Um estudo publicado pela revista Nature Communications identificou 13 tipos específicos de bactérias intestinais vinculadas ao transtorno de depressão. De acordo com os cientistas, esses organismos estão envolvidos na síntese de neurotransmissores, como glutamato, butirato, serotonina e o ácido gama, que podem ter relação com a doença.
Fernando Fernandes, médico do Programa de Transtornos Afetivos do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, explica o estudo realizado e suas implicações.
Relação entre intestino e cérebro
Estudos que analisam a microbiota intestinal são mais recentes e apresentam um campo de análise promissor. Entretanto, a conexão entre questões intestinais e cerebrais já é bastante observada e estudada. Segundo Fernandes, doenças intestinais são mais comuns na depressão, como doenças inflamatórias e alterações no trato gastrointestinal, por exemplo.
“Um estudo antigo do nosso grupo atestou que a motilidade gastrointestinal está diminuída na depressão. Então, parece que existem vias comuns neuronais e mediadores inflamatórios que caminham lado a lado tanto na depressão quanto no funcionamento gastrointestinal”, pontua.
O estudo
A pesquisa produzida pela Nature realizou um estudo observacional, através do acompanhamento de pacientes com diagnósticos de depressão. “Os pesquisadores avaliaram a composição da microbiota intestinal dos estudados e atestaram que indivíduos que tinham quadros de depressão mais grave possuíam mais de uma espécie de microrganismos, diferentemente dos indivíduos sem diagnóstico de depressão”, explica o médico.
Fernandes acrescenta que, como qualquer estudo observacional, esse não estava isento de vieses. Então, é preciso levar em consideração que os pacientes faziam uso de diferentes medicações e consumiam diferentes dietas – variáveis que podem interferir diretamente na composição da microbiota intestinal e, assim, no resultado do estudo. Além disso, outro fator que não pode ser desconsiderado é que casos de depressão são mais comuns em mulheres.
O médico destaca que o mecanismo pelo qual é associada a microbiota com o diagnóstico de depressão é muito mais indireto do que se pensa. Já se sabe, por exemplo, que esse transtorno – em alguns subtipos e pacientes – é um estado pró-inflamatório. “Em nível sistêmico corporal, ele é ativado na depressão, e esse estado pró-inflamatório pode influenciar na microbiota, da mesma forma que o tipo de microbiota que a pessoa tem também pode perpetuar esse estado inflamatório.” Essa análise, portanto, é apenas um ponto de partida para estudos detalhados, e ainda não é possível realizar grandes saltos qualitativos.
Fernandes destaca que, mesmo com descoberta realizada, ainda não existem evidências que provem que suplementos que mudem a microbiota intestinal tenham eficácia contra o transtorno de depressão. Atualmente, existem inúmeros tratamentos para a doença que já provaram sua eficácia. Probióticos e mudanças alimentares podem auxiliar no tratamento, mas não possuem poderes curativos.
O médico aponta que as causas da depressão são múltiplas e são estudadas por inúmeras áreas da saúde. A conexão entre intestino e cérebro é mais uma corrente de estudo que pode contribuir para entender sua etiologia e as melhores formas de tratamento para a doença.
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