Gestantes vítimas de enchentes no Sul receberam assistência de ex-alunos de Obstetrícia da USP

Projeto SOS Obstetrizes uniu formados no curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP para prestar assistência às mulheres grávidas na cidade de Canoas, uma das mais afetadas pelas enchentes históricas no Rio Grande do Sul

 Publicado: 12/07/2024     Atualizado: 15/07/2024 as 12:21

Estudantes da USP oferecem cuidado às gestantes em abrigos na cidade de Canoas, no Rio Grande do Sul - Foto: SOS Obstetrizes

A tragédia histórica que atingiu o Rio Grande do Sul, com temporais e enchentes a partir do final de abril, afetou mais de 2 milhões de pessoas e provocou 179 mortes no Estado. No pior momento das enchentes, diante da vulnerabilidade de cerca de 80 mil pessoas desabrigadas que ficaram em ginásios, salões e galpões improvisados, gestantes da cidade de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, puderam contar com a assistência de obstetrizes formados pela USP que atuaram como voluntários para fornecer apoio e cuidados necessários para manter a saúde e bem-estar das mães e dos bebês.

“Nosso grupo mapeou e fez atendimento pré-natal de mais de 100 gestantes em abrigos. Foram testes rápidos, ausculta fetal, medicações de altura uterina, preenchimento de cartões das gestantes e fornecimento de cartões novos àquelas que perderam os documentos na enchente”, explica Elísia da Silva Ramos, estudante do curso de Obstetrícia da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP. Ela liderou a ação e gestão do projeto SOS Obstetrizes em Canoas, uma das cidades mais afetadas pela enchente.

Os participantes, todos formados no curso oferecido pela EACH, também buscaram auxiliar as mulheres com relação à saúde sexual e orientação sobre métodos anticoncepcionais, já que o sistema de saúde da cidade foi afetado e apenas 10 das 27 Unidades Básicas de Saúde (UBS) estavam em funcionamento. “Num segundo momento, ficamos envolvidos na questão da contracepção, aplicando anticoncepcionais injetáveis naquelas que desejavam esse método, e começamos a desenvolver um movimento de mutirão para a implantação de outros métodos, como DIU e Implanon. Precisávamos pensar em dispositivos de longa duração que não dependessem do funcionamento do sistema de saúde”, destaca Elísia.

Elísia da Silva Ramos, aluna de Obstetrícia da USP que liderou ação voluntária no Sul - Foto: SOS Obstetrizes

Eles forneceram novas cadernetas de gestante para aquelas que perderam os documentos na enchente e, como foram autorizados a ter acesso ao prontuário eletrônico do município, conseguiram resgatar dados das consultas anteriores. Todas os procedimentos, exames e agendamentos foram informados no sistema integrado de gestão em saúde do município, garantindo a continuidade do cuidado, mesmo após a partida do grupo. “E, conforme a água foi baixando, e as gestantes retornavam às suas residências, passamos a ir para as áreas até então alagadas, fazendo consultas nos domicílios”, destaca.

Pâmela Semeone e Lucila Pougy, na primeira foto, e Joel Mariano e Camila Teixeira em ação pelas gestantes em Canoas - Foto: SOS Obstetrizes

Os integrantes do SOS Obstetrizes também se reuniram com a prefeitura de Canoas, no dia 17 de junho, para abordar a necessidade de atualizar os protocolos de acesso aos contraceptivos reversíveis de longa duração. O projeto tramita agora na Secretaria Municipal de Saúde e propõe garantir a inserção gratuita de 200 implantes contraceptivos subdérmicos e 100 dispositivos intrauterinos de cobre para mulheres afetadas pela enchente ou em situação de vulnerabilidade social e econômica. “O acesso à saúde sexual e reprodutiva no País, especialmente para pessoas em situação de vulnerabilidade, enfrenta abismos. Ações como a que empreendemos em Canoas se fazem necessárias em várias regiões do País”, explica a estudante.

Projeto emergencial

O SOS Obstetrizes foi criado no dia 9 de maio como projeto emergencial para atender as vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul, mobilizando 12 obstetrizes para uma parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de Canoas, articulada com outras organizações humanitárias como o Médicos Sem Fronteiras e a Força Nacional do Sistema Único de Saúde (SUS). A ação também teve o apoio dos professores da EACH, que buscaram ajudar o grupo com a formulação de documentos ou na comunicação com órgãos e associações que poderiam auxiliar no local. No dia 15 de maio, a equipe já estava atuando nos abrigos.

“Quando a catástrofe ambiental tomou lugar no Rio Grande do Sul, eu me vi impelida a voltar para o meu estado em um avião de ajuda humanitária para ajudar minha família, meus amigos e minha terra”, conta Elísia, que nasceu em Santa Maria, região central do estado. “Eu trouxe muitas doações em medicação, ajudei na distribuição delas pelo território, mas vi que havia uma demanda grande de profissionais como a que eu um dia serei: obstetrizes.”

Grupo caminha pelos escombros da enchente para chegar às gestantes - Foto: SOS Obstetrizes

A estudante morou no Sul até os 22 anos, quando mudou para São Paulo para cursar Obstetrícia na USP, que é a única universidade brasileira a oferecer essa graduação. O ingresso foi em 2021 pelo Sistema de Seleção Unificada (SiSU) que utiliza a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), modalidade que foi substituída atualmente pelo processo seletivo Enem USP. O início do curso foi em meio à pandemia da covid-19, então um ano foi cursado de maneira on-line (pela necessidade de isolamento social), e depois foi feita a mudança para São Paulo em 2022, já com as aulas presenciais. “A pandemia aumentou o tempo de graduação de toda a Obstetrícia em um ano, por causa de atrasos nos estágios, então eu me formo em 2026”, explicou Elísia.

Acompanhamento às gestantes nos abrigos de Canoas - Foto: SOS Obstetrizes

Olhar sensível de obstetrizes

Os integrantes do SOS Obstetrizes destacam o olhar culturalmente sensível, empático e respeitoso que aprendem na profissão e a possibilidade de levar saúde e evidência científica para os lugares com demandas urgentes, como um abrigo num contexto de calamidade. E lembram o tema escolhido neste ano pela Confederação Internacional de Obstetrizes: “Obstetrizes: uma solução vital na crise climática”.

O grupo deixou a cidade de Canoas no dia 18 de junho, após um mês de ações, e pretendem voltar caso a prefeitura aprove o projeto de mutirão de acesso a métodos contraceptivos para pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica.

Participantes das ações do Sul, da esquerda para a direita: Juliana de Mesquita, Pâmela Semeone, Thalita Araújo, Elisia Ramos, Bianca Romão e Lucila Pougy - Foto: SOS Obstetrizes

Além disso, com ajuda de uma advogada egressa do mestrado na EACH, estão montando um estatuto para que o SOS Obstetrizes se torne uma Organização Não Governamental (ONG). A ideia, de acordo com Elísia, é oferecer atendimento obstétrico de qualidade; facilitar o acesso a direitos sexuais e reprodutivos; defender os direitos reprodutivos de mulheres e de pessoas com útero; oferecer capacitação profissional, educação em direitos e a realização de pesquisa na área; reunir obstetrizes voluntárias para levar assistência a populações assoladas por situações de desastres ambientais ou sociais; entre outras ações.

Para acompanhar as ações do SOS Obstetrizes, siga o grupo no Instagram neste link.

Com informações da Assessoria de Imprensa da EACH USP


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