Estudo demonstrou as conexões entre 5.569 cidades brasileiras e analisou o impacto das redes produzidas pelo transporte aéreo no início da disseminação da pandemia de covid-19 - Fotomontagem: Jornal da USP - Fotos: Freepik e Pxhere

Modelo mostra como transporte aéreo acelerou a disseminação da covid

Comparando a malha rodoviária e a malha aérea, pesquisa da USP demonstra o papel das redes entre cidades e deixa alerta para intervenção em futuras pandemias

 17/03/2023 - Publicado há 1 ano     Atualizado: 22/03/2023 as 11:32

Texto: Julia Custódio

Arte: Simone Gomes

Um estudo desenvolvido na Escola Politécnica (Poli) da USP demonstrou as conexões entre 5.569 cidades brasileiras e analisou o impacto das redes produzido pelo transporte aéreo no início da disseminação da pandemia de covid-19 pelo País. O trabalho compara as redes criadas pela malha rodoviária e pela malha aérea e verifica que os aviões diminuíram as distâncias entre as cidades em 70%, acelerando o alcance da doença.

Os pesquisadores se basearam no modelo do mundo pequeno, desenvolvido por Duncan Watts e Steven Strogatz e publicado em artigo para a revista Nature, em 1998. O modelo apresenta as conexões entre as pessoas como uma rede em que todas estão separadas umas das outras por poucos passos (os nós).

 

 

O artigo dos pesquisadores da Poli, The impact of Brazil’s transport network on the spread of COVID-19, publicado na Scientific Reports, considerou as cidades brasileiras como os nós que se ligam a cidades vizinhas por vias terrestres, mas também as cidades com aeroportos e voos frequentes entre elas. “Quando você pensa em uma pandemia, é importante pensar no contato entre as pessoas. É aí que entra a rede, porque os indivíduos vão passar a doença para as pessoas a quem estão conectados”, explicou Giovanna Cavali Silva, que cursa o MBA em data science no Programa de Educação Continuada da Escola Politécnica (Pece-Poli) da USP.

Giovanna Cavali Silva - Foto: Arquivo Pessoal

Pelas rodovias, as conexões diretas entre as cidades são reduzidas e os passos são maiores para alcançar cidades em outras regiões. Assim, em casos de disseminação de doenças, a transmissão ocorre para as cidades vizinhas. Já pelas linhas aéreas, considerando conexões entre cidades de regiões diferentes, por exemplo, o alcance da transmissão da doença é muito maior. Seguindo o modelo do mundo pequeno, o artigo mostrou que a distância entre os municípios diminuiu de 27 nós rodoviários para 7 nós aéreos. 

A análise foi realizada através de softwares de processamento de dados e utilizou o modelo SIR (Suscetível, Infectado, Recuperado), usado para simulação de epidemias. Foram usados dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do repositório de dados públicos Brasil.io, que acompanhou os números da pandemia no País. “As simulações foram feitas por cidades e não por pessoas, ou seja, cada cidade teve uma probabilidade de ser infectada”, destaca Evandro Marcos Saidel Ribeiro, professor do Pece. O primeiro passo dos pesquisadores foi construir uma rede de acordo com as posições geográficas e dividi-las entre cidades com aeroportos internacionais, aeroportos locais e aquelas sem transporte aéreo. 

Na simulação, os caminhos do transporte rodoviário (gráfico 1) demoram aproximadamente 100 semanas para alcançar mais de 4 mil cidades. Já a simulação aérea (gráfico 2) acontece em 28 semanas e alcança todas as cidades brasileiras - Imagem: Cedida pela pesquisadora

De acordo com dados das Secretarias Estaduais de Saúde, 99% das cidades brasileiras estavam infectadas pelo vírus causador da covid-19 na vigésima semana epidemiológica, o que se aproxima da simulação do gráfico 2. Ao adicionar as possibilidades aéreas, a distância entre os nós caiu em 70%. “As cidades estão agrupadas àquelas em seu entorno, mas ao adicionar uma conexão aérea, os grupos não são desfeitos e a distância diminui drasticamente”, aponta Evandro Ribeiro.

Prevenção

Segundo os pesquisadores, a diminuição do número de nós entre as cidades é propícia para a disseminação de doenças infecciosas e, para evitar novas epidemias, é necessário voltar as atenções para o transporte aéreo. “Logo no começo da pandemia já é possível detectar os focos [de disseminação] das doenças, e eles serão os aeroportos. É uma rede extremamente conectada, onde infecções saem do controle epidemiológico”, diz Giovanna Silva. Por isso, nesses casos, medidas drásticas devem ser tomadas para impedir a dispersão dos vírus, como diminuição do número de voos em cidades mais afetadas ou até mesmo o fechamento dos aeroportos. O acompanhamento e a intervenção governamental nesse tipo de transporte são essenciais para prevenir ocorrências de pandemias.

No mundo globalizado e em um país em desenvolvimento, como o Brasil, “é muito bom ter uma rede conectada para passar informações, mas frente a uma doença altamente contagiosa como a covid-19, ela se torna uma fragilidade. O mundo conectado pode representar um risco global”, diz a pesquisadora.

Mais informações: e-mail gicavali@gmail.com, com Giovanna Cavali Silva


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