O Nobel a quem foi desacreditada pela ciência e salvou milhões de vidas no mundo

Glauco Arbix celebra a teimosia e a persistência de Katalin Karikó, que não conseguiu publicar artigos nem obter financiamentos para suas pesquisas, mas a cujo trabalho se deve o desenvolvimento da vacina contra a covid

 10/10/2023 - Publicado há 7 meses
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Katalin Karikó e Drew Weissman, ela, de origem húngara, e ele, alemã, receberam o Prêmio Nobel de Medicina de 2023 pelas descobertas que levaram ao desenvolvimento das vacinas chamadas de RNA mensageiro. Foram aquelas desenvolvidas durante a pandemia e que salvaram milhões e milhões de vidas em todo o planeta. É  sempre bom lembrar que as vacinas desse tipo, muito avançadas, sempre nascem a partir do trabalho de muita gente. Por isso, na ciência moderna, nenhuma descoberta é feita apenas por uma estrela solitária. Mesmo sabendo disso, é bem possível que poucos cientistas tenham contribuído tanto para salvar tantas vidas do que  Karikó e Weissman em toda a história da humanidade.
Nós temos muito a comemorar, mas também é bom lembrar que a premiação emitiu um sinal de alerta. Poucas pesquisas da Medicina foram mais importantes do que o trabalho que esses dois pesquisadores fizeram, mas pouca gente sabe que os primeiros trabalhos de Karikó tiveram sua publicação recusada, e por revistas altamente conceituadas como a Nature, Science, a Cell  – mais ainda, Karikó chegou a ser rebaixada de suas funções de pesquisadora na Universidade da Pensilvânia, uma das melhores do mundo.
A razão, poucos acreditavam na viabilidade das suas descobertas, ela não conseguia publicar as suas pesquisas, as revistas recusavam, ela não tinha financiamento, e isso é importante, a gente tem sempre que refletir sobre a maneira como a ciência se organiza para valorizar o cientista, a cientista, a ciência e as novas descobertas. No caso de  Karikó e Weissman, a humanidade quase perdeu suas descobertas, ela lutou muito, teve que sair da Universidade, fundou uma empresa, conseguiu patentes, vendeu por um preço muito baixo, não chegou a US$ 300 mil suas patentes, que depois, posteriormente, foram licenciadas  por centenas e centenas de milhões de dólares.
Chegou até mesmo a ser expulsa da Universidade da Pensilvânia e forçada a se aposentar. Teve que migrar para a Alemanha, onde foi trabalhar no laboratório do Weissman. É uma vida que parece um roteiro de filme, mas era vida real de uma descoberta que mudou o mundo e que correu o risco de nunca ter nascido […] a história real mostra que a teimosia e persistência de Karikó salvaram milhões e milhões de vidas.
É um Prêmio Nobel que celebra a trajetória extraordinária de alguns indivíduos, mas neste ano celebrou também uma história de advertência, quantos pesquisadores não puderam prosseguir com suas descobertas por falta de apoio, quantas ideias morreram antes de nascer, quantos cientistas brilhantes mudaram silenciosamente de carreira por falta de condições adequadas e subfinanciamento, por interrupção de programas, pela ausência de infraestrutura e laboratório […] a convicção de Karikó, seu trabalho por décadas na obscuridade, é uma linda história de triunfo do espírito humano.

Observatório da Inovação
A coluna Observatório da Inovação, com o professor Glauco Arbix, vai ao ar quinzenalmente, terça-feira às 8h, na Rádio USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP, Jornal da USP e TV USP.

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