Mesmo não sendo conhecido do grande público, Esmeraldino foi homenageado e celebrado por meio dos álbuns Ao nosso amigo Esmê (1980), Tributo a Esmeraldino Salles (2002) e Esmê (2017), e também por diversas composições de músicos relevantes como Izaías Bueno de Almeida, Maurício Carrilho e André Mehmari.
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Livro resgata a obra do músico negro de choro Esmeraldino Salles e o retira da invisibilidade
Songbook que acaba de ser lançado traz a público a riqueza criativa do músico de choro que dialogava com o jazz
Esmeraldino Salles - Foto: Acervo pessoal de Paulo Sérgio Salles via Wikimedia Commons/CC BY 4.0
Foi a partir de um “desafio” lançado em sua defesa de mestrado na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP que o músico e pesquisador Felipe Siles de Castro partiu para o projeto que tem, entre outros objetivos, tirar de uma vez por todas da invisibilidade o músico de choro Esmeraldino Salles e sua obra, boa parte dela ainda inédita para muitos. “O desafio foi feito pelo professor Pedro Aragão, que participou de minha banca, em 2021. Aceitei a empreitada e, de lá para cá, foram exatos dois anos de trabalho para a produção deste songbook”, conta o músico em entrevista ao Jornal da USP.
O projeto é fruto da parceria entre Felipe Siles e a produtora Illumina Imagens e Memória Produção Cultural, e foi viabilizado por meio de um edital do Programa de Ação Cultural (ProAC) da Secretaria de Cultura do Governo do Estado de São Paulo. Felipe Siles é o coordenador-geral do livro, que tem prefácio de seu “desafiante”, o professor Pedro Aragão. “Se o trabalho acadêmico já tinha um caráter de extraordinária riqueza, faltava agora disponibilizar para o grande público o legado musical deste genial nome do choro injustamente esquecido”, descreve Aragão no prefácio da obra.
Como descreve Felipe Siles, o trabalho é uma adaptação de seu estudo de mestrado realizado na ECA. A dissertação, intitulada Uma noite no Sumaré: o choro negro e paulistano de Esmeraldino Salles, teve a orientação do professor Marcos Câmara de Castro. O título da dissertação, como descreve o músico popular formado pela Universidade de Campinas (Unicamp), traz o nome da música que é, provavelmente, a mais conhecida da obra de Esmeraldino: Uma noite no Sumaré, de 1958.
Felipe Siles - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens
Choro negro… choro paulistano
Intitulado Esmeraldino Salles – O choro negro e paulistano, o livro traz em suas 84 páginas boa parte da história de vida deste multi-instrumentista das cordas, negro, paulistano e autodidata que, segundo o músico e pesquisador, “tem grande importância na música popular brasileira, principalmente no choro”.
Nesta primeira edição foram confeccionados mil exemplares que estão sendo distribuídos gratuitamente, em parceria com a editora Illumina. “O objetivo é que a obra esteja acessível em universidades e clubes de choro, por exemplo. É a contrapartida social do projeto”, diz o músico, acrescentando que o grande objetivo é a difusão da obra e da trajetória de Esmeraldino, pois fica clara a questão do apagamento histórico pelo qual passou o músico. A publicação do songbook ocorreu em agosto último e todo o conteúdo também pode ser baixado pela internet, por meio deste link.
Conjunto de Siles - Foto: Acervo pessoal de Paulo Sérgio Salles via Tese de Felipe Siles
Mas além da história de vida e a trajetória de Esmeraldino, o livro traz 28 partituras de músicas da autoria do músico de choro. ”Algumas delas foram transcritas de memória por Izaías Bueno, músico conhecido aqui de São Paulo, que colaborou com o nosso projeto. Músicas de Esmeraldino chegaram a ser gravadas por nomes como Canhoto, Dominguinhos e Yamandú Costa. “Mas, por uma série de motivos, Esmeraldino ainda é um nome quase que totalmente desconhecido”, lamenta Felipe Siles. Dentre as obras descritas no songbook, quatro delas são inéditas do grande público: Brisa, Valsa breve, Quando a saudade chega e Choro pobre.
"Causos" de Esmeraldino
Esmeraldino nasceu em 1916, na cidade de São Paulo, e passou toda a sua infância na zona leste da capital paulista. “Ele fez boa parte de sua carreira no rádio, em São Paulo, onde acompanhava cantores”, conta. “E, em 1942, ele foi convidado a tocar num conjunto regional da Rádio Tupi. Ele tocava cavaquinho no grupo regional de Antonio Rago”, conta o músico, lembrando que a música Uma noite no Sumaré foi composta em homenagem à Rádio Tupi.
E, entre partituras e informações da obra de Esmeraldino, Felipe narra também no livro alguns “causos” que marcaram a carreira do músico. O pesquisador conta que Esmeraldino tinha o chamado “ouvido absoluto”, de acordo com as pessoas que com ele conviviam. “Ele tocava na Rádio Tupi acompanhando os calouros e, quando um destes chegava à sua sala, Esmeraldino o atendia sozinho e pedia para ele cantar a música”, descreve Felipe Siles. “Bastava isso para que ele pegasse a tonalidade do calouro”, conta o pesquisador. “E foi numa dessas audiências de Esmeraldino que um músico do regional, chamado Domingos, escondeu-se atrás de uma porta com um violão, conferindo se Esmeraldino de fato identificava o tom do calouro, o que foi devidamente comprovado”, diz Felipe Siles.
O jazz e o contexto racial
Felipe Siles lembra que uma das principais características da obra de Esmeraldino é o diálogo que sua música mantinha com o jazz. “Podemos dizer que alguns músicos americanos foram referência para Esmeraldino. Afinal, o choro e o jazz são de matrizes africanas”, analisa Felipe Siles.
Ele questiona: “Esmeraldino não teve um disco com toda a sua obra ou parte dela. Seria talvez por ser um músico negro e paulistano?”. Felipe Siles lembra que Pixinguinha, também negro e bastante conhecido à época, havia conseguido quebrar preconceitos. “O choro era muito mais popular na cidade do Rio de Janeiro”, destaca. “E, além disso, Esmeraldino sempre foi reconhecido como um músico de rádio”, enfatiza.
*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado
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