Proteína que o corpo já produz pode amenizar efeitos do envelhecimento no cérebro

Ao favorecer a produção de energia e a imunidade das células do sistema nervoso, proteína klotho estimulou ação antioxidante contra estresse e destruição celular

 03/10/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 05/10/2023 às 17:29

Texto: Júlio Bernardes
Arte: Carolina Borin*

Neurônios possuem uma alta demanda energética, pois são as principais células envolvidas com a capacidade de memorizar, aprender, pensar, enquanto os astrócitos servem como células de suporte e a proteína klotho tem ação antioxidante contra o estresse e a destruição celular; na imagem, neurônios Edinger-Westphal em cultura. Colorizado para tubulina (verde) e Sinapsina (vermelho) - Foto: Reprodução/MR McGill via Flickr

Os efeitos benéficos da proteína klotho, produzida pelo corpo humano, nas células do sistema nervoso são mostrados em pesquisa do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. Experimentos feitos em laboratório mostram que a proteína, ao favorecer a produção de energia e a imunidade das células, também estimula a ação antioxidante contra o estresse e a destruição celular.

Os resultados do estudo reforçam o papel da klotho como possível opção para contornar os efeitos do envelhecimento no sistema nervoso, associado a doenças neurodegenerativas como o Alzheimer e o Parkinson. A pesquisa é descrita em artigo publicado na revista Scientific Reports, do grupo Nature.

Metabolismo no sistema nervoso

Para entender o papel da klotho, primeiro é preciso entender como é obtido o suprimento de energia do sistema nervoso central. “Sabemos que o cérebro pesa 2% do peso do corpo mas gasta 20% da energia que uma pessoa consome quando em repouso. Os neurônios possuem uma alta demanda energética, pois são as principais células envolvidas com nossa capacidade de memorizar, aprender, pensar”, explica ao Jornal da USP a pesquisadora Ana Maria Marques Orellana, do ICB, primeira autora do artigo.

Já os astrócitos, diz ela, são células de suporte. “Isolam as sinapses, que são os espaços entre os neurônios onde ocorre a transmissão de informações de uma célula a outra, protegem eles na vigência de um estímulo lesivo, juntamente com as células do sistema imunológico do cérebro, que são as micróglias, e também têm um papel fundamental no suprimento de energia.”

A pesquisadora relata que a principal fonte de energia para o cérebro é a glicose, que chega até o órgão pela circulação sanguínea. “Quem controla a entrada de nutrientes no sistema nervoso é a barreira hematoencefálica, que tem transportadores específicos para diversos nutrientes, como a glicose, os corpos cetônicos (fonte de energia em jejum), e o lactato”, aponta.

Ana Maria Marques Orellana - Foto: Lattes

Ana Maria Marques Orellana - Foto: Lattes

Mas como evitar oscilações no suprimento de energia aos neurônios? “Os astrócitos fazem isso. Eles captam a glicose e a transformam em glicogênio, gerando um pequeno estoque. Os neurônios não têm capacidade de estocar energia, consomem a glicose imediatamente. Então os astrócitos mantêm o suprimento constante.”

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Outra via pela qual os astrócitos são capazes de suprir os neurônios é fornecendo lactato, obtido pela conversão de glicose, quando seu nível está em baixa e durante a atividade física. “Para evitar oscilações dependentes das concentrações de substratos oriundos do sangue, existe um acoplamento energético natural entre neurônios e astrócitos”, descreve Ana Orellana. “O neurônio capta a glicose e esta será usada para gerar energia imediatamente, sem estoque. O astrócito, por sua vez, capta a glicose, que é armazenada como glicogênio, favorecendo uma reserva.

Nos neurônios, a divisão da glicose também se dá por duas vias (conjunto de reações químicas), a das pentoses e a da PFKFB3. Porém, a das pentoses é a preferencial por estimular sistemas anti-oxidantes, logo, idealmente a PFKFB3 deve ser constantemente inibida. A via das pentoses utiliza moléculas de carboidratos com cinco átomos de carbono cada uma, as pentoses, e a PFKB3 é uma enzima que atua no metabolismo da glicose.

