Praias brasileiras estão altamente poluídas por microplástico, indicam primeiros resultados de estudo

Em fase de coleta em toda a costa brasileira, primeiras análises do Projeto MICROMar sugerem que São Paulo, Paraná, Sergipe e Bahia estão entre estados mais poluídos

 Publicado: 19/04/2024     Atualizado: 24/04/2024 as 15:15

Texto: Gabriele Mello*

Arte: Simone Gomes

Extensão do trabalho é inédita no estudo dos microplásticos no litoral brasileiro. Na imagem, lixo misturado às algas - Foto: Projeto MICROMar

O litoral brasileiro tem recebido visitas com um objetivo diferente. Desde abril de 2023, o pesquisador do Instituto Federal Goiano Guilherme Malafaia e uma equipe de pesquisadores viajam pela costa recolhendo porções de areia e água do mar para avaliar a presença e composição de microplásticos na costa de cada estado do País, através do projeto MICROMar. Com a contribuição de universidades estaduais e federais, entre elas a USP, mais de mil praias já foram visitadas, e a previsão é que o número de amostras chegue a oito mil.

O projeto quer identificar e quantificar o microplástico com base na diversidade do litoral brasileiro, considerando a ocupação, turismo e características climáticas.

“A grande inovação do projeto, não é o estudo do microplástico, mas a extensão do trabalho”, destaca Marcelo Pompêo, professor do Departamento de Ecologia Instituto de Biociências (IB) da USP e um dos pesquisadores envolvidos, sobre a abrangência do estudo no território nacional. Os microplásticos são partículas muito pequenas de plástico, de até cinco milímetros. São divididos em primários – usados como matéria-prima em indústrias como a de cosméticos e farmacêuticas – e os secundários, resultantes da fragmentação de pedaços de plástico maiores, ou seja, aquele que descartamos e não é reciclado. 

Marcelo Pompêo - Foto: IB /USP

Como poluente, o microplástico é uma ameaça em potencial para o meio ambiente e a saúde de animais e humanos. Por isso, os esforços para encontrar e analisar, tanto a presença quanto o risco que eles representam, têm crescido. “[A pesquisa] é necessária para suprir a ausência de diagnósticos sobre o tema no Brasil”, destaca Malafaia. Apesar de as coletas serem finalizadas apenas em maio, Malafaia diz que as expedições já evidenciaram “que as nossas praias estão altamente poluídas por microplásticos. Em todos os estados foi possível identificar partículas plásticas nas praias”. O pesquisador completa com perspectivas dos resultados: “os estados de São Paulo, Paraná, Sergipe e Bahia provavelmente estarão entre os mais poluídos”. 

Expedições e coletas de amostra

Em expedições, o projeto MICROMar já passou por 1190 praias, tendo como único critério de escolha a possibilidade de acesso por terra. “Buscamos realizar coletas em um maior número possível de praias de modo a permitir a inclusão de áreas com diferentes características, apresentando variações de aspectos e indicadores, que serão importantes para relacionarmos com os níveis de poluição microplástica na costa brasileira”, conta Malafaia.

Em São Paulo, por exemplo, foram coletadas amostras em 88 praias, de Ilha Comprida Sul, em Ilha Comprida, à praia de Estaleiro, em Ubatuba. No total, foram cinco expedições. A primeira aconteceu na Paraíba, já a segunda no Espírito Santo. A terceira englobou Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco e Rio Grande do Norte. 

Guilherme Malafaia - Foto : IFG
Foto: Projeto MICROMar

Na quarta, as coletas foram feitas no Amapá, Pará, Maranhão, Piauí e Ceará. A quinta, e última, foi realizada no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro.

As coletas, em cada uma das praias, é feita com a determinação de quadrantes, que servem de base para recolher areia e água. Cada quadrante gera cinco amostras de areia. A água é coletada na frente de cada ponto de coleta de areia. Dependendo do tamanho da orla, a praia pode gerar mais ou menos material.

 Apesar de fazer parte do projeto, a USP não participou diretamente da pesquisa de campo. “A contribuição da USP é oferecer a nossa expertise, a experiência que a gente tem nas análises de microplástico”, explica Pompêo. 

Malafaia ainda esclarece que a atuação da USP, em especial do grupo de pesquisa do professor Marcelo Pompêo, contribuirá “sobretudo, para a determinação dos índices de risco e de carga poluidora, e para a identificação dos fatores ou aspectos que estão contribuindo mais e menos com a poluição do litoral paulista”. A equipe que trabalha com Pompêo também tem contribuído com ações de educação, popularização e divulgação científica. 

A poluição por plástico e microplástico no Brasil

 No Brasil, a taxa de reciclagem de plástico é de 1,3%, abaixo do nível mundial, que é de 9%. “O Brasil, em particular, ocupa a 4ª posição no ranking dos países que mais produzem lixo plástico no mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, China e Índia. Logo, esse cenário tem um impacto direto nos níveis de poluição microplástica nos ecossistemas”, explica Malafaia. Os microplásticos já estão relacionados a danos na saúde de organismos e biomas aquáticos. No caso dos animais marinhos, por exemplo, seu consumo pode gerar uma falsa sensação de saciedade e afetar outras áreas da vida do animal, como a reprodução e o crescimento. Pompêo lembra que “o mar também está trazendo o microplástico que vem de fora [de outros países]. Não é só o microplástico que está vindo da própria costa brasileira”.

Plástico e lixo misturados à areia em praia analisada pelo projeto - Foto: Projeto MICROMar (cedidas pelo pesquisador Guilherme Malafaia)

  “Tirar o microplástico do meio [do dia-a-dia] é impossível, mas nós podemos mudar o uso. Tudo aquilo que é considerado de uso único poderia ser abolido, para que a gente desse um uso mais ‘nobre’ para o microplástico, com produtos que são mais duráveis”, completa Pompêo. Mais informações: e-mail mpompeo@ib.usp.br, com Marcelo Pompêo; e-mail guilhermeifgoiano@gmail.com, com Guilherme Malafaia

*Estagiária com orientação de Luiza Caires


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