Universidade Federal de Juiz de Fora. Foto: Twin Alvarenga.

Zélia Ludwig colaborou com a Nasa na construção de uma plataforma lunar e passou pelo Centro Internacional de Física Teórica (ICTP), na Itália; pelo Instituto de Materiais da Universidade do Texas, nos EUA; e pelo Max Planck, na Alemanha. Ela espera que não apenas o CNPq, mas as agências de fomento à pesquisa, os editais de concurso e seleção de bolsas levem em consideração esse indicativo durante o processo de avaliação. “E que as interseções de gênero e raça também sejam incluídas nessas pautas”, conclui. 

Outras demandas relacionadas à promoção de equidade de gênero na ciência são a revisão dos prazos para propostas de subsídios, relatórios e solicitações de renovação, bem como a criação de programas de financiamento elaborados em torno da realidade dos acadêmicos com as famílias.