Fotomontagem com imagens de Freepik e Reprodução/Revista de Ideias

Revistas modernistas ganham nova versão digital, cem anos depois

Klaxon, Estética, A Revista, Terra Roxa… e Outras Terras, Verde e Revista de Antropofagia são reproduzidas em fac-símile e acompanhadas de estudos, com acesso gratuito

 27/06/2022 - Publicado há 2 anos

Texto: Claudia Costa

Arte: Rebeca Fonseca

As revistas modernistas brasileiras foram afamados produtos da Semana de Arte Moderna de 22, já tiveram publicadas várias versões digitais e passaram a ocupar lugar central na história das artes e das letras contemporâneas. Agora, cem anos depois, KlaxonEstéticaA RevistaTerra Roxa… e Outras TerrasVerde e Revista de Antropofagia são publicadas como fac-símiles em seis websites, incluindo um conjunto de estudos, documentos e análises. O projeto é resultado da parceria entre a Biblioteca Brasileira Guita e José Mindlin (BBM) da USP e o Centro de Humanidades da Universidade Nova de Lisboa, em Portugal, e será lançado nesta quarta-feira, dia 29, das 14 às 17 horas, na Sala Villa-Lobos da BBM. As revistas estão disponíveis neste link

No lançamento do projeto, nesta quarta-feira, serão realizadas duas mesas-redondas. A primeira, em que será apresentado o projeto, terá a presença dos professores Luís Crespo Andrade, da Universidade Nova de Lisboa, Tania de Lucca, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), Ana Luiza Martins, do Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico), e Antonio Dimas, do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP. A segunda mesa terá a participação dos professores Marcos Moraes, do IEB, e Elias Thomé Saliba, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, que debaterão o legado das revistas modernistas brasileiras cem anos depois.

Convite do evento - Foto: Reprodução

O lançamento das revistas digitais integra o Projeto 3×22, que vem sendo promovido desde 2017 pela BBM para comemorar o bicentenário da Independência e o centenário da Semana de Arte Moderna em 2022, com o objetivo de refletir e redimensionar a história da formação da sociedade brasileira a partir do legado deixado pelas narrativas sobre o movimento modernista e os projetos de construção da nação. O projeto, que incluiu a realização de seminários e a produção de material didático voltado ao ensino médio, tem continuidade agora com a publicação das revistas. “Mas não se trata somente da versão digital das edições das revistas, e sim de um trabalho mais amplo, com a inclusão de documentos e análises, a partir da parceria realizada com a Universidade Nova de Lisboa”, conta o professor da USP Alexandre Macchione Saes, um dos coordenadores do projeto.

Foi uma feliz coincidência, diz Saes, quando, em 2019, o professor Luís Manuel Crespo Andrade, da Universidade Nova de Lisboa, veio ao Brasil e apresentou um projeto que vinha desenvolvendo com as revistas modernistas portuguesas. “Eles já publicaram mais de uma dezena de revistas em um portal completo, que, mais do que só publicar as revistas, organiza o conhecimento sobre elas”, afirma. Esse projeto, segundo Saes, vem ao encontro dos objetivos atuais da BBM, que é o de aprofundar e disseminar cada vez mais o conteúdo. É uma espécie de curadoria, argumenta o professor, porque, além de introduções, apresenta, analisa e contextualiza o material, ou seja, traz uma informação “qualificada”, com acesso digital, amplo e gratuito. O portal brasileiro inicia com seis revistas, mas é possível que esse número também seja ampliado.

Era digital

Segundo o professor Luís Crespo Andrade, também coordenador do projeto, a parceria entre as instituições brasileira e portuguesa surgiu a partir da apresentação que fez ao comitê acadêmico da BBM sobre o portal Revistas de Ideias e Cultura, da Universidade Nova de Lisboa (ric.slhi.pt). “O projeto foi muito bem recebido e mereceu logo um acordo de princípio no sentido de se fazer um portal idêntico com as revistas modernistas brasileiras, que seria publicado no ano do centenário da Semana de Arte Moderna de São Paulo”, conta Andrade. Segundo ele, foi constituída uma equipe de pesquisadores – composta dos professores Antonio Dimas, Ana Luiza Martins, Tania Regina de Luca e Letícia Pedruzzi –, que ficaram responsáveis pelas escolhas documentais. O professor explica que a BBM facultou as imagens das revistas, e a equipe da Universidade Nova de Lisboa ficou responsável pelo trabalho de revisão e edição gráfica, além do acompanhamento dos pesquisadores.

