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O Auditório Professor István Jancsó da Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin da USP foi palco da cerimônia de troca de comando da Cátedra José Bonifácio, na manhã de quinta-feira, dia 16 de março. No evento, Beatriz Paredes Rangel, embaixadora do México no Brasil, substituiu o ex-primeiro-ministro da Espanha Felipe González Márquez como titular da cátedra. Estiveram presentes também o catedrático de 2014, Enrique Iglesias, ex-presidente do Banco Interamericano, e a de 2015, Nélida Piñon, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL).
A Cátedra José Bonifácio é uma iniciativa do Centro Ibero-Americano (Ciba), ligado ao Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP, que desde 2013 traz à Universidade uma personalidade relevante, local e internacionalmente, de algum país da América Latina ou da Península Ibérica, para conduzir pesquisas acadêmicas e conferências.
Em seu discurso final como titular da cátedra, Felipe González fez um apanhado dos eventos marcantes na geopolítica ocorridos em 2016 e que foram estudados sob sua coordenação, entre eles o Brexit, o referendo de paz na Colômbia e a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. Os trabalhos de González, uma das mais importantes figuras do retorno da democracia na Espanha após décadas sob a ditadura do general Francisco Franco, resultaram no livro Governança e democracia representativa, lançado pela Editora da USP (Edusp) após a cerimônia, que reúne uma série de artigos em português e espanhol sobre o tema.
“A crise de governança se provou todos os dias em 2016, que teve seu arremate com a eleição de Donald Trump”, afirmou o espanhol. González reiterou a importância da reestruturação dos governos democráticos em crise frente a esses eventos. “Essa figura que hoje governa os Estados Unidos não respeitará ninguém que não se faça ser respeitado e, para isso, é necessário ter a casa em ordem.”
Segundo o professor Pedro de Abreu Dallari, diretor do IRI, também presente na cerimônia, uma das maiores vantagens de ter tido o ex-primeiro ministro espanhol à frente da Cátedra José Bonifácio em 2016 foi justamente poder estudar os acontecimentos mundiais à medida que eles ocorriam com a autoridade de uma figura importante da política mundial. Como prova disso, González comentou mais um evento recente, a eleição geral da Holanda realizada no dia 15 de março, na qual o candidato de extrema-direita Geert Wilders foi derrotado pelo atual primeiro-ministro conservador Mark Rutte, apesar de ter perdido apoio para o adversário no parlamento.
Embora os líderes europeus tenham celebrado a derrota do populista na Holanda, González ironizou, dando a entender que, diante da crise que o mundo atravessa, comemoram-se migalhas. “O que ganhou (Rutte) ficou com 33 deputados de 150 (no total do parlamento) e nos sentimos aliviados.”
A embaixadora mexicana Beatriz Paredes abriu seu discurso de posse com bom humor, expressando sua satisfação por ter sido convidada para assumir a cátedra. “Os brasileiros e os mexicanos se conhecem pouco, e a cátedra servirá para multiplicar os vínculos entre nossas universidades e nossos povos”, afirmou.
Apresentada como uma importante representante da luta pelos direitos das mulheres e dos indígenas em seu país natal, Beatriz disse ter ficado agradavelmente surpresa ao ver que uma cidade cosmopolita como São Paulo fez de localidades importantes na capital homenagens à cultura indígena do País, como a Avenida Pacaembu, o Parque Ibirapuera e o estádio de Itaquera. O tema escolhido pela embaixadora para seus trabalhos na Cátedra José Bonifácio é Os povos originários da América Latina: História e atualidade.
Beatriz traçou um panorama da história do México para demonstrar como o país sempre esteve em meio a disputas no “jogo das grandes potências”, citando episódios como a perda de metade do seu território para os Estados Unidos, conquista estratégica para resistir às investidas da França na América do Norte. “Nosso papel na história determina nossas condicionantes e nossas perspectivas.”
Ao chegar aos dias atuais, a embaixadora também não poupou críticas a Donald Trump. “Ele é o presidente do país mais poderoso do mundo e emite declarações sérias através do Twitter. É uma clara postura de intimidação, uma estratégia calculada. Trump não é tonto nem demente, mas é irresponsável.” Beatriz afirmou ainda que a democracia dos Estados Unidos está em profunda crise e chegou a um ponto sem retorno. “Que possamos aproveitar o momento pelo qual estamos passando para redefinir nossa história”, desejou, encerrando o discurso.
Para fechar a cerimônia, o reitor da USP Marco Antonio Zago afirmou que a Cátedra José Bonifácio, que “contribuiu imensamente para a Universidade”, é uma das melhores lembranças que levará de seu período no cargo. “A Ibero-América é a união pela cultura, e a cátedra trabalha sobre o que nos une e o que nos separa.” Em reverência à atual titular da cátedra, o reitor disse que “a indicação de uma de suas mais expressivas figuras políticas e intelectuais para embaixadora no Brasil mostra a importância que o México dá às suas relações conosco”.
Após a cerimônia, o ex-primeiro-ministro González participou de uma sessão de autógrafos no lançamento do livro produzido a partir de seu trabalho na cátedra, que se seguiu de um concerto da Orquestra Sinfônica da USP (Osusp), com o maestro espanhol Alexis Soriano, em homenagem aos 150 anos da morte do compositor espanhol Enrique Granados.