O Cerrado é uma das regiões de maior biodiversidade do mundo, e estima-se que possua mais de 6 mil espécies de árvores e 800 espécies de aves - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Restauração de Cerrado e Mata Atlântica pode gerar sequestro de carbono com baixo risco e bom custo-benefício

 24/02/2022 - Publicado há 3 anos

Autor: Comunicação RCGI

Arte: Ana Júlia Maciel

A restauração de ecossistemas é apontada como uma boa alternativa para sequestrar carbono e mitigar as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera. Basta lembrar que a Organização das Nações Unidas (ONU) escolheu a pauta como assunto central de sua década temática (2021-2030). “No entanto, não existe uma única receita para restaurar um ecossistema, da mesma forma que ainda temos muitas lacunas de conhecimento sobre como fazer isso com eficiência”, aponta o engenheiro agrônomo Pedro Brancalion, coordenador do projeto Restauração de vegetação nativa para sequestro de carbono – Restore C, realizado no Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI). “O objetivo do projeto é entender como funcionam essas diferentes formas para sequestrar carbono e identificar os componentes de custos desses processos.”

O primeiro passo do projeto é investigar essa questão a partir de dois biomas brasileiros altamente diversificados: o Cerrado e a Mata Atlântica. “O acúmulo de carbono varia entre os tipos de ecossistema. Na Mata Atlântica, tem-se grande quantidade de carbono na superfície por causa da profusão de madeira das árvores. Essa situação é diferente no Cerrado, onde há um número menor de árvores e a maior parte do carbono fica estocada embaixo da terra”, explica o pesquisador, que também é coordenador do Laboratório de Silvicultura Tropical da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, e vice-coordenador do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica.

Para entender quais conjuntos de espécies, arranjos de plantio ou de regeneração são capazes de tornar o processo de sequestro de carbono mais eficiente, o projeto vai instalar torres de fluxo na Estação Experimental de Ciências Florestais de Itatinga (EECFI), no interior de São Paulo. Isso para checar a situação em contexto de Mata Atlântica. Já no caso do Cerrado, o local escolhido é a Chapada dos Veadeiros, em Goiás. “Vamos trabalhar com o que há de mais inovador e robusto em termos de metodologia”, diz o pesquisador. “A torre de fluxo é um equipamento importado e extremamente sofisticado capaz de mensurar o que é fixado e liberado de carbono para a atmosfera. Entretanto, ela nunca havia sido utilizada em áreas de restauração de ecossistemas. Nosso projeto é pioneiro no mundo e deve gerar dados inéditos.”

O projeto vai durar cinco anos e reúne uma equipe transdisciplinar composta de nove cientistas de instituições de pesquisa situadas no Brasil, França e Inglaterra. “Ao longo desse tempo vamos investigar outras regiões nos estados de São Paulo, Minas Gerais e Goiás para cobrir variações presentes nos biomas, a exemplo de solo e clima”, informa o pesquisador. “Além do trabalho de campo, vamos trabalhar com sensoriamento remoto e imagens de satélite. O projeto também tem um forte componente de modelagem: a partir da comparação de algumas áreas pesquisadas, é possível criar um modelo matemático para estimar o potencial de sequestro de carbono de outras áreas.”

Legenda: Engenheiro agrônomo Pedro H.S. Brancalion, do Departamento de Ciências Florestais, da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq) da USP Crédito: arquivo pessoal

Pedro H.S. Brancalion – Foto: arquivo pessoal

A meta final do projeto é produzir um atlas digital, de livre acesso, que mapeie esses locais voltados para restauração de carbono. Ali estarão reunidos dados como o potencial de determinada área, os custos de restauração e a previsão de riscos para a perda de estocagem de carbono, que acontece em casos de acidentes naturais ou provocados pela ação do homem, a exemplo de seca e de incêndios. “O atlas pode ser uma grande ferramenta de apoio na tomada de decisão para quem deseja investir no sequestro de carbono por meio do reflorestamento”, diz o pesquisador.

De acordo com Brancalion, um elemento importante nessa tomada de decisão é conseguir calcular as relações entre custo e efetividade. “É pensar, por exemplo, não de forma absoluta, mas sim na quantidade de carbono sequestrado por unidade de investimento. Vamos supor que ao longo de 10 anos uma empresa possa obter por meio de um projeto de restauração 100 toneladas de carbono ao custo de 10 mil reais por hectare. Outra opção seria sequestrar 50 toneladas, mas a um custo de 2 mil reais por hectare. Nesse caso, vale mais a pena investir em áreas com o perfil da segunda alternativa e graças à soma delas conseguir sequestrar mais carbono com o mesmo investimento exigido pela primeira opção. O mapa ajudará na localização de quais são as áreas mais indicadas para determinado projeto.”

Nesse cálculo é preciso levar em conta uma série de variáveis em nome da melhor escolha de investimento. “Se o investidor já possui a terra, seu custo de implementação será plantar mudas e cuidar da manutenção da área. Mas há também o custo de oportunidade de uso da terra, que é o valor pago a terceiros para se usar determinada área para restauração. Por exemplo, se um proprietário rural lucra 400 reais por hectare/ano com seu pasto, dificilmente vai ceder essa área por um valor menor do que esse. Com o mapa podemos calcular o custo total de sequestro de carbono ao cruzar os custos de oportunidade com os custos de implantação.”

Brancalion estuda a reconstrução de ecossistemas desde a graduação, concluída em 2006. Recentemente, ele foi apontado como um dos 21 pesquisadores altamente citados na lista elaborada pela empresa britânica Clarivate Analytics. “A restauração ambiental é uma área nova, que atrai muita atenção em tempos de mudanças climáticas. A situação em nosso país é preocupante. A Mata Atlântica vem sendo destruída desde a chegada dos portugueses no século XVI e hoje seus resquícios são ilhas isoladas em meio a áreas agrícolas. O Cerrado também possui níveis significativos de desmatamento e está mais quente, seco e propenso a grandes queimadas”, alerta o especialista. “O mais gratificante nessa profissão é ver uma área degradada ganhar vida, é sentir que o trabalho está contribuindo para deixar um legado para as próximas gerações.”

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Sobre o RCGI – O Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) é um Centro de Pesquisa em Engenharia, criado em 2015, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Shell. As pesquisas do RCGI são focadas em inovações que possibilitem ao Brasil atingir os compromissos assumidos no Acordo de Paris, no âmbito das NDCs – Nationally Determined Contributions. Os projetos de pesquisa – 19, no total – estão ancorados em cinco programas: NBS (Nature Based Solutions); CCU (Carbon Capture and Utilization); BECCS (Bioenergy with Carbon Capture and Storage); GHG (Greenhouse Gases) e Advocacy. Atualmente, o centro conta com cerca de 400 pesquisadores. Saiba mais aqui.

Mais informações: e-mail comunicacao@academica.jor.br, na assessoria do RCGI


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