A Caverna do Diabo, Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar), município de Eldorado. O parque abriga mais de 300 cavernas, cujas cavidades internas são compostas de calcário – Foto: W. Sallun Filho

Inventário do patrimônio geológico do Estado de São Paulo gera mapa interativo com 142 geossítios

Levantamento realizado entre 2013 e 2015 traça história geológica do Estado, resultando em inventário flexível e dinâmico, que pode ser atualizado

21/09/2020
Por Ivanir Ferreira
Arte: Beatriz Abdalla/Jornal da USP

Pesquisadores do Núcleo de Apoio à Pesquisa em Patrimônio Geológico e Geoturismo (GeoHereditas) finalizaram a primeira etapa do inventário do patrimônio geológico do Estado de São Paulo. O levantamento, que ocorreu entre os anos de 2013 e 2015, resultou em um grande mapa interativo geológico, contendo informações de 142 geossítios inventariados com base em relevância científica. Subdividido em onze categorias geológicas (formações rochosas, minerais, águas, cavernas, fósseis, relevos, dentre outros), que podem ser visualizadas separadamente ou em conjunto, o mapa pode ser consultado para diversos fins: turístico, didático ou científico.

Coordenadora do projeto de inventário geológico do Estado de São Paulo: Maria Glória Motta Garcia, geóloga e professora do Instituto de Geociências (IGc) da USP – Foto: cedida pela pesquisadora

“Os geossítios representam a história geológica do Estado de São Paulo”, relata ao Jornal da USP Maria Glória Motta Garcia, geóloga e professora do Instituto de Geociências (IGc) da USP, onde está sediado o GeoHereditas. Segundo a pesquisadora, a proposta do projeto foi gerar conhecimento para o uso sustentável dos recursos naturais e para compreender a história evolutiva do planeta Terra e dos eventos e processos geológicos (vulcões, geleiras e deslocamentos e placas tectônicas, por exemplo) que vêm ocorrendo há bilhões de anos e que contribuíram para formar as paisagens que hoje conhecemos.

O mapa interativo geológico utiliza tecnologia geoespacial (plataforma Google My Maps) e pode ser acessado por qualquer pessoa que deseja conhecer sobre a geodiversidade (elementos e processos geológicos que deram origem à Terra) ou fazer passeios virtuais às belas paisagens dos geossítios inventariados. Algumas delas, inclusive, já bem conhecidas e exploradas do ponto de vista turístico, como é o caso das cavernas, grutas e falésias que estão situadas no sul do Estado de São Paulo. No mapa, estão na categoria Cavernas e Sistemas Cársticos. O Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar), por exemplo, abriga mais de 300 cavernas, cujas cavidades internas são compostas de calcário, arenito e granito. A caverna de Santana é uma das mais visitadas. Estima-se que ela tenha cerca de 2 milhões de anos, aproximadamente.

Mapa interativo do patrimônio geológico do Estado de São Paulo – Foto: Reprodução/Geociências USP

Cama de Anchieta

Outra categoria do mapa destacada pela geóloga é a Terrenos pré-cambrianos, onde há o registro do geossítio Migmatitos Amparo, que está localizado no município de Amparo, leste do Estado. No local, existem pedreiras abandonadas com as rochas mais antigas do Estado, que datam de 3 bilhões de anos, e que foram formadas por altas pressões e temperaturas em locais profundos na crosta terrestre, relata a geóloga.

Outros  locais incluídos nesta categoria também já são atrativos turísticos, como os Ortognaisses da Cama de Anchieta, em Itanhaém, e os Granulitos de Peruíbe, que estão numa região de praia. Existe uma lenda de que a formação rochosa que fica entre a Praia da Gruta e a Praia do Sonho era o lugar preferido do padre José de Anchieta para descanso e inspiração para compor seus poemas.