O professor Luís Manuel Crespo Andrade - Foto: Reprodução

“Os sites são inovadores por fazerem a indexação sistemática de cada uma das peças textuais e ilustrativas publicadas em cada revista segundo critérios de biblioteconomia correntes”, afirma Andrade. A consulta poderá ser realizada através de oito índices: autor singular, autor coletivo, assunto, conceito, nome singular citado, nome coletivo citado, obra citada e nome geográfico, como enumera o professor, acrescentando ainda que o usuário poderá fazer a busca de modo simples ou avançado, por título ou de forma agregada. “Um segundo aspecto original é que os sites incluem um dossiê com documentação e literatura crítica sobre o movimento modernista e também sobre cada uma das revistas. Contêm ainda as primeiras formulações de análise qualitativa das bases de dados quantitativas”, destaca. “O mapeamento sistemático do teor de cada revista representa um poderoso instrumento hermenêutico e heurístico para os investigadores e para o público em geral”, afirma.

Andrade ainda reitera que, além de acesso a coleções de periódicos completas, por vezes inexistentes nas instituições de referência, o público tem a possibilidade de transitar diretamente da lista de artigos de um autor para a sua leitura. Ele garante que a leitura de fontes difíceis, extensas e complexas torna-se fácil através do portal, que, em suas palavras, “se tornará uma referência muito importante no espaço público culto, bem como um recurso acadêmico e docente relevante”. Além disso, como lembra o professor, a edição gráfica, “ao contrário do ambiente de arquivo, é semelhante ao da graça das revistas”.

Revista Klaxon - Foto: Reprodução/Revista de Ideias

As revistas modernistas

A emblemática Klaxon (1922-1923) é a primeira revista modernista do Brasil e foi lançada em São Paulo no mesmo ano em que se realiza a Semana de Arte Moderna. É a mais renovadora e criativa, não só pela sua diagramação, mas também pelas modernas ilustrações de Brecheret e Di Cavalcanti. Do comitê de redação, participaram ativamente Menotti del Picchia e Guilherme de Almeida. No conteúdo, estão artigos e poemas de autores franceses, italianos e espanhóis, todos em suas línguas originais, além de poemas de Manuel Bandeira e Serge Milliet (que assinava assim na época) compostos em francês. Irreverente e sarcástica, Klaxon apresenta um perfil de típica agressividade vanguardista, como já demonstra sua apresentação: “A lucta começou de verdade em principios de 1921 pelas columnas do Jornal do Commercio e do Correio Paulistano. Primeiro resultado: Semana de Arte Moderna – especie de Conselho Internacional de Versalhes. Como este, a Semana teve sua razão de ser. Como elle: nem desastre, nem triumpho. Como elle: deu fructos verdes. Houve erros proclamados em voz alta. Pregaram-se ideias inadmissiveis. É preciso reflectir. É preciso esclarecer. É preciso construir. D’ahi Klaxon. E Klaxon não se queixará jamais de ser incomprehendido pelo Brasil. O Brasil é que deverá se esforçar para comprehender Klaxon”.

Revista Estética - Foto: Reprodução/Revista de Ideias

Estética, dirigida por Sérgio Buarque de Holanda e Prudente de Moraes, neto (que incluía a especificação em seu nome para distinguir-se do primo homônimo), era uma revista trimestral do Rio de Janeiro, e teve apenas três números, o primeiro publicado em setembro de 1924. Tinha como preocupação elaborar uma revista consistente e menos polemista que sua antecessora, a Klaxon, e era voltada à construção de uma nova fase do Modernismo, a brasilidade. Sobre o nome da revista, diz a professora Tania Regina de Luca no website: “a correspondência entre o futuro historiador Sérgio Buarque e o escritor Mário de Andrade revela que os idealizadores inspiraram-se na inglesa The Criterion (Londres, 1922-1939), fundada pelo escritor e crítico T. S. Eliot, mas ainda não haviam encontrado uma denominação que lhes agradasse. (…) De acordo com Prudente, em texto que acompanha a primeira edição fac-símile da revista, ao saber que os rapazes estavam a busca de uma denominação e que ainda não tinham redigido o programa, o escritor Graça Aranha sugeriu Estética e ofereceu-se para redigir a abertura”.

A Revista - Foto: Reprodução/Revista das Ideias

“Somos pela renovação intellectual do Brasil, renovação que se tornou um imperativo categorico. Pugnamos pelo saneamento da tradição, que não póde continuar a ser o tumulo de nossas idéas, mas antes a fonte generosa de que ellas dimanem. Somos, finalmente, um órgão político”, diz o editorial intitulado Para os Scepticos do primeiro número de A Revista, publicada em julho de 1925, em Belo Horizonte. Idealizada por poetas e artistas de diferentes Estados brasileiros, foi a terceira revista modernista do Brasil e a primeira de Minas Gerais. Teve só três edições, e misturava o velho com o novo, incluindo poesia, anúncios e notícias, trazendo “bem misturados o modernismo bonito de vocês com o passadismo dos outros”, como aconselhou Mário de Andrade a Carlos Drummond de Andrade, que dirigiu a revista ao lado de Francisco Martins de Almeida. Entre seus colaboradores estavam Manuel Bandeira, Ronald de Carvalho, João Alphonsus, Abgar Renault, Pedro Nava e o próprio Mário de Andrade.

