Mais informações: samir.atum@usp.br, com Samir Vargas da Fonseca Atum
*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado
Método sequencia DNA bacteriano diretamente e faz análise bioinformática para identificar as espécies de bactéria e prever genes de resistência a antibióticos, ainda durante o sequenciamento, o que rende resultados poucas horas após o atendimento – Fotomontagem Jornal da USP feita com imagens de qimono/Pixabay, PublicDomainPictures/Pixabay, qimono/Pixabay, Freepik e jcomp/Freepik
Pesquisa com participação da USP desenvolveu uma nova técnica que complementa o diagnóstico de bactérias resistentes a antibióticos, uma preocupação crescente nos serviços de saúde. Os pesquisadores testaram com sucesso em laboratório uma tecnologia que realiza o sequenciamento genético desses microrganismos em tempo real, enquanto os métodos existentes podem levar horas e até dias para fazer a identificação. Os resultados do estudo foram relatados em artigo publicado na revista científica Nature Communications, no último dia 28 de junho.
De acordo com os pesquisadores, os diagnósticos clínicos atuais, em geral, são baseados em culturas de bactérias. Embora sejam muito úteis para identificar patógenos e resistências, o método atual também é limitado em termos de velocidade, potencialmente enviesado e podendo gerar detecções incompletas.
“Amostras clínicas, como sangue de um paciente ou aspirado endotraqueal [secreção obtida através de traqueostomia], são adicionadas a meios como sangue ou ágar para cultivar qualquer bactéria que cresça nesses meios”, relata Samir Vargas da Fonseca Atum, doutorando em bioquímica no Instituto de Química (IQ) da USP e um dos autores do trabalho. “Só esta etapa pode levar de 16 a 24 horas, para que as bactérias cresçam. Com as colônias formadas, são feitas subculturas para isolar espécies únicas, identificadas com a técnica de espectrometria de massa. Isso prolonga ainda mais o cronograma do diagnóstico”, diz.
A espectrometria usa um equipamento que detecta espécies por meio da quantificação de sua massa. “Essas abordagens podem ainda deixar de lado bactérias não cultiváveis ou difíceis de cultivar, criando o chamado ‘viés de cultura’. A suscetibilidade das bactérias aos antibióticos é então tipicamente avaliada usando métodos como VITEK2, onde as bactérias são expostas a vários antibióticos em diferentes concentrações para determinar a concentração inibitória mínima (MIC) que impede o crescimento bacteriano”, explica Fonseca Atum. “Esse processo também pode levar horas ou dias, pois envolve gerar uma suspensão bacteriana da cultura, incubar com antibióticos e, em seguida, avaliar a inibição do crescimento.”
Segundo o pesquisador do IQ, no caso de resistência a carbapenêmicos, uma classe de antibióticos crítica para tratar infecções graves, o VITEK2 pode não detectar certos mecanismos de resistência. “Para resolver isso, ensaios de fluxo lateral com imunocromatografia são usados para detectar carbapenemases, enzimas que quebram antibióticos carbapenêmicos, tornando-os ineficazes”, observa. A imunocromatografia é um teste que faz a detecção em amostras de sangue através da associação com partículas coloridas.
“O tempo de resposta da coleta da amostra, até os resultados finais, pode se estender por até 48 horas ou mais. Isso pode atrasar o tratamento correto de infecções, especialmente ao lidar com organismos multirresistentes, onde a identificação rápida e os ajustes de tratamento são necessários para evitar a deterioração do paciente”, aponta Fonseca Atum. “Além disso, essas abordagens podem ignorar marcadores de resistência raros ou novos, que não são facilmente detectados com testes padrão.”
Visão geral do fluxo de trabalho de abordagens de diagnóstico genômico em tempo real (acima) e clinicamente estabelecido (abaixo) para identificação de espécies de patógenos e perfil de resistência a antibióticos – Imagem: extraída do artigo
Para o pesquisador do IQ, o trabalho demonstra como a genômica em tempo real, usando o sequenciamento por nanoporos (vazios na estrutura do genoma), pode melhorar a detecção de resistência oculta a antibióticos em infecções complexas, particularmente nos casos em que os diagnósticos estabelecidos falham. “O método envolve sequenciar DNA bacteriano diretamente, seguido por análise bioinformática para identificar as espécies de bactéria e prever genes de resistência a antibióticos”, destaca. “Essa tecnologia permite que a análise dos dados seja feita enquanto o sequenciamento ainda está em progresso, o que já rende resultados em poucas horas após o atendimento.”
“Foi estudada uma infecção pela bactéria Klebsiella pneumoniae multirresistente para demonstrar que a genômica em tempo real podia detectar um plasmídeo [molécula de DNA] escasso que codificava uma resistência clinicamente relevante, não detectada pelos métodos existentes”, descreve Fonseca Atum. A Klebsiella pneumoniae causa pneumonia e infecções hospitalares, em especial no aparelho urinário e em feridas. “Além de concordar com os resultados dos métodos tradicionais, nossa abordagem de genômica em tempo real permitiu identificar um subtipo raro de carbapenemase não encontrado quando o paciente entrou na clínica, mas que se tornou dominante após o tratamento com antibióticos.”
“Isso mostra o impacto potencial da genômica em tempo real no gerenciamento clínico, uma vez que não só teria oferecido previsões de resistência mais rápidas, mas também mais precisas, com impactos potenciais no resultado final do paciente”, salienta o pesquisador do IQ. “Para que a genômica em tempo real seja integrada ao fluxo dos trabalhos clínicos de rotina, é necessária uma validação mais ampla, ela deve superar consistentemente os diagnósticos estabelecidos em vários cenários e amostras.”
“Além disso, soluções em grande escala e com boa relação custo-benefício serão necessárias, principalmente em cenários de baixa e média renda, onde as resistências antimicrobianas começaram a ser uma pandemia ‘silenciosa’, com muitas mortes associadas”, enfatiza Fonseca Atum. “É importante ressaltar que essa abordagem não pretende substituir os diagnósticos baseados em cultura, mas sim complementá-los, fornecendo detecção de resistência mais rápida e precisa, principalmente em casos em que os métodos tradicionais falham.
A pesquisa genômica foi conduzida no Instituto Helmholtz AI em Munique (Alemanha), enquanto as culturas foram inoculadas e mantidas no Instituto de Microbiologia Médica, Imunologia e Higiene da Universidade Técnica de Munique. Os autores do artigo são Ela Sauerborn, Nancy Carolina Corredor, Tim Reska, Albert Perlas, Samir Vargas da Fonseca Atum, Nick Goldman, Nina Wantia, Clarissa Prazeres da Costa, Ebenezer Foster-Nyarko e Lara Urban. Os pesquisadores também são afiliados ao Centro Alemão de Pesquisa de Infecções, na cidade alemã de Braunschweig, Instituto Europeu de Bioinformática e London School of Hygiene & Tropical Medicine (Reino Unido), e à USP, através do Departamento de Bioquímica do IQ.
Mais informações: samir.atum@usp.br, com Samir Vargas da Fonseca Atum
*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado