Em homenagem a Lima Barreto, artistas revisitam Policarpo Quaresma

A fim de traduzir a literatura em arte, exposição gratuita reúne 23 artistas na Biblioteca Brasiliana da USP

As obras dos artistas são inspiradas no mais famoso livro de Lima Barreto - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

 Publicado: 18/06/2024

Texto: Alícia Matsuda*

Arte: Beatriz Haddad**

Até 11 de julho, a mostra coletiva O Triste Fim de Policarpo Quaresma – Lima Barreto, organizada pela artista Altina Felício, está em cartaz na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP. Gravuras, pinturas e instalações de diferentes autorias compõem a nova etapa do projeto A Imagem e a Palavra, concebido por Altina, que nos últimos anos contemplou nomes como Jorge Luís Borges, Darcy Ribeiro e Clarice Lispector. Em meio a obras que fazem referência ao texto de Barreto, a mostra desafia os artistas a provocarem os visitantes pelas impressões causadas na leitura, sem ilustrar a superfície da trama.

Enquanto algumas das obras que compõem a mostra representam temas mais clássicos do texto, como as cores da bandeira, outras recriam Policarpo Quaresma a partir de detalhes, explica Altina. Com isso, a visita à exposição pode complementar a leitura de O Triste Fim de Policarpo Quaresma com novas perspectivas sobre as cenas criadas por Barreto. 

 

O escritor Lima Barreto – Foto: Domínio público/Wikimedia Commons

“O resgate de Policarpo Quaresma deve sua importância à enorme atualidade da luta pela valorização da cultura nacional”, afirma a artista Vicencia Gonsales, que faz parte da exposição e vê o movimento como uma “oportunidade de olhar o País e o povo brasileiro com mais amor e um patriotismo verdadeiro”. A trama de Lima Barreto acompanha, no século 19, o subsecretário do ministro da Guerra, que enfrenta a burocracia, o hospício e até o marechal Floriano Peixoto, a fim de impor a verdadeira brasilidade nos setores culturais, políticos e sociais da Nova República.

“As saúvas são uma metáfora da corrupção endêmica que devasta o País”, diz a artista Vicencia Gonsales ao fazer referência em sua obra a Macunaíma, de Mário de Andrade – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O protagonista patriota de Triste fim de Policarpo Quaresma ironiza os projetos literários que, até o século 20, tentavam definir uma única identidade brasileira. Assim, Barreto propõe um nacionalismo que parta das diferenças sociais e rupturas culturais, oposta aos escritores românticos, que descreviam o povo brasileiro pelo purismo indianista, mas também oposta aos realistas, que emulavam os cânones europeus. Hoje considerado um clássico pré-modernista, o romance foi publicado originalmente em 1911, dividido em 52 folhetins do Jornal do Commercio, do Rio de Janeiro.

Questões de gênero, raça e sociedade

A mostra foi aberta e será fechada com a performance Policarpo e a Vedete, em que a atriz e antropóloga Regina Muller insere sua persona Dorothy Bloom no universo do livro. Ex-diretora do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Regina encarna uma vedete que, a mando de Quaresma, recolhe assinaturas por uma lei que torne o tupi-guarani língua oficial do País. Meio funcionária pública, meio burlesca, a personagem andrógina evoca as questões de gênero exploradas por Barreto, mas também sintetiza a trajetória da pesquisadora, dedicada à cultura dos povos Asurini e Xavante.

Na união de opostos em que construiu sua carreira contracultural e acadêmica, Regina Muller usa o humor para conciliar “a ingenuidade e o idealismo do Policarpo com a ironia e a safadeza da vedete”, que assimilam suas semelhanças pelas personalidades transgressoras. Ao interagir com o público em busca de aderências à petição, mesclando termos indígenas à verborragia de Quaresma, a performance “tem muito de Tropicalismo, tem muito de Oswald de Andrade, tem muito de Zé Celso”.

Para compor sua obra, Lourdes Sakotani construiu uma escada com peças de MDF – Foto: Alícia Matsuda

Colaboradora de longa data do projeto, a artista Lourdes Sakotani tem familiaridade com a obra de Lima Barreto desde a época da escola e montou sua instalação com técnica mista. A obra Fim Triste, Triste Fim reúne, sobre degraus, livros encapados nas cores da bandeira, os famosos óculos ao estilo pince-nez e o tecido em risca-de-giz, marcas registradas da polidez de Quaresma. “Construí uma escada porque, toda vez que o Policarpo queria alguma coisa, ele apanhava”, relembra. “Quis representar o fato de ele tentar e sempre cair, rolando escada abaixo.”

O desfecho trágico de Quaresma também é estampado pela organizadora da mostra, Altina Felício, na obra Labirinto – Sem Saída. Com a montagem de recortes de suas obras, Altina afirma querer “causar uma provocação na pessoa que está olhando”, instigando a curiosidade dos visitantes, a fim de estimular a leitura do clássico a novos públicos.

Com Labirinto – Sem Saída, Altina Felício relembra a desorientação de Quaresma – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Em consonância com o projeto de Barreto, o artista Rafael Augustaitiz usa do espaço para conceber uma identidade nacional de contrastes disruptivos. “A verdadeira identidade brasileira surge agora com a pichação, a cultura extrema”, diz Augustaitiz, que assina, na mostra, um novo documento para o País com O Mito, sua própria pintura, “numa crítica ao sistema jurídico, político e religioso”.

 Rafael Augustaitiz leva a proposta de identidade nacional no sentido literal, expondo um RG que batiza o País – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Além destes artistas, a exposição recebe obras assinadas por Ana Maria de Niemeyer, André Reis Balsini, Angela Barbour, Beth Pacchini, Bia Black, Constança Lucas, Fernando Ekman, Hélio Schonmann, Isabel Pochini, Ivani Ranieri, Ivanir Cozeniosque, Laura Cardoso Pereira, Lilian Arbex, Lygia Eluf, Maura Takemiya, Paulo Barreto, Pedro Maluf, Renata Antunes, Ruth Kelson e Ruth Tarasantchi.

A exposição O Triste Fim de Policarpo Quaresma – Lima Barreto fica em cartaz até 11 de julho de 2024, de segunda a sexta-feira, das 10h às 18h, na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP (Rua da Biblioteca, 21, Cidade Universitária, em São Paulo). Entrada grátis. 

*Estagiária sob supervisão de Roberto C. G. Castro

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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