Vírus da mpox causa doença grave em pessoas com imunidade comprometida

Autópsia em pessoas imunocomprometidas pelo HIV mostrou que o vírus da monkeypox levou a lesões graves em quase todos os órgãos. Quando não há alterações na resposta imune, a infecção se restringe à pele​

 13/11/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 14/11/2023 às 16:08

Texto: Júlio Bernardes

Arte: Simone Gomes

Análises feitas no estudo mostraram que o vírus MPXV infecta inúmeros órgãos além da pele, sendo identificado em pulmões, intestinos, fígado, adrenais, coração, nervos e vasos; na pessoa imunocompetente, sem alterações na resposta imune, o MPXV causa infecção restrita à pele - Imagem cedida pelo pesquisador

A epidemia de doença exantemática aguda (mpox), causada pelo vírus monkeypox (MPXV), atingiu mais de 110 países desde 2022, com o Brasil sendo o segundo colocado em número de casos e o quarto em mortes nas Américas. Em pacientes com imunidade comprometida, por exemplo, pelo HIV, vírus que pode causar síndrome da imunodeficiência adquirida (aids), e que contraíram mpox, pesquisadores identificaram, por meio de autópsia, lesões graves induzidas pelo MPXV em quase todos os órgãos do corpo. Os resultados da pesquisa indicam que a mpox pode ser vista como doença oportunista grave em pessoas que tenham a imunidade comprometida por qualquer condição, com risco aumentado de morte.

Anteriormente conhecida como monkeypox ou varíola dos macacos, a mpox também é chamada de doença exantemática aguda devido às lesões causadas pela infecção na pele, chamadas de exântemas.

As conclusões dos pesquisadores da Faculdade de Medicina (FMUSP), do Instituto de Medicina Tropical (IMT) da USP e do Instituto de Infectologia Emílio Ribas são detalhadas em artigo publicado na revista científica The Lancet Infectious Diseases. “Desde maio de 2022, o vírus MPXV tem causado uma epidemia multinacional, que se iniciou na Europa e, em poucos meses, atingiu mais de 110 países”, afirma o médico Amaro Nunes Duarte Neto, primeiro autor do artigo, pesquisador do Departamento de Patologia da FMUSP.

Amaro Nunes Duarte Neto - Foto: Arquivo pessoal

“O continente americano, no último trimestre de 2022, tornou-se o epicentro da epidemia, e o Brasil foi grandemente afetado, sendo o segundo país em número de casos, depois dos Estados Unidos”, relata o médico. “Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), desde o início da epidemia, foram registrados 88.060 casos confirmados laboratorialmente, com 147 mortes, em 22 países, ocupando o Brasil a quarta posição em número de mortes – 16 no total, atrás de Estados Unidos, México e Peru.”

“Na epidemia de mpox, os homens com aids, com baixa contagem no sangue periférico de células TCD4+ [envolvidas na resposta imune do organismo], o tipo mais afetado pelo HIV, tiveram risco aumentado de doença grave e também de morte, embora não fosse claro como e por que isso ocorria, se por efeitos diretos do vírus MPXV nos órgãos ou se por outras doenças oportunistas graves, associadas à aids avançada”, explica Duarte Neto. “Vale salientar que a mpox pode afetar a todos, e pessoas com imunidade comprometida são mais suscetíveis. Ainda não está claro se alguns medicamentos antivirais, como o tecovirimat, cidofovir e anticorpos monoclonais com ação contra o MPXV têm benefício clínico comprovado, em estudos bem desenhados e com resultados definitivos, em pacientes com infecção pelo HIV em estado avançado.”

As análises foram realizadas no Departamento de Patologia e no Instituto de Medicina Tropical da FMUSP e explicam o mecanismo de lesão do vírus MPXV ao descreverem os achados de autópsia de dois homens jovens, com HIV em estágio avançado, que contraíram mpox grave e fatal. “As técnicas adotadas foram o exame da autópsia, colorações histoquímicas e imuno-histoquímicas [técnicas para identificação de proteínas e agentes infecciosos específicos], o exame de biologia molecular RT-PCR [sigla para reação de transcriptase reversa seguida de reação em cadeia da polimerase] e sequenciamento do genoma viral”, aponta o pesquisador da FMUSP. A pessoa com HIV que recebe tratamento adequado pode ter uma vida normal e sem infecções oportunistas, ficando inclusive com uma carga viral indetectável (exame negativo).

Lesões

No exame dos órgãos, foi possível observar que o MPXV afetou praticamente todos os órgãos dos pacientes e diversos tipos celulares, de uma maneira que não ocorre no paciente sem doenças prévias graves. “As análises demonstraram que o vírus infecta inúmeros órgãos, além da pele, com infecção nos pulmões, intestinos, fígado, adrenais, coração, nervos e vasos”, relata Duarte Neto. “Na pessoa imunocompetente [sem alterações na resposta imune], o MPXV causa infecção restrita à pele.”

A médica Marisa Dolhnikoff, professora do Departamento de Patologia da FMUSP e autora sênior do artigo, afirma ao Jornal da USP que alguns dos achados inéditos do estudo incluem a pneumonia nodular necrotizante, a infecção disseminada de células endoteliais, que revestem internamente os vasos sanguíneos, e a infecção de nervos.

“A pneumonia pode levar à insuficiência respiratória e resulta tanto da ação direta do MPXV nos tecidos pulmonares como do comprometimento da microcirculação pulmonar secundário à vasculite [inflamação dos vasos sanguíneos] induzida pelo vírus”, relata. “As lesões pulmonares já tinham sido descritas na mpox em tomografias pulmonares, embora não tenha sido esclarecido até o momento se teriam relação direta com o MPXV ou se secundárias a outras infecções associadas. A vasculite está diretamente associada às lesões necróticas tanto na pele como em vários órgãos internos.”

Marisa Dolhnikoff - Foto: Arquivo pessoal

Os pesquisadores encontraram inclusões virais, chamadas de “corpúsculos de Guarnieri”, em diversos tipos de células do corpo e não somente nas células da pele, como se sabia anteriormente ao estudo. “O exame de RT-PCR demonstrou replicação do vírus em lesões de pele e em muitos órgãos internos, confirmando os achados do exame ao microscópio”, destaca Duarte Neto.

“Os resultados indicam que a mpox na aids causa doença disseminada, grave, com pneumonia, infecção intestinal e proctite grave, hepatite, infecção cardíaca e das adrenais. A dor intensa das lesões da pele e das mucosas podem estar relacionadas à infecção dos nervos dessas regiões do corpo”, afirma o pesquisador. “Isso sugere que a infecção pelo HIV deve ser pesquisada em todos os casos suspeitos de mpox, o quanto antes, para iniciar tratamento antirretroviral e assim recuperar a imunidade e combater a infecção do MPXV, que pode disseminar e causar lesões graves e fatais.”

Duarte Neto defende  a necessidade da tomada de medidas preventivas rápidas para evitar novos casos fatais de mpox como doença oportunista grave associada à aids. “Uma delas é a vacinação contra o vírus MPXV, disponível na rede pública de saúde do Brasil”, orienta.

O artigo Main autopsy findings of visceral involvement by fatal mpox in patients with AIDS: necrotising nodular pneumonia, nodular ulcerative colitis, and diffuse vasculopathy foi publicado na revista científica The Lancet Infectious Diseases no último dia 9 de outubro e pode ser acessado neste link.

Mais informações: e-mail amaro.ndneto@hc.fm.usp.br


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