Aos 5 anos de idade, o paulista de Mogi das Cruzes Luiz Guilherme de Godoy se encantou pela música. “Comecei a cantar em coros. É comum no Brasil que o primeiro contato com a música venha através da voz, tradição que deve ser mantida e expandida”, afirma. Aos 12 anos, ele ingressou na Escola Municipal de Música, vinculada ao Theatro Municipal de São Paulo, onde conheceu um de seus maiores incentivadores, o professor Renato Figueiredo. Foi lá que teve uma formação musical de excelência e que, segundo ele, o levou à USP, “também de excelência”, como ressalta. “Passei na Unesp (Universidade Estadual Paulista) e na USP, mas optei pelo Bacharelado em Piano na USP, e fiz, como uma das matérias optativas, as aulas de Regência do professor e maestro Ayrton Escobar.”
Desde sempre, o que Luiz de Godoy queria era se tornar regente. “Para ingressar na Escola Municipal de Música, fiz um teste em que me perguntaram por que eu queria fazer piano, e eu respondi: ‘Porque quero ser regente’”, lembra. Atualmente, ele rege três instituições na Áustria, e vai receber o Diplom da Academia de Viena. Ele se forma em julho deste ano, com um concerto em uma das maiores salas de música de Viena, a Musikverein, regendo a Orquestra da Rádio Estatal Austríaca. E, em agosto, segue para a Alemanha, onde será um dos maestros da Ópera Estatal de Hamburgo.
Em pouco tempo, Godoy construiu uma sólida carreira internacional. Com apenas 31 anos, já trabalhou com as principais orquestras do mundo e regeu em mais de 20 países, incluindo Japão, China e Chile, o único da América do Sul.
Essa trajetória começou na USP, quando ainda era estudante do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes (ECA). No terceiro ano do curso, em 2008, um regente indiano do Coro da Universidade de Viena veio ao Brasil e ministrou um workshop de regência para a sua turma. “Eles precisavam de um pianista que conhecesse a música brasileira para acompanhá-los na apresentação que aconteceria naquela noite no Masp (Museu de Arte de São Paulo), e uma amiga sugeriu meu nome”, relata. Depois da apresentação, foi convidado a seguir com o grupo para uma turnê brasileira, com duração de duas semanas, apresentando-se em São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba.
Em 2009, Godoy foi contemplado num projeto da Unesco para um intercâmbio cultural em Boston, nos Estados Unidos, e em 2010 foi à Áustria, a convite do Coro da Universidade de Viena, para ministrar um workshop sobre música coral brasileira. Sempre incentivado por seu antigo professor na Escola Municipal de Música, Renato Figueiredo, fez mestrado de piano em Portugal, concluindo sua dissertação na Universidade de Colônia, na Alemanha, com uma bolsa da União Europeia, através do projeto Erasmos. Como ele diz, sempre cursando matérias de regência.
A vida em Viena
Em 2013, Godoy se mudou para Viena, ingressando, na primeira tentativa, nos cursos de Regência Coral e Regência Orquestral da hoje chamada Universidade de Música e Artes Performáticas de Viena. “Assim como na USP, é muito difícil passar nos cursos da Academia de Viena. São três fases específicas de música, em alemão, para conseguir entrar nesse curso, que tem duração de cinco anos, como o de uma graduação”, informa. Além disso, segundo ele, como é uma instituição muito tradicional – que já teve como professores os compositores Gustav Mahler (1860-1911) e Arnold Schöenberg (1874-1951) -, em alguns cursos não existe uma divisão entre bacharelado e mestrado – caso do curso de Regência, visto pela Academia como uma formação universalista e ministrado nos moldes da tradição vienense.
Enquanto estudava, começou a trabalhar para se manter. Sua primeira atuação mais importante na Áustria foi como regente assistente do coro Wiener Singakademie, ligado à Konzerthaus, a famosa sala de concertos de Viena, inaugurada em 1913. Em 2015, prestou concurso público, com várias fases eliminatórias, que começaram em novembro daquele ano e seguiram até fevereiro do ano seguinte. Aprovado, tornou-se mestre de capela dos Meninos Cantores de Viena, um dos corais infantis mais famosos do mundo. Godoy rege um dos quatro coros que formam o grupo, o coro Mozart – todos receberam nomes de compositores austríacos (os outros três são Haydn, Schubert e Brookner). Fundado em 1498, esse grupo de meninos tinha como missão realizar concertos na capela do Palácio Imperial, e ainda hoje isso acontece, acompanhado pelo coro masculino da Ópera e pela Filarmônica de Viena, e sob a regência de Godoy. Em 2016, o ex-aluno da ECA foi convidado para ser um dos regentes ensaiadores da Academia Coral da Ópera Estatal de Viena, acumulando as três funções.
Godoy conta que desde a adolescência trabalha com música, fazendo concertos e tocando com orquestras – fazendo “cachê”, como define. “Foi essa experiência que me permitiu chegar a Viena e ter conhecimento de repertório, porque já tinha adquirido na vida prática”, diz. E relata um pouco de sua rotina: “Meu dia pode começar com uma aula no curso, depois vou ao Palácio Augarten ensaiar os Meninos Cantores (50 de um total de 100), passo na Ópera para trabalhar com 40 cantores profissionais, depois fazer um ensaio na Konzerthaus com os 120 cantores amadores da Singakademie, e ainda posso voltar para uma apresentação, à noite, do coro dos Meninos Cantores e orquestra”. A energia para tudo isso, diz, vem da música.
Mas essa rotina vai mudar. No próximo mês de agosto, Godoy vai entregar os cargos em Viena e se mudar para a Alemanha. Também resultado de um concurso, ele assume a direção do coro infantil da Ópera Estatal de Hamburgo, mas com a condição de assumir também as récitas. Serão 16 récitas por temporada, regendo a Filarmônica de Hamburgo. “Quero expandir e diversificar minha atividade profissional”, informa, esperando poder dar aulas na universidade daquele país. Como adianta, sua primeira récita de ópera já tem data marcada para fevereiro de 2020.
Na semana passada, quando falou ao Jornal da USP, Luiz de Godoy estava no Brasil, fazendo pesquisas na Biblioteca da ECA, onde tudo começou. Ele nunca deixou de incluir música brasileira em seus concertos e turnês, mas encontra dificuldades para isso. “Existem iniciativas em editar e divulgar material de música brasileira, sobretudo sinfônica, mas o material é escasso e a presença dele na Europa é quase nula”, comenta. O objetivo da sua pesquisa é aproximar o público europeu do repertório sinfônico brasileiro. E como a música brasileira é recebida lá fora? “Eles amam a música brasileira.”