Redes sociais como lugar da memória coletiva da nossa época

Giselle Beiguelman avalia que documentos e momentos compartilhados nas postagens dificilmente poderão ser relembrados no futuro, porque são mídias cuja arquitetura de informação não é adequada a buscas retrospectivas

 Publicado: 29/07/2024

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Na coluna desta semana, a professora Giselle Beiguelman comenta sobre sua participação no Seminário Patrimônio: Cidade Contemporânea, Arqueologia e Revitalização.

Participei de um seminário realizado pela FGV, no Rio de Janeiro, em que discutimos as relações do patrimônio histórico com a cidade contemporânea. Um dos tópicos mais importantes foi o debate sobre o papel das redes sociais na nova cultura da memória.

Afinal é inegável que as redes sociais se tornaram um dos novos lugares da memória coletiva da nossa época, pois permitem (e fomentam) que as pessoas documentem e compartilhem momentos de suas vidas através de postagens, criando um registro digital de memórias pessoais, mas que dificilmente poderão ser revisitadas e relembradas no futuro. Isso porque são mídias, cuja arquitetura de informação não é adequada a buscas retrospectivas.

O problema se agrava porque essas mesmas redes sociais se tornaram também o principal canal de escoamento das disputas políticas. Eventos históricos e culturais relevantes são amplamente discutidos e documentados nas redes sociais, criando um arquivo distribuído de memórias coletivas sobre esses acontecimentos que também dificilmente pode ser acessado posteriormente.

Um dos desafios que as redes apresentam é a descontinuidade dos serviços on-line, que são essencialmente geridos por empresas privadas, e as constantes mudanças dos seus algoritmos.

Quando um serviço é descontinuado, todos os conteúdos associados a ele podem ser perdidos, levando a uma ruptura na continuidade da memória coletiva, como já ocorreu com a Geocities e o MySpace, temas sobre os quais já falamos aqui na Rádio USP.

Outro ponto importante a se considerar é que as constantes mudanças nos algoritmos das redes sociais afetam a forma como as informações são apresentadas e acessadas. Essas mudanças podem fazer com que conteúdos relevantes sejam esquecidos ou tornados menos visíveis, o que dificulta a preservação da memória coletiva. Os algoritmos priorizam conteúdos recentes ou com mais interações e isso impacta a forma como informações históricas ou menos populares se tornem inacessíveis.

As redes sociais são um espaço dinâmico e efêmero, onde conteúdos são criados e compartilhados rapidamente. No entanto, a preservação desses conteúdos é um desafio. A falta de uma estratégia de preservação adequada pode levar à perda de informações valiosas, tornando difícil a recuperação de memórias coletivas.

Volto a um exemplo que cito recorrentemente e que pode ser um alerta para a urgência dessa discussão: se o Google, por algum motivo, decidir que o YouTube não é mais um serviço interessante para a empresa e decidir descontinuá-lo, boa parte da memória da covid estaria perdida.

É fundamental que o item preservação da memória digital se torne uma questão das políticas públicas. Apesar dos esforços que vêm sendo feitos em termos de preservação de documentos institucionais produzidos digitalmente, pouca atenção tem sido dada aos espaços em que a documentação social do nosso presente é produzida. Nesse sentido, parece-me que a grande questão hoje, nesse campo é: como lidar com arquivos distribuídos, atentando para seu lugar na construção de
memórias e patrimônios coletivos?


Ouvir Imagens 
A coluna Ouvir Imagens, com a professora Gisele Beiguelman, vai ao ar quinzenalmente, segunda-feira às 8h, na Rádio  USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP,  Jornal da USP e  TV USP.

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