Universo das Emissoras Públicas: Fundada durante a ditadura militar, a TV Cultura se tornou referência entre as emissoras públicas do país

Presidente do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta afirmou que a emissora “está atenta às coisas boas da sociedade, mas ao mesmo tempo denunciando com respeito, serenidade e muita firmeza as questões que afligem a população brasileira”

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 08/01/2024 - Publicado há 7 meses
Universo das Emissoras Públicas - USP
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Universo das Emissoras Públicas: Fundada durante a ditadura militar, a TV Cultura se tornou referência entre as emissoras públicas do país
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A TV Cultura de São Paulo conquistou o mérito de ser a principal referência entre as televisões públicas do Brasil. Fundada em plena ditadura militar, a emissora é mantida pela Fundação Padre Anchieta – Centro Paulista de Rádio e Televisão Educativas, uma instituição pública com natureza jurídica independente do governo paulista. 

A Fundação mantém ainda as rádios Cultura FM e Cultura Brasil, o canal digital MultiCultura e o portal CMAIS. Além disso, também é parceira na operação da TV Univesp e distribui conteúdo infantil pela TV Rá Tim Bum!.

A entrevista desta edição é com o presidente do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta, Fábio Magalhães, que é membro vitalício e integrante do conselho há mais de vinte anos. Fábio Magalhães é museólogo, foi curador-chefe do Museu de Arte de São Paulo (Masp), diretor da Pinacoteca do Estado de São Paulo e exerceu vários cargos na administração pública. Esta edição em formato de podcast do programa Universo das Emissoras Públicas apresenta uma versão expandida. 

A Fundação Padre Anchieta foi criada pelo então governador Roberto de Abreu Sodré em 1967, três anos depois do golpe militar de 1964. A concessão do canal 2 foi adquirida do grupo de Assis Chateaubriand pelo Executivo paulista. Na época, as Emissoras Associadas também detinham em São Paulo a TV Tupi, a primeira emissora de televisão do Brasil, e atravessavam uma séria crise financeira. Outro fator que influenciou o negócio foi uma reforma do Código de Telecomunicações que limitou o tamanho das redes nacionais a um máximo de dez canais também em 1967.

Logo depois da venda, a emissora paulista encerrou as atividades como canal comercial. A TV Cultura pública foi inaugurada em 15 de junho de 1969 com uma festa no Ginásio do Ibirapuera transmitida pela televisão. 

A Fundação Padre Anchieta não pertence ao Estado, o que a diferencia de várias instituições que detém canais de rádio e televisão públicas ou não comerciais em atuação no Brasil. A FPA é uma pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos com autonomia jurídica, administrativa e financeira. 

Outra característica fundamental para a independência da Fundação Padre Anchieta foi a criação de um conselho curador encarregado de eleger o presidente executivo, profissional que tem a tarefa de gerir a empresa. O Conselho Curador da FPA é formado por quarenta e sete membros: vinte são membros natos que representam instituições; três são vitalícios; vinte e três são eletivos e um é representante dos funcionários da fundação. Os membros do Conselho Curador exercem os mandatos gratuitamente por um período de três anos e é permitida uma reeleição. 

O presidente do Conselho Curador da FPA comentou o momento da fundação da TV Cultura e disse que “o [governador] Abreu Sodré teve a inteligência e o caráter democrático de fazer uma instituição pública de direito privado, com recursos do Estado, através de lei e não através de decreto”. 

Fábio Magalhães contou na entrevista que o estatuto da Fundação Padre Anchieta garantiu que apenas os representantes da sociedade civil possam indicar quem exercerá a função de presidente do Conselho Curador e quem ocupará a Diretoria Executiva da fundação. Os demais membros votam, mas não indicam os candidatos aos cargos. A regra prevista no estatuto “reforça muito o caráter de independência e de afastamento, um afastamento positivo, da relação com o Estado”, acredita Magalhães. 

Na avaliação do presidente do Conselho Curador, a existência do colegiado impede que a TV Cultura seja submetida a interesses políticos dominantes. Entre os conselheiros estão os reitores da Universidades São Paulo (USP), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), da Universidade Estadual Paulista “Julio de Mesquita Filho” (Unesp), da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e da Universidade Mackenzie. Também estão representadas a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a União Brasileira de Escritores, a Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior e a União Estadual dos Estudantes (UEE). 