Capa de Terra Roxa… e Outras Terras - Foto: Reprodução/Revista das ideias

Terra Roxa… e Outras Terras, um jornal literário modernista de São Paulo, de periodicidade quinzenal mas irregular, teve apenas sete números, o primeiro publicado em janeiro de 1926, encerrando-se em setembro daquele mesmo ano. Dirigido por Antônio Carlos Couto de Barros e Antônio de Alcântara Machado, teve como colaboradores Oswald de Andrade, Manuel Bandeira, Luís da Câmara Cascudo, Blaise Cendrars, Prudente de Moraes Neto e Sérgio Buarque de Holanda. Trazia um “cardápio” variado como consta em sua apresentação: “Ao ente hipotético e incerto, para quem compomos esse quinzenário, como numa bandeja caipira, o repasto variado e suculento, que convem a um apetite virgem: crónica literária, crónica artística, crónica filosófica, crônica musical e teatral, ensaios de crítica, ensaios de história, creações de poetas, novelas, romances, todos os gêneros, menos, esperemos em Deus, êsse gênero páu (ennuyeux em francês), de que fugiremos como da peste”.

Verde - Foto: Reprodução/Revista de Ideias

A também mineira Verde circulou de setembro de 1927 a janeiro de 1928 e em maio de 1929. Revista mensal de arte e cultura, era presidida por Henrique Resende e idealizada por outros nomes, como Rosário Fusco, Guilhermino César, Martins Mendes, Ascânio Lopes, Francisco Inácio Peixoto, aconselhados por Mário de Andrade e Antônio de Alcântara Machado. Na edição inaugural, o Manifesto do Grupo Verde de Cataguases apresenta sua proposta: “O nosso movimento Verde nasceu de um simples jornaleco da terra – Jazz Band. Um pequeno jornalzinho com tendências modernistas que logo escandalizaram os pacatissimos habitantes desta Meia-Pataca. Chegou-se mesmo a falar em bengaladas… E dahi nasceu nossa vontade firme de mostrar a esta gente toda que, embora morando em uma cidadezinha do interior, temos coragem de competir com o pessoal lá de cima”. E conseguiram, a revista obteve reconhecimento nacional. Ao longo de suas seis edições, trazia textos críticos e literários, pequenos ensaios, resenhas e xilogravuras, e muita poesia. Entre seus colaboradores estavam Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Aníbal Machado, Antônio de Alcântara Machado, Sérgio Milliet, Ribeiro Couto, entre outros. Além disso, o grupo mantinha ligações com o cineasta Humberto Mauro.

Revista de Antropofagia - Foto: Reprodução/Revista de Ideias

Os internautas ainda têm acesso à Revista de Antropofagia, idealizada por Oswald de Andrade e Raul Bopp. A revista teve curta duração: maio de 1928 a agosto de 1929, e era caracterizada pelo espírito irreverente, pelas ideias combativas e pela tomada de posições radicais, envolvendo principalmente experiências estéticas e culturais. Em alusão ao tema da antropofagia, teve duas fases, intituladas de “dentição”. A Revista de Antropofagia foi o terceiro periódico lançado em São Paulo pelo grupo responsável pela Semana de Arte Moderna, que já respondera por Klaxon Terra Roxa… e Outras Terras. Como relata a pesquisadora Letícia Pedruzzi Fonseca no website, “a análise do índice da Revista de Antropofagia em sua primeira fase, que estendeu-se até fevereiro de 1929 e somou dez exemplares, surpreende pela enorme variedade de colaboradores, pertencentes a diferentes gerações e que assumiam posturas diversas em face dos sentidos do moderno”.

O lançamento do projeto Revistas Modernistas Brasileiras na Era Digital ocorre nesta quarta-feira, dia 29, das 14 às 17 horas, na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM) da USP (Rua da Biblioteca, s/nº, Cidade Universitária, em São Paulo). Grátis. Mais informações estão disponíveis no site do projeto

Cartaz do evento - Foto: Reprodução


Política de uso 
A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação do Jornal da USP e do autor. No caso dos arquivos de áudio, deverão constar dos créditos a Rádio USP e, em sendo explicitados, os autores. Para uso de arquivos de vídeo, esses créditos deverão mencionar a TV USP e, caso estejam explicitados, os autores. Fotos devem ser creditadas como USP Imagens e o nome do fotógrafo.