Livro resgata a obra do músico negro de choro Esmeraldino Salles e o retira da invisibilidade

Songbook que acaba de ser lançado traz a público a riqueza criativa do músico de choro que dialogava com o jazz

 21/11/2023 - Publicado há 8 meses     Atualizado: 30/11/2023 as 13:35

Texto: Antonio Carlos Quinto
Arte: Carolina Borin*

Esmeraldino Salles - Foto: Acervo pessoal de Paulo Sérgio Salles via Wikimedia Commons/CC BY 4.0

Foi a partir de um “desafio” lançado em sua defesa de mestrado na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP que o músico e pesquisador Felipe Siles de Castro partiu para o projeto que tem, entre outros objetivos, tirar de uma vez por todas da invisibilidade o músico de choro Esmeraldino Salles e sua obra, boa parte dela ainda inédita para muitos. “O desafio foi feito pelo professor Pedro Aragão, que participou de minha banca, em 2021. Aceitei a empreitada e, de lá para cá, foram exatos dois anos de trabalho para a produção deste songbook”, conta o músico em entrevista ao Jornal da USP.

O projeto é fruto da parceria entre Felipe Siles e a produtora Illumina Imagens e Memória Produção Cultural, e foi viabilizado por meio de um edital do Programa de Ação Cultural (ProAC) da Secretaria de Cultura do Governo do Estado de São Paulo. Felipe Siles é o coordenador-geral do livro, que tem prefácio de seu “desafiante”, o professor Pedro Aragão. “Se o trabalho acadêmico já tinha um caráter de extraordinária riqueza, faltava agora disponibilizar para o grande público o legado musical deste genial nome do choro injustamente esquecido”, descreve Aragão no prefácio da obra.

Como descreve Felipe Siles, o trabalho é uma adaptação de seu estudo de mestrado realizado na ECA. A dissertação, intitulada Uma noite no Sumaré: o choro negro e paulistano de Esmeraldino Salles, teve a orientação do professor Marcos Câmara de Castro. O título da dissertação, como descreve o músico popular formado pela Universidade de Campinas (Unicamp), traz o nome da música que é, provavelmente, a mais conhecida da obra de Esmeraldino: Uma noite no Sumaré, de 1958.

Felipe Siles - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Choro negro… choro paulistano

Intitulado Esmeraldino Salles – O choro negro e paulistano, o livro traz em suas 84 páginas boa parte da história de vida deste multi-instrumentista das cordas, negro, paulistano e autodidata que, segundo o músico e pesquisador, “tem grande importância na música popular brasileira, principalmente no choro”.

Nesta primeira edição foram confeccionados mil exemplares que estão sendo distribuídos gratuitamente, em parceria com a editora Illumina. “O objetivo é que a obra esteja acessível em universidades e clubes de choro, por exemplo. É a contrapartida social do projeto”, diz o músico, acrescentando que o grande objetivo é a difusão da obra e da trajetória de Esmeraldino, pois fica clara a questão do apagamento histórico pelo qual passou o músico. A publicação do songbook ocorreu em agosto último e todo o conteúdo também pode ser baixado pela internet, por meio deste link.

Conjunto de Siles - Foto: Acervo pessoal de Paulo Sérgio Salles via Tese de Felipe Siles

Mas além da história de vida e a trajetória de Esmeraldino, o livro traz 28 partituras de músicas da autoria do músico de choro. ”Algumas delas foram transcritas de memória por Izaías Bueno, músico conhecido aqui de São Paulo, que colaborou com o nosso projeto. Músicas de Esmeraldino chegaram a ser gravadas por nomes como Canhoto, Dominguinhos e Yamandú Costa. “Mas, por uma série de motivos, Esmeraldino ainda é um nome quase que totalmente desconhecido”, lamenta Felipe Siles. Dentre as obras descritas no songbook, quatro delas são inéditas do grande público: BrisaValsa breveQuando a saudade chega e Choro pobre.

"Causos" de Esmeraldino

Esmeraldino nasceu em 1916, na cidade de São Paulo, e passou toda a sua infância na zona leste da capital paulista. “Ele fez boa parte de sua carreira no rádio, em São Paulo, onde acompanhava cantores”, conta. “E, em 1942, ele foi convidado a tocar num conjunto regional da Rádio Tupi. Ele tocava cavaquinho no grupo regional de Antonio Rago”, conta o músico, lembrando que a música Uma noite no Sumaré foi composta em homenagem à Rádio Tupi.

E, entre partituras e informações da obra de Esmeraldino, Felipe narra também no livro alguns “causos” que marcaram a carreira do músico. O pesquisador conta que Esmeraldino tinha o chamado “ouvido absoluto”, de acordo com as pessoas que com ele conviviam. “Ele tocava na Rádio Tupi acompanhando os calouros e, quando um destes chegava à sua sala, Esmeraldino o atendia sozinho e pedia para ele cantar a música”, descreve Felipe Siles. “Bastava isso para que ele pegasse a tonalidade do calouro”, conta o pesquisador. “E foi numa dessas audiências de Esmeraldino que um músico do regional, chamado Domingos, escondeu-se atrás de uma porta com um violão, conferindo se Esmeraldino de fato identificava o tom do calouro, o que foi devidamente comprovado”, diz Felipe Siles.

Partitura da música "Arabiando", de Esmeraldino Salles - Imagem: Reprodução/"Esmeraldino Salles: O choro negro e paulistano"/Felipe Siles

O jazz e o contexto racial

Felipe Siles lembra que uma das principais características da obra de Esmeraldino é o diálogo que sua música mantinha com o jazz. “Podemos dizer que alguns músicos americanos foram referência para Esmeraldino. Afinal, o choro e o jazz são de matrizes africanas”, analisa Felipe Siles.

Ele questiona: “Esmeraldino não teve um disco com toda a sua obra ou parte dela. Seria talvez por ser um músico negro e paulistano?”. Felipe Siles lembra que Pixinguinha, também negro e bastante conhecido à época, havia conseguido quebrar preconceitos. “O choro era muito mais popular na cidade do Rio de Janeiro”, destaca. “E, além disso, Esmeraldino sempre foi reconhecido como um músico de rádio”, enfatiza.

Mesmo não sendo conhecido do grande público, Esmeraldino foi homenageado e celebrado por meio dos álbuns Ao nosso amigo Esmê (1980), Tributo a Esmeraldino Salles (2002) e Esmê (2017), e também por diversas composições de músicos relevantes como Izaías Bueno de Almeida, Maurício Carrilho e André Mehmari.

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

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