Magalhães falou sobre a preocupação com a diversidade na composição do conselho. A atual formação tem representantes afrodescendentes e a indígena Renata Tupinambá como membros eletivos. 

Representantes do governo paulista e da prefeitura de São Paulo também integram o Conselho Curador e estão em minoria. São integrantes natos os titulares da Secretaria de Estado de Cultura, da Secretaria de Estado da Educação, da Secretaria de Estado da Fazenda, da Secretaria da Educação do Município de São Paulo e da Secretaria da Cultura do Município de São Paulo. Durante a entrevista, Fábio Magalhães falou sobre a relação da emissora pública com o governo. Ele disse que conflitos são normais de uma democracia e que todos têm sido muito bem resolvidos. “Na verdade, não é intenção da TV Cultura ser contra ou a favor do governo. O caráter independente da televisão e do seu jornalismo é fundamental”, argumenta. 

O jornalismo da TV Cultura deve pautar temas sobre meio ambiente, sustentabilidade, desigualdade social, analfabetismo, saúde, educação e a luta contra a violência, na avaliação de Magalhães. “O bom jornalismo incomoda mesmo. O que muitas pessoas não percebem é a extraordinária importância do jornalismo no mundo contemporâneo. As redes sociais não substituem a importância fundamental que o jornalismo tem na sociedade”, disse o presidente.

Parte dos recursos que mantém a TV Cultura provém do governo do estado de São Paulo. Os subsídios recebidos representam um valor próximo de cinquenta por cento do orçamento da emissora. O restante das receitas da FPA provém da veiculação de apoios culturais e da renda de parcerias de produção. Como empresa pública, a emissora não tem finalidade de lucro e todo o excedente de receitas é revertido inteiramente para a própria instituição. 

Magalhães conta que houve no passado a discussão de uma proposta para que uma pequena contribuição pudesse ser recolhida dos moradores de São Paulo através da conta de água ou de luz para subsidiar a FPA. A proposta discutida durante o governo de Mário Covas não foi aprovada pela Assembleia Legislativa. 

Para o presidente do conselho curador, o atual formato de financiamento da FPA por meio de dotações orçamentárias e apoios culturais “não é o caminho ideal” se comparado a outras emissoras públicas internacionais como a British Broadcasting Corporation (BBC) do Reino Unido. Ele completa que “a televisão está com as contas em dia; mas nós sonhamos muito mais do que isso, nós poderíamos estar produzindo muito mais programas”. 

Durante a entrevista, Fábio Magalhães destacou em vários momentos o compromisso da Fundação Padre Anchieta em promover a educação, a liberdade, a democracia, a diversidade e a inclusão. Magalhães falou ainda sobre os programas da TV Cultura que promovem a cultura brasileira. 

“Esse é o prazer que a TV Cultura dá para a sociedade. [A emissora] está atenta às coisas boas da sociedade, mas ao mesmo tempo denunciando com respeito, serenidade e muita firmeza as questões que afligem a população brasileira e a população mundial como é a questão do meio ambiente e outras”. 

Foram também temas da entrevista a audiência na televisão pública, a transmissão de programas de esportes e o atual contexto de predomínio de plataformas digitais no cenário global. 

Atualmente a TV Cultura alcança todo o Brasil através de parcerias de transmissão.

 

Sugestão de leitura complementar sobre o tema: 

Uma história da TV Cultura (livro), de Jorge da Cunha Lima, Edição Imprensa Oficial do Estado, 2008. 

Estatuto da Fundação Padre Anchieta – Centro Paulista de Rádio e TV Educativas, disponível gratuitamente para leitura. 

Central de Relacionamento da TV Cultura. O portal traz informações sobre a história, a missão e as emissoras mantidas pela Fundação Padre Anchieta. 

TV Cultura no YouTube. O canal apresenta os principais programas da emissora e também faz transmissões ao vivo. 


Universo das Emissoras Públicas

O Universo das Emissoras Públicas vai ao ar quinzenalmente às sextas-feiras, às 17h, pela Rádio USP FM 93,7Mhz (São Paulo) e Rádio USP FM 107,9 (Ribeirão Preto). As edições do programa estão disponibilizadas nos podcasts do Jornal da USP (jornal.usp.br) e nos agregadores de áudio como Spotify, iTunes e Deezer.

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