Covid-19 transformou o cotidiano da cultura urbana

Proliferação de câmeras térmicas e “gun thermometers” anuncia as estéticas da vigilância do pós-pandêmico

 10/08/2020 - Publicado há 4 anos

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“A covid-19 transformou a cultura urbana, introduzindo elementos inéditos no cotidiano das cidades”, comenta Giselle Beiguelman em sua coluna Ouvir Imagens, da Rádio USP (clique e ouça o player acima). “A imagem da multidão, sempre associada à emergência e à vida das metrópoles, foi substituída pela das ruas vazias. O repovoamento paulatino do espaço público vem acompanhado do ressurgimento de seus habitantes, agora todos de máscara.”

Nesse quadro do “novo normal” há também a multiplicação dos gun thermometers e das câmeras térmicas na entrada de vários locais. “Utilizadas em operações militares há muito tempo e em controle de fronteiras, essas câmeras térmicas tiveram um vertiginoso aumento de uso com a pandemia do coronavírus”, observa. “Recentemente, a Amazon implantou esse tipo de câmera em seus depósitos para monitorar o contágio entre seus funcionários.”

A professora explica que a câmera funciona como um porteiro eletrônico. “Caso o indivíduo esteja com febre, ele não entra. A popularização desses dispositivos, no entanto, traz ainda outras questões que são de ordem política, cultural e estética.” O processo de escaneamento dos corpos é feito a partir de imagens da fisiologia do indivíduo, vista por olhos totalmente maquínicos, que compõem um retrato “em rosa púrpura e azulão” do sujeito. “Um retrato que só pode ser validado em um banco de dados, abrigado em uma nuvem computacional e submetido a alguma Inteligência Artificial que buscará padrões para eventualmente contribuir para a cura da covid-19. Mas que também podem vir a ser utilizados para outras finalidades. Não sabemos.”

Ela salienta que não se discute a necessidade de conter a propagação do vírus, tomando medidas que interferem na vida social. “Sabemos que são, todavia, a única forma de controle da pandemia.”

A questão levantada por Giselle Beiguelman é outra: compreender as estéticas da vigilância do coronavírus, que anunciam uma nova forma de controle social. “Um controle que monitora os corpos sem tocá-los, sem coerção e sem dor.  É cedo para antecipar o que ocorrerá no contexto pós-pandêmico, mas fica claro que um dos legados da pandemia é a naturalização da vigilância e a transformação do corpo, lido a partir da sua fisiologia, na nova senha do novo normal.”


Ouvir Imagens 
A coluna Ouvir Imagens, com a professora Gisele Beiguelman, vai ao ar quinzenalmente, segunda-feira às 8h, na Rádio  USP (São Paulo 93,7; Ribeirão Preto 107,9) e também no Youtube, com produção da Rádio USP,  Jornal da USP e  TV USP.

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