Há 25 anos, “Globo Rural” conta com professor da USP para garantir credibilidade das informações

Professor da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP, Enrico Ortolani atua como consultor em reportagens que envolvem temas de veterinária e faz análises críticas durante o processo de produção das notícias

 28/02/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 06/03/2023 as 11:29
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Professor Enrico Lippi Ortolani, da FMVZ, atua como consultor veterinário do programa – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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Dinamismo, linguagem simples e, acima de tudo, informação criteriosa e precisa. É assim que o professor Enrico Lippi Ortolani, do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP e consultor veterinário do programa há mais de 25 anos, define a fórmula de sucesso do Globo Rural. Produzido e exibido pela TV Globo semanalmente, nas manhãs de domingo, há 43 anos, 31 deles ininterruptamente, é o primeiro telejornal a veicular matérias sobre agronegócio e vida no campo e, como destaca o professor, um dos mais antigos da TV aberta no Brasil.

Além do formato de revista, o Globo Rural preza pela informação e isso, em tempos de fake news e viralização de notícias nas redes sociais, é uma raridade. A credibilidade conquistada pelo programa se reflete na longevidade e nos diversos prêmios que recebeu ao longo de suas quatro décadas. Nasceu com 30 minutos, e era dirigido principalmente a espectadores da área rural, que crescia na época tanto em número de televisores quanto em importância da atividade da agropecuária, como comenta o professor.

Apresentado pela primeira vez em 6 de janeiro de 1980, tinha como apresentador o jornalista Carlos Nascimento. “Eu assisti ao primeiro programa, que trazia como temas a produção de soja, energia solar e a importância de se plantar árvores nas fazendas”, relembra Ortolani. Com apenas uma câmera super 8, equipe reduzida e orçamento também, as gravações iniciais aconteciam nas madrugadas de sexta-feira para sábado. Mesmo assim começaram a fazer sucesso, e em agosto daquele mesmo ano o programa ganhou mais meia hora, totalizando uma hora de duração, e ampliando também os assuntos, com notícias sobre o mercado, como preço das commodities, como cita o professor. “O programa recebia mais de 100 cartas por dia, e passou a ser exibido em 25 Estados brasileiros. No ano seguinte, ganhou diversos prêmios e, no final da década de 1980, a revista Veja elegeu o Globo Rural como melhor programa do gênero jornalístico da televisão”, relata Ortolani. De 2000 a 2014 ganhou uma edição diária de 15 minutos, e a Editora Globo ainda lançou a revista Globo Rural, elaborada com base no programa e que até hoje está circulando.

Carlos Nascimento, Sérgio Roberto Ribeiro e Olga Vasone na bancada do Globo Rural – Foto: Divulgação/Memória Globo
Bancada atual de apresentadores do programa Globo Rural – Foto: Divulgação/Globo Rural

O Globo Rural foi criado por uma tríade de jornalistas, formada por Humberto Pereira (editor-chefe), Gabriel Romeiro (chefe de redação) e Lucas Bataglin (chefe de reportagem), também professor da USP na Escola de Comunicações e Artes (ECA), que ainda hoje está no comando do programa. Foram os três que entrevistaram Ortolani para atuar como consultor veterinário do programa. Ortolani, que, como ele mesmo diz, “já tinha um pé na comunicação”, escreveu para o jornal Cruzeiro do Sul e tinha coluna no Suplemento Agrícola do jornal O Estado de S. Paulo, e foi através de seus artigos que veio o convite para a entrevista.

Mas os editores do programa não queriam alguém teórico, e sim quem conhecesse na prática sobre sua área de atuação. A intenção era transformar uma linguagem técnica em algo simples – o contrário do universo acadêmico, em que os artigos científicos são publicados em revistas especializadas, e precisam desse rigor técnico. Além disso, o consultor poderia corrigir informações e até mesmo descartá-las, caso necessário, para que as matérias atingissem o grande público. Ou seja, o objetivo era priorizar a informação, e é com orgulho que o professor fala de seu trabalho, que acaba atingindo milhões de pessoas, mas que fica escondido por trás das câmeras.

Reportagem no Globo Rural sobre produção de frangos – Foto: Divulgação/Cocari

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O que está por trás das câmeras?