Proteção das células

A pesquisa verificou se a klotho era capaz de alterar parâmetros do metabolismo em neurônios e astrócitos e se isso os protegeria. “Ela é uma proteína anti-envelhecimento produzida nos rins e no sistema nervoso central. Seus níveis se relacionam diretamente com o envelhecimento, assim, ao longo dos anos, temos menos klotho no sangue e no cérebro. Isso está associado ao déficit cognitivo”, afirma Ana Orellana. “Ademais, sabemos que no envelhecimento temos redução do metabolismo de glicose e oxigênio no cérebro, o que fica mais intenso na presença de doenças neurodegenerativas, e também há alterações na eficiência das mitocôndrias, parte das células que produz energia, e queda na atividade da via das pentoses nos neurônios.”

Em culturas de células do sistema nervoso, proteína klotho contrapõe efeitos nocivos da insulina, favorece degradação e eliminação de proteínas e aumenta potencial antioxidante. Na imagem, astrócito em cultura de tecidos corada com anticorpos para GFAP e vimentina - Imagem: Reprodução/GerryShaw via Wikimedia Commons/CC BY 3.0

“Observamos que as culturas de astrócitos quando foram tratadas com klotho in vitro, em laboratório, tiveram diminuição dos efeitos moleculares desencadeados pela insulina e portanto aumento da sinalização anti-oxidante. Para entender como esse efeito anti-oxidante atua, expusemos essas células a diferentes graus de estresse oxidativo e a klotho foi capaz de proteger os astrócitos da morte diante de estímulos de baixa e média intensidade”, afirma a pesquisadora.

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“Já os neurônios tratados com a klotho tiveram redução da atividade de algumas proteínas relacionadas à cascata molecular desencadeada pela insulina, que é fundamental para que a glicose adentre à célula, mas que interfere negativamente em mecanismos de degradação proteica, que podem ser benéficos para o cérebro. A klotho promoveu uma redução da via da PFKFB3, favorecendo a via das pentoses que aumenta a conversão de fatores anti-oxidantes na célula, e também a degradação de proteínas, que normalmente está menos ativa no envelhecimento.”

Segundo a cientista, a redução da PFKFB3 e o aumento da degradação das proteínas não foi suficiente para proteger os neurônios das mesmas concentrações de estresse oxidativo às quais os astrócitos foram submetidos, indicando que um estímulo intermediário para o astrócito é intenso para o neurônio, levando à morte. “Em trabalhos anteriores, no entanto, verificamos que, na vigência de inflamação, a klotho protege o neurônio da morte se o estímulo for intermediário para ele”, ressalta.

“Sabemos que a sinalização da insulina é fundamental para a vida, mas a super estimulação dessa via tem um caráter prejudicial na medida em que inibe a degradação de proteínas mal enoveladas, de agregados, prejudica a autofagia [processo normal de degradação de componentes da própria célula], tem potencial pró-inflamatório e aumenta o estresse oxidativo. A klotho contrapõe os efeitos da insulina, favorece a degradação e eliminação de proteínas e aumenta o potencial antioxidante.”

O professor do ICB, Cristóforo Scavone, que orientou a pesquisa, relata que há estudos mostrando que a administração periférica de klotho reverte o déficit cognitivo em modelo animal de Parkinson.

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Cristoforo Scavone - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Cristoforo Scavone - Foto: Cecília Bastos/USP Imagens

Aparentemente, haveria menos efeitos colaterais, pois as ações da klotho são bem balanceadas, e os anticorpos provocam edema, inchaço. Porém essas são hipóteses que vão exigir anos de pesquisas, ressalva Scavone.

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Ana Orellana destaca que é possível melhorar os níveis da klotho no organismo por meio de exercício físico regular e da administração de compostos presentes na alimentação, como o resveratrol, existente nas uvas roxas. “Além da atividade física, a ingestão de menos calorias pode reduzir a estimulação da via da insulina, e o consumo de vinho em baixas quantidades poderia proporcionar o benefício do resveratrol”. Os estudos no ICB tiveram a colaboração do National Institue of Aging (NIA), em Baltimore (Estados Unidos).

Mais informações: e-mails orellana@usp.br, com Ana Maria Marques Orellana, e criscavone@usp.br, com o professor Cristóforo Scavone

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado


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