Matéria visível de aglomerados de galáxias concentra emissões mais potentes de raios gama

Resultado do estudo, baseado em simulações matemáticas e dados de medição da radiação, contribuirá com pesquisas sobre a matéria escura do Universo

 23/05/2023 - Publicado há 10 meses     Atualizado: 24/05/2023 as 13:52

Texto: Júlio Bernardes

Arte: Joyce Tenório

Aglomerado de Pandora (Abell 2744) capturado pelo Telescópio James Webb - Foto: NASA, ESA, CSA, R. Bezanson, I. Labbe e A. Pagan/STSci

A emissão difusa de raios gama (DRGB) é uma radiação de altíssimas energias, com diversas fontes, que permeia todo o Universo e fornece informações importantes sobre a origem e estrutura dele aos cientistas. No Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, uma pesquisa sugere, baseada em simulações matemáticas e dados de medição da radiação, que as emissões mais potentes estão concentradas na matéria visível dos aglomerados de galáxias. Os resultados do trabalho irão contribuir para os estudos sobre a matéria escura, que ainda é de natureza desconhecida, mas tem sua existência inferida indiretamente por seus efeitos gravitacionais na matéria visível.

“Ainda se especula que a DRGB pode ter origem em populações de fontes individuais, como galáxias ativas ou de starburst, isto é, com surtos de formação estelar”, afirma a professora Elisabete de Gouveia Dal Pino, que orientou a tese de doutorado de Saqib Hussain, no IAG, ponto de partida para a elaboração do artigo publicado na revista Nature Communications. “Essa radiação não tem efeito direto sobre a superfície da Terra, mas fornece informações sobre fontes astrofísicas.”

A pesquisa determinou a contribuição dos aglomerados de galáxias para a radiação DRGB proveniente de sua matéria visível, quer dizer, do gás e de seu interior. A professora do IAG enumera os métodos aplicados para obter os resultados: “Usamos simulações magneto-hidrodinâmicas, que são ferramentas para descrever o comportamento macroscópico de fluidos magnetizados, tridimensionais cosmológicas de aglomerados de galáxias, combinadas com simulações numéricas Monte Carlo, um método para estimar soluções mais prováveis de um evento com múltiplas possibilidades, para reproduzir a propagação de raios cósmicos com altas energias e obter suas perdas por emissão, ou seja, por cascateamento em fótons e partículas secundárias.”

Matéria escura

“Nossos resultados são diretamente comparados com as observações existentes da radiação em raios gama obtidas pelo telescópio espacial Fermi. Usamos também limites superiores de outros instrumentos sensíveis à emissão de raios gama, como o observatório High Altitude Water Cherenkov (HAWC), instalado no México, e o Chicago Air Shower Array (Casamia), nos Estados Unidos”, relata Elisabete Dal Pino. “Além disso, também comparamos com as curvas de sensibilidade previstas para instrumentos futuros como o Cherenkov Telescope Array (CTA), colaboração na qual nosso grupo está diretamente envolvido através de projeto temático da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Verificamos que os aglomerados de galáxias parecem explicar 100% das emissões mais potentes, acima de 100 Gigaelétrons-volts (GeV).”

Elisabete M. de Gouveia Dal Pino - Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Elisabete M. de Gouveia Dal Pino - Foto: Marcos Santos/USP Imagens

De acordo com a professora do IAG, a emissão difusa de raios gama é fundamental para os estudos cosmológicos sobre a origem da matéria escura do Universo. “Sabemos que ela só interage com a matéria visível através da força gravitacional, no entanto, partículas de matéria escura do tipo WIMPs (partículas massivas de interação fraca, na sigla em inglês) interagem entre si, e sua colisão e aniquilação resultam na produção de raios gama”, destaca. “Com os telescópios de raios gama, e em particular com o CTA, que será o maior e mais sensível jamais construído, poderemos investigar também a matéria escura através do sinal que ela pode produzir. Daí, separar a emissão da matéria visível no DGRB é fundamental. Isso é o que fizemos neste trabalho, determinar a contribuição vinda dos aglomerados de galáxias.”

Além da professora Elisabete de Gouveia Dal Pino e de Saqib Hussain, atualmente no Gran Sasso Science Institute, na Itália, a pesquisa teve a participação do pesquisador de pós-doutorado do IAG, Rafael Alves Batista, hoje na Universidad Autónoma de Madrid, na Espanha, e Klaus Dolag, da University Observatory Munich e do Max Planck Institute for Astrophysics, na Alemanha. O artigo sobre o estudo, The diffuse gamma-ray flux from clusters of galaxies, foi publicado na revista Nature Communications em 29 de abril. “O paper levou um ano para ser aceito, foi um longo e difícil processo, mas valeu a pena”, conclui a professora.

Mais informações: e-mail dalpino@iag.usp.br, com a professora Elisabete Maria de Gouveia Dal Pino


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