Desde 1997, Ortolani atua como consultor veterinário do programa, e participa de reuniões semanais na própria emissora – depois da pandemia de covid-19, as reuniões são realizadas de forma remota. “Mas não são reuniões de pautas comuns. São uma espécie de vídeo-show”, informa. Como o professor explica, são várias etapas: todos se reúnem, chefes, editores, produtores e consultores, sem ao menos saber os assuntos das matérias que serão exibidas; depois de assistir aos vídeos, são identificados os problemas ou não de cada reportagem pelo consultor daquela área, mas os outros também opinam como público. Só depois são realizados os detalhes técnicos, os cortes ou a inclusão de um off (uma fala) ou uma arte (ilustração) com informações importantes que não foram exploradas na matéria. “É uma análise crítica rigorosa”, define.

O professor assessora em reportagens sobre criação animal de bovinos, suínos e aves, reprodução, doenças, inspeção, tecnologia, manejo de pastagens e, ocasionalmente, comportamento animal e mercado pecuário. “Vez por outra”, como diz, orienta os repórteres, que estão gravando as matérias nas fazendas. E também responde às cartas de telespectadores. Uma delas, lembra, sobre por que o ovo da galinha fica deformado, além de assuntos recorrentes, como é o caso de doenças em animais. Há também assuntos mais complexos, como foi o caso de um telespectador francês que queria começar aqui no Brasil uma criação de bivalves, nome técnico para molusco, e que ganhou dois blocos do programa, como relata Ortolani.

Para fazer jus a esse trabalho de consultor, Ortolani precisou estudar muito sobre apicultura, psicultura, cunicultura (que estuda os coelhos) e até animais silvestres, algo que não estava tão presente no seu campo de atuação como professor. Entre os assuntos mais comuns estão verminoses em caprinos e ovinos, e de como iniciar uma criação. O professor também aborda, frequentemente, a questão do manejo de pastagens, que está relacionado à prevenção de doenças. Segundo o professor, são matérias que acabam chegando ao fazendeiro e ao agricultor, esclarecendo dúvidas e trazendo novidades sobre a agropecuária no Brasil. Ele lembra que há histórias de reportagens incríveis, a maior parte de José Hamilton Ribeiro, que rodou o Brasil e não à toa recebeu o maior número de prêmios Esso de Jornalismo.

Foto: Marcos Santos/USP Imagens

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Outros trabalhos

Além do Globo Rural, desde 2009, o professor escreve mensalmente para a Revista DBO, especializada em gado de corte, onde assina a coluna Fatos e Causos Veterinários. “Estou lá na revista há 14 anos e até hoje nunca repeti um assunto”, revela, informando ainda que a linguagem também é simples visando a atingir um público maior. Uma de suas matérias, Paramphistomum: que parasita é este?, teve muita repercussão. Como conta o professor, muitos leitores escreveram dizendo que agora tinham descoberto informações sobre essa doença. Sempre no mês de janeiro, o professor escreve para um anuário, em que chegou a fazer um balanço sanitário do ano, mas atualmente escolhe um tema relevante.

Outro projeto que, segundo ele, dá muito trabalho é o Radar Sanitário. São dois sites diferentes: Scot Consultoria, que dá o preço da arroba do boi diariamente, além de tendências da área, e é lido pelo pecuarista e gerente de fazendas; e Portal DBO, com notícias e conteúdo técnico e econômico sobre pecuária de corte. O professor trata basicamente de dois assuntos. Primeiro, mês a mês, fala o que é preciso fazer de manejo sanitário, como, por exemplo, vacinar contra a febre aftosa, a vermifugação estratégica, ou dicas como checar a temperatura da geladeira para que não estraguem as vacinas, inspecionar as seringas, revisar o curral. Além disso, lembra o professor, há manejos sanitários diferentes pelo Brasil, como, por exemplo, no Rio Grande do Sul, em que o tratamento para verminose é feito em período diferenciado das demais regiões.

A segunda parte, totalmente inédita, é o registro de doenças e parasitoses recentes. “Eu ligo do Acre ao Rio Grande do Sul, para minhas 40, 50 fontes, e pergunto: o que está acontecendo agora de surto?”, diz o professor, exemplificando com o berne, larva de uma mosca que explode nesse período, ou a mutuca, que está atacando bovinos. “Escrevo sobre tudo o que está acontecendo nos últimos 30 dias, no máximo 40 dias, e informo como resolver o problema”, garante. “É uma prestação de serviços, que nem o Ministério da Agricultura tem”, afirma. “Há muitas formas de se fazer extensão, uma delas é através da informação”, afirma. E é isso que o professor faz, esclarecendo informações, corrigindo, divulgando, da maneira mais simples, para que cheguem ao grande público.

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