Dados do IBGE confirmam falta de proporcionalidade de deputados na Câmara federal

Segundo o professor Glauco Peres da Silva, pensar em representatividade é essencial para o funcionamento do processo democrático

 01/08/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 02/08/2023 às 12:46

Texto: Julia Galvao *(estagiária)

Arte: Gabriela Varão **(estagiária)

A relação na Câmara é de, aproximadamente, um deputado para cada 350 mil eleitores - Foto: Leandro Ciuffo/Flickr

O recente Censo Demográfico de 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelou diversas características a respeito da população nacional que podem apresentar direta influência em ações da administração pública. Entre as informações divulgadas pela pesquisa, as novas estimativas populacionais dos Estados brasileiros são um dos pontos que apresentaram destaque entre os especialistas. 

Com a mudança no número populacional de cada Estado, há também a possibilidade de alteração do número de cadeiras oferecidas para cada Unidade Federativa (UF) na Câmara dos Deputados. Atualmente, a distribuição de cadeiras para cada Estado é realizada a partir de uma proporção da população. Assim, as mudanças nos quocientes populacionais deveriam ser acompanhadas de mudanças na Câmara para evitar distorções representativas. 

Hoje, o Brasil conta com um número máximo de 513 cadeiras de deputados federais, conforme estabelecido na Lei Complementar nº 78 de 1993. A partir desse número, para definir quantos deputados cada Estado teria foi realizada uma proporcionalidade entre o volume populacional de cada unidade federativa e o número de cadeiras disponíveis (513) — divisão que não é realizada desde a promulgação da Lei. É importante destacar que o número máximo de deputados aceito para cada Estado é de 70, sendo necessário que cada unidade tenha pelo menos oito parlamentares. 

Um recente Projeto de Lei Complementar (PLP 148/2023) apresentado pelo deputado Rafael Pezenti (MDB) está em discussão e, caso seja aprovado, sete Estados podem perder deputados e outros sete podem ganhar. Glauco Peres da Silva, professor do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, explica que o atual número de representantes do parlamento brasileiro é compatível e adequado do ponto de vista internacional — com uma relação de, aproximadamente, um deputado para cada 350 mil eleitores. Assim, a discussão da temática não se concentra na ordem do tamanho da casa, mas é possível debater outros pontos.

Glauco Peres da Silva - Foto: Arquivo Pessoal

Glauco Peres da Silva - Foto: Arquivo Pessoal

Representação

Outra questão levantada concentra-se na qualidade dos deputados presentes no parlamento nacional. “Quando a gente pensa em termos de qualidade da representação, a gente está falando em relação a capacidade desses parlamentares entregarem ou defenderem os pontos de vista de seu eleitor”, explica o especialista. Dessa forma, no Brasil nota-se que a dificuldade de parlamentares levarem a termo os interesses da população tem início no próprio processo eleitoral — com o tamanho dos distritos eleitorais, por exemplo. 

“O Estado de São Paulo elege 70 pessoas e isso gera um número de candidatos muito grande. Então o eleitor tem que escolher e votar em um candidato olhando para uma lista que os partidos oferecem; ao todo, cerca de 1.800 candidatos”, comenta Peres da Silva. Além disso, é importante lembrar que, no mesmo dia em que essa votação acontece, é papel do eleitor escolher um candidato para outros quatro cargos — deputado estadual, senador,  governador e presidente. Assim, as várias eleições em um único dia geram uma dificuldade na escolha e no acompanhamento desses políticos. 

Votação pra deputado estadual - Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

O professor comenta ainda que as eleições nacionais são muito demandantes do ponto de vista cognitivo, “isso torna complicado um processo de aproximação entre o eleitor e o político”, afirma. Apesar das dificuldades associadas ao tamanho dos distritos é importante compreendermos que isso não significa que cada um deles deveria ter um único parlamentar — como acontece nos Estados Unidos. 

“Isso é o extremo oposto e é muito ruim porque as minorias não teriam representação. Então, para garantir que as minorias tivessem representação e para que o eleitor pudesse acompanhar o que os políticos fazem, os distritos deveriam ter um tamanho de eleição de cinco a dez. São nesses termos que nós pensamos a qualidade da representação do ponto de vista eleitoral”, discorre Peres da Silva. 

O professor reforça ainda que diminuir o número de parlamentares não parece ser algo que apresenta respaldo acadêmico, já que é muito difícil pensar nisso em termos de qualidade da representação. Assim, pesquisas sugerem que a diminuição tornaria o processo mais transparente e seria mais simples acompanhar o trabalho dos parlamentares.

Contudo, quanto menor, menos espaço as minorias teriam para defender seus interesses, fator que representa um grave problema. “Cada distrito eleger uma única pessoa é algo muito perverso para o sistema e cria problemas que a democracia americana enfrenta há tempos, como a elevadíssima sub-representação da população negra e hispânica no país”, acrescenta o professor. 

Debate 

Outro ponto importante a ser considerado nessa discussão é que o Brasil (e outros países) apresenta alguns problemas normativos na utilização de regras para a proporcionalidade. Um exemplo disso pode ser observado por meio do número de deputados que representam o Estado de São Paulo, já que a UF deveria contar com cerca de 110 parlamentares, mas por conta de um limite estabelecido pela lei sancionada em 1993, o Estado segue com 70. “O que está acontecendo agora são distorções no meio, não só nas pontas como a gente sabia que aconteceria desde o princípio da regra”, explica. Ou seja, com a ausência de uma nova proporcionalidade não apenas os Estados com as maiores e menores populações apresentam distorções, mas quase todos. 

Dessa forma, a recontagem deveria ser realizada a cada novo montante populacional divulgado pelo IBGE (a cada dez anos). “Eu não acho que isso vai acontecer tão cedo, mas acredito que seria a forma mais confiável ou mais justa, já que tem pouco espaço para os políticos interferirem no trabalho do IBGE”, analisa Peres da Silva. 

O número de deputados federais apresenta influência também na escolha do número de deputados estaduais — para as Unidades Federativas que contam com até 12 deputados federais, o número de deputados estaduais corresponde ao triplo destes. Para as bancadas que contam com mais de 12 parlamentares federais, após a contagem de 36 deputados estaduais, passa-se a equivaler um deputado federal a um estadual. Para Peres da Silva, essa regra gera Assembleias Legislativas muito grandes e custosas, sendo difícil defender sua razoabilidade. “Isso é bastante complicado e é uma questão que deveria ser revista. Por que os deputados federais, que vão tratar de questões nacionais, precisam ser um número menor do que aqueles que vão cuidar de questões locais? Eles poderiam ser do mesmo tamanho ou o número de deputados estaduais poderia ser menor”, diz o professor. 

Apesar dos problemas associados à falta de revisão da proporcionalidade parlamentar, uma mudança na distribuição não é feita há 30 anos. Segundo Peres da Silva, a dificuldade dessa alteração está associada à postura reticente dos políticos. “Os políticos que têm capacidade de mudar as regras são aqueles que foram eleitos por elas. Então, mudança é algo que eles não desejam, porque eles sabem que, se a regra mudar, eles podem não se eleger mais”, finaliza.

*Sob a orientação de Marcia Avanza

**Sob a orientação de Moisés Dorado e Simone Gomes


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