Edgard Carone nasceu em 14 de setembro de 1923 na cidade de São Paulo, filho dos imigrantes libaneses Sharkir Jorge Carone e Sarah Hachen e irmão de Jorge, Mário, Raul e Maxim Tolstói. Sharkir Carone começou a vida no Brasil como mascate, tornando-se depois comerciante de sapatos e camas e posteriormente proprietário de uma casa bancária, garantindo uma vida financeira confortável para a família.
Carone passou os primeiros anos de vida na Rua Florêncio de Abreu, reduto comercial situado no centro da cidade, e depois mudou-se com a família para o bairro do Paraíso. Dentro de casa, teve os estímulos necessários para uma boa formação: além da condição econômica favorável, seu pai lia muito, falava inglês e chegou a escrever dois livros, enquanto sua mãe havia estudado em uma universidade francesa e lia em inglês e francês.
Parte dos estudos de Carone foi realizada no tradicional Colégio Rio Branco, mas seu verdadeiro aprendizado se deu em outros espaços. O interesse pelos livros levaria Carone desde cedo aos sebos de São Paulo, locais que seriam fundamentais para sua formação e a organização de sua biblioteca e o acompanhariam em suas pesquisas durante toda a vida.
Outro pilar da formação de Carone foi seu irmão, Maxim Tolstói, batizado em homenagem aos dois autores russos Maxim Gorki e Liev Tolstói. Formado na primeira turma de História e Geografia da então chamada Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da USP, Maxim foi filiado ao Partido Comunista do Brasil (que depois mudaria de nome para Partido Comunista Brasileiro). Atuou como líder da juventude do partido e chegou a ser preso durante o Estado Novo de Getúlio Vargas.
Por ocasião dessa prisão, na década de 1940, Carone se juntaria à cunhada em uma peregrinação em busca de apoio ao irmão, o que o colocaria em contato com nomes ligados à intelectualidade de esquerda paulista, como Azis Simão, Antonio Candido e Paulo Emilio Sales Gomes. Seria por influência desses amigos que Carone se filiaria à União Democrática Socialista, sua única experiência de filiação partidária. Ele também se tornaria assistente de Simão que, quase cego, precisava de alguém para ajudá-lo em suas leituras.
O ingresso no curso de História e Geografia da FFCL da USP, então uma única graduação, se deu em 1944. Carone, entretanto, levaria mais de duas décadas para completar a formação. Uma reprovação na disciplina de Tupi e o desinteresse por certas leituras do curso o fariam abandonar a Universidade em 1946. Ele só receberia seu diploma mais de 20 anos depois, em 1969.
O abandono temporário da academia foi acompanhado de uma mudança na vida de Carone. Ele deixa a cidade de São Paulo para se estabelecer na Fazenda Bela Aliança, propriedade da família situada em Bofete, então distrito de Botucatu. Lá ele permaneceria por 12 anos, dividindo seu tempo entre as atividades rurais e o seu contínuo autodidatismo via leitura contínua de livros. Nesse tempo longe da capital ele também contribuiria com textos para o prestigiado Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo.
Sem uma grande produção, a Fazenda Bela Aliança era ocupada na época por colonos que viviam e trabalhavam no sistema de parceria. Acabaria sendo um espaço de formação empírica para Carone sobre a realidade rural brasileira. Mas não só. A fazenda também teria papel importante na vida de outro intelectual, Antonio Candido. O amigo passaria algumas temporadas na propriedade de Carone e lá faria as observações da vida dos trabalhadores rurais que serviriam de base para sua tese de doutorado, publicada em 1964 como Os Parceiros do Rio Bonito.
Depois da experiência na fazenda, Carone passaria ainda uma temporada na cidade de Botucatu, durante os anos 1960. Foi nesse período que o amigo Antonio Candido, mais uma vez, teve ação decisiva na vida do historiador. Em 1963, Candido decide passar uns dias na casa do amigo e o instiga a colocar suas pesquisas, leituras e reflexões no papel. Aceitando o convite, Carone escreve seu primeiro livro, Revoluções do Brasil Contemporâneo (1922-1938). Publicado em 1965, seria o início de uma produção sobre o período republicano que contaria com mais de dez livros, responsáveis por abarcar um arco que vai de 1889 até 1964. Um trabalho escrito ao longo de três décadas.