Cama de José de Anchieta, rochas entre a Praia da Gruta e a Praia do Sonho, Itanhaém, Litoral Paulista – Foto: Prefeitura de Itanhaém

A professora Glória conta que o trabalho de campo nestes locais é sempre pitoresco. As pessoas que estão se divertindo ou tomando sol veem com estranheza o grupo de pesquisadores de calça comprida, chapéu e martelo em pleno sol e muitas vezes nos fins de semana, relata.

Em Unidades geomorfológicas e geoformas, consta o “Pico do Jaraguá”, cujo relevo é formado por rochas maciças de quartzito, material de difícil desgaste erosivo. O Pico do Jaraguá está situado no bairro do Jaraguá, a oeste da Serra da Cantareira e possui o ponto mais alto do município de São Paulo, com altitude de 1.135 metros. Nesta mesma categoria, também é possível conhecer virtualmente o “Morro do Diabo”, que fica no extremo oeste do Estado, no município de Teodoro Sampaio, próximo ao encontro dos rios Paraná e Paranapanema. O morro é formado por processos geológicos de arenitos endurecidos (silicificados) de depósitos de dunas de um antigo deserto chamado de Caiuá, que existiu há cerca de 90 milhões de anos, no período Cretáceo.

Passeios virtuais

Segundo a geóloga, as pesquisas do inventário deram origem a um projeto voltado para o Parque Estadual do Jaraguá e para outras unidades de conservação da Região Metropolitana de São Paulo, usando tecnologias como ação estratégica para incentivar a proteção e divulgação da geodiversidade. Nos passeios virtuais, é possível descobrir como se formaram as paisagens locais, conhecer um pouco mais sobre a exploração de ouro na região e refletir sobre a importância de se ter essa área protegida na cidade.

Passeios geoturísticos

Uma iniciativa GeoHereditas

Conheça um pouco do trabalho dos geocientistas

Segundo a geóloga, que coordenou o projeto Patrimônio geológico do Estado de São Paulo: identificação, conservação e avaliação de geossítios de valor científico com relevância nacional e internacional, o inventário envolveu pesquisadores de diferentes áreas e instituições de pesquisas. O método utilizado seguiu um modelo desenvolvido pela Associação Europeia para Conservação do Patrimônio Geológico (ProGeo), envolvendo várias etapas: definição das categorias geológicas do Estado e a vinculação destas aos pesquisadores que fizeram a seleção dos lugares que deveriam ser incluídos. Com base em suas  experiências e consulta a outros colegas, os especialistas  fizeram uma lista preliminar dos locais que poderiam entrar no inventário.

De posse destes dados, foi dado início aos trabalhos de campo, que consistiram na verificação desses pontos para ver se ainda existiam ou haviam sido destruídos, se ainda estavam em boas condições de verificação e também para selecionar o melhor ponto dentre alguns que eram parecidos. Segundo a geóloga, essa parte foi extremamente importante e, “infelizmente, verificamos que muitos afloramentos importantes, que inclusive eram utilizados pelos professores para levar os alunos em aulas de campo, não existiam mais. Em seguida, cada geossítio recebeu valoração baseada em dois parâmetros, o valor científico e o risco de degradação, seja por processos naturais ou pela ação do homem. A partir dessas etapas, fizemos a listagem final dos geossítios por categoria”, diz.

O inventário do patrimônio geológico do Estado de São Paulo é flexível e dinâmico. No futuro, há a possibilidade de serem acrescidos outros lugares à lista. No site, foi disponibilizado formulário para indicação de novos geossítios.

O projeto Patrimônio geológico do Estado de São Paulo: identificação, conservação e avaliação de geossítios de valor científico com relevância nacional e internacional que deu origem ao mapa foi feito em parceria com a Universidade do Minho (Portugal) e a empresa Geodiversidade Soluções Geológicas Ltda. Também participaram do projeto o Instituto Geológico (IG/SIMA/SP), a Universidade de Campinas (Unicamp), a Universidade Estadual Paulista (Unesp), a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e o Serviço Geológico do Brasil (CPRM).

Mais informações: Maria da Glória Motta Garcia e-mail mgmgarcia@usp.br, ou Karolina von Sydow (11) 95638-8829


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