Técnica de estimulação cerebral é testada para melhorar habilidades esportivas

Estudo analisou os efeitos da neuromodulação em jogadoras de elite do basquete

 19/03/2024 - Publicado há 3 meses

Da Redação*

Arte: Joyce Tenório**

Estudo sugere que a técnica pode induzir alterações nas atividades cerebrais de frequência frontal lenta na preparação para o arremesso de lance livre e que essas alterações parecem ser maiores em jogadoras que demonstram maior variabilidade no desempenho na tarefa - Foto: Paula Bassi

A forma como os neurônios se comportam pode se refletir em diversos aspectos, desde aptidões físicas e cognitivas até em condições médicas. Ao interferir em determinados mecanismos cerebrais, é possível tratar doenças, auxiliar o processo de recuperação do organismo e até potencializar habilidades que são usadas na prática esportiva. Uma das formas de obter esses efeitos é por meio da estimulação cerebral não-invasiva, a neuromodulação, um método capaz de alterar a atividade neural sem que haja a necessidade de intervenção cirúrgica.

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Um estudo realizado pela Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP e pelo Centro de Matemática, Computação e Cognição da UFABC investigou o uso do método em jogadoras profissionais de basquete. A pesquisa foi produzida em parceria com pesquisadores da UFPE, Instituto Internacional de Neurociências, The City College of New York e Cardiff Metropolitan University.

Os resultados iniciais mostraram o potencial da técnica para melhorar habilidades que exigem o uso da percepção visual e espacial, importantes para o desempenho esportivo. O estudo revela que o método utilizado, denominado HD-ETCC, pode causar mudanças nas atividades de baixa frequência do cérebro, com efeitos mais significativos em quem tem menor estabilidade no tipo de arremesso estudado.

Coleta de dados pelo NeuroSports Lab

Sete jogadoras profissionais de basquete participaram de testes feitos em parceria com o NeuroSports Lab, da EEFE, para coletar os dados da pesquisa. Após serem familiarizadas com o procedimento, as atletas realizaram avaliações e receberam a Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua de Alta Definição (ETCC-HD; ativa), uma técnica de Neuromodulação Não-Invasiva, e uma simulação da ETCC que funcionou como condição placebo, ou seja, para que as participantes não soubessem quando estava sendo feita a intervenção.

A neuromodulação é capaz de melhorar habilidades que exigem o uso da percepção visual e espacial, importantes para o desempenho esportivo. Durante os lances, as jogadoras utilizaram eletroencefalografia (EEG) para medir a atividade elétrica do cérebro, e um eye tracker, que monitora o movimento dos olhos - Fotos: Paula Bassi

As jogadoras executaram arremessos de lance livre a uma distância de 4,23 metros da cesta, sendo 100 arremessos antes da estimulação cerebral e mais 100 arremessos depois. Todas receberam a neuromodulação ativa e o placebo, com 72 horas de diferença entre cada, sem que tivessem conhecimento de qual condição estava sendo aplicada.

Durante os arremessos, as jogadoras utilizaram eletrodos colocados no couro cabeludo para medir a atividade elétrica do cérebro por meio da eletroencefalografia (EEG), além de um eye tracker, equipamento parecido com óculos que monitora o movimento dos olhos. Todo o procedimento foi gravado para que os pesquisadores pudessem realizar a análise posterior.

Como funciona o processo de estimulação cerebral

Para realizar a Estimulação Transcraniana por Corrente Contínua de Alta Definição (ETCC-HD), eletrodos são posicionados no couro cabeludo com a ajuda de uma touca de eletroencefalograma (EEG). Por meio dos eletrodos, uma corrente elétrica de baixa intensidade é emitida, modificando a atividade dos neurônios da região estimulada. Além disso, também é usado um tipo de gel que serve para conectar o eletrodo à pele e auxiliar a condução de energia. No estudo, a estimulação foi aplicada durante 20 minutos.
Equipamentos utilizados para realizar a ETCC-HD. Foto: Paula Bassi
Aplicação do gel que serve para conectar o eletrodo à pele e auxiliar a condução de energia. Foto: Paula Bassi

A região do cérebro alvo da neuromodulação foi o lobo frontal esquerdo (córtex pré-frontal dorsolateral), baseando-se na hipótese de que a redução de atividade dessa região está associada a um desempenho mais automático, estável e eficiente. Essa redução é característica do cérebro de atletas de elite durante a execução de tarefas específicas, com uma distribuição de recursos mais eficiente, maior atividade econômica e hipoativação.

No método de alta definição, os eletrodos são menores. e por isso é possível realizar a estimulação de maneira mais focalizada e eficiente. O alvo do estudo foi a região frontal do cérebro - Imagem: cedida do artigo

A simulação da ETCC, a condição placebo, foi feita seguindo o mesmo procedimento, mas a corrente elétrica somente foi aplicada duas vezes, 30 segundos no início e mais 30 segundos no final do procedimento para que as jogadoras não percebessem a diferença.

Melhora nas habilidades

Após a análise dos arremessos, as atletas foram divididas em dois grupos: as mais estáveis (Jogadoras 4, 5, 6 e 7), que mantiveram um número próximo de arremessos acertados antes e depois de passar pelo placebo, e as menos estáveis (Jogadoras 1, 2 e 3), que apresentaram uma diferença maior que dois pontos.
As jogadoras que faziam parte do grupo menos estável apresentaram uma melhora na habilidade visuoespacial depois de passar pela ETCC-HD. Isso significa que a neuromodulação melhorou o desempenho das atletas em tarefas que demandam direcionar a atenção para algum alvo, como é o caso do arremesso de lance livre.
Planilha feita com base nos dados da pesquisa. - Imagem: Reprodução/Assessoria de Comunicação da EEFE-USP
Além disso, a mudança nas atividades cerebrais de frequência lenta na região frontal após a ETCC-HD também foi maior para as atletas do grupo menos estável. Segundo o estudo, a alteração sugere que as jogadoras realizaram os arremessos de maneira mais automática, possivelmente levando a uma redução de pensamentos negativos e dúvidas, que podem comprometer o desempenho na tarefa.

O professor Alexandre Moreira, coorientador da pesquisa, pontua que o estudo vai além de compreender como a atividade cerebral está ligada ao desempenho esportivo. Os resultados auxiliam na criação de estratégias que usam esse conhecimento para a evolução dos atletas. “A pesquisa em neuroergonomia ajuda a elucidar os mecanismos neurocognitivos subjacentes ao desenvolvimento de habilidades, fornecendo informações importantes para intervenções de neurofeedback aplicadas e estratégias neuromoduladoras destinadas a aumentar a probabilidade de experiências de desempenho ideal”, comenta o docente.

O trabalho foi desenvolvido por Luciane Aparecida Moscaleski, sob coorientação do professor Alexandre Moreira, em parceria com o orientador, o professor Alexandre Hideki Okano, e os professores Edgard Morya, Marom Bikson, André Fonseca, Rodrigo Brito e Ryland Morgans e contou com o apoio do Núcleo de Assistência e Pesquisa em Neuromodulação (Rede NAPeN) e do Instituto Brasileiro de Neurociências e Neurotecnologia (BRAINN/Cepid-Fapesp).

Intitulado Does high-definition transcranial direct current stimulation change brain electrical activity in professional female basketball players during free-throw shooting?, o estudo foi publicado na Frontiers in Neuroergonomics e pode ser acessado por meio deste link.

*Da Assessoria de Comunicação da EEFE

**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado

Alexandre Moreira - Foto: ResearchGate

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