Esse primeiro livro, que aborda do tenentismo até o levante integralista já no Estado Novo, representou um ponto de virada na trajetória de Carone. Com ele, começa o desenvolvimento de um projeto político-intelectual comprometido em compreender o então recém-aplicado golpe militar de 1964. Esse fôlego levaria à retomada da vida universitária, que acontece no final dos anos 1960. Em 1969, Carone finalmente conclui sua graduação, ao mesmo tempo em que publica seu segundo livro, A República Velha – Texto e Contexto. Em 1971, defende sua tese de doutorado, intitulada União e Estado na Vida Política da Primeira República, que seria publicada sob o título República Velha II – Evolução Política.
A atividade docente de Carone começa na Fundação Getúlio Vargas (FGV), passa pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Marília e chega finalmente à USP, onde se torna professor titular de História do Brasil em 1976. A livre-docência veio um pouco antes, em 1974, com o título de Oligarquias e Classes Sociais na Segunda República (1930-1937).
De acordo com o professor Lincoln Secco, esse intervalo entre o início dos estudos acadêmicos e o retorno à Universidade fez de Carone um intelectual deslocado. Na década de 1940, quando começou sua trajetória, os estudos históricos ainda não estavam profissionalizados e a carreira ainda se definia. No final dos anos 1960, a realidade já era outra, com uma nova configuração institucional de Universidade, um processo de especialização acadêmica instaurado e novos debates políticos e intelectuais.
“Carone ficou entre esse momento de formação da USP e o período em que ela transita, já na ditadura militar, para uma estrutura departamental e de financiamento de pesquisas”, diz Secco. O professor teria encontrado dificuldades de adaptação, não se tornando um líder de pesquisas nem reunindo um grupo em torno de si. “Ele não tinha uma perspectiva profissionalizante da carreira de historiador e continuou sendo um pesquisador artesanal, que contava com sua própria biblioteca e usava recursos próprios para viagens e pesquisas.”
Um dado relevante da trajetória de Carone é que, apesar da simpatia nutrida por quase toda a vida, o professor nunca foi filiado ao Partido Comunista. “Carone foi aquilo que no movimento comunista internacional do passado era chamado de ‘companheiro de viagem’”, destaca Secco. “Ele dizia que sempre quis manter a independência intelectual e que não servia para ser membro de um partido que diria o que deveria escrever ou pensar.”
Por outro lado, Secco aponta que Carone manteve ao longo da vida uma grande fidelidade ao partido. Ao mesmo tempo em que evitava críticas ao PCB em sua obra, o professor sempre estava disposto a participar de debates e realizar palestras para militantes e trabalhadores. “Ele se manteve ‘espiritualmente’ vinculado ao PCB até o momento em que ele se torna o Partido Popular Socialista (PPS), em 1992. A partir daí, ele se vincula, também sem se filiar, ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB).”
Carone foi casado com Flávia de Barros Carone, também professora da FFLCH e autora de uma obra importante sobre morfossintaxe. O professor se aposentaria em 1993 e morreria dez anos depois, em 31 de janeiro de 2003, aos 79 anos.
Sua biblioteca com mais de 20 mil livros se encontra hoje no Museu Republicano Convenção de Itu, em Itu (SP), ligado ao Museu Paulista (MP) da USP – também chamado Museu do Ipiranga. Lá estão guardados livros, revistas, panfletos, jornais e cartas, compondo um dos principais acervos tanto sobre o período republicano como sobre as esquerdas nacionais. Além do número expressivo de obras, alguns volumes raros também chamam atenção, como a primeira edição de Os Sertões, de Euclides da Cunha, com correções ortográficas do próprio autor, e a primeira edição de Miséria da Filosofia, de Karl Marx.
“O acervo de Carone é fruto de uma trajetória ímpar entre os intelectuais da USP”, assinala Secco, que trabalhou na biblioteca pessoal do professor quando era seu aluno na graduação. Segundo Secco, Carone possuía um apartamento só para sua biblioteca e muitas vezes comprava mais de um exemplar do mesmo livro. “Ele tinha uma amplitude de interesses: literatura, leituras comunistas, socialistas, democratas. Começou a comprar livros nos sebos de São Paulo, depois acumulou mais livros na fazenda e, após o golpe militar, conseguiu comprar parte importante da biblioteca de Astrojildo Pereira, o fundador do Partido Comunista, que havia sido anarquista e por isso tinha livros dessas duas vertentes. E a partir dos anos 1970, já como professor, continuou colecionando livros.”