A Dieta de Saúde Planetária é composta, predominantemente, por produtos de origem vegetal, integrais, com pouca participação de carnes e carnes processadas. Dados preliminares mostram que quanto maior a adesão a essa dieta, menores são os valores de pressão arterial, tanto sistólica quanto diastólica, de colesterol total e do colesterol não HDL - Foto: Pixabay

Grupo da USP vai avaliar os efeitos do consumo alimentar do brasileiro ao longo do tempo

Pesquisadores da Faculdade de Saúde Pública também querem investigar parâmetros cardiovasculares associados ao excesso de peso

 25/05/2022 - Publicado há 2 anos

Texto: Fabiana Mariz

Arte: Rebeca Fonseca

Com a disponibilização dos dados relativos às segunda e terceira ondas do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil), o Grupo de Estudos Epidemiológicos e Inovação em Alimentação e Saúde (Geias) da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP pretende, agora, estudar os efeitos do consumo alimentar ao longo do tempo. É o que explica, ao Jornal da USP, a professora da FSP e coordenadora do grupo, Dirce Marchioni.

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Além disso, eles pretendem continuar com a investigação dos efeitos da Dieta de Saúde Planetária (proposta pela Comissão EAT-Lancet, da revista científica The Lancet), baseada em uma extensa revisão bibliográfica, com a intenção de ser promotora da saúde humana e do planeta. É composta, predominantemente, de produtos de origem vegetal, integrais, com pouca participação de carnes e carnes processadas.

“Números preliminares nos mostram que, quanto maior a adesão a essas recomendações, menores são os valores de pressão arterial, tanto sistólica quanto diastólica, de colesterol total e do colesterol não HDL”, antecipa Leandro Cacau, pesquisador do Geias.

O Elsa-Brasil é uma coorte (acompanhamento de longo prazo) iniciada em 2008 que investiga na população brasileira a incidência e fatores de risco para doenças crônicas, em particular, as cardiovasculares (acidente vascular cerebral, hipertensão, arteriosclerose, infarto, entre outras) e outras associadas. Participam do estudo cerca de 15 mil pessoas, de várias regiões do País, com idade entre 35 e 74 anos. Eles serão novamente convocados no próximo mês de agosto para entrevistas e exames que identifiquem uma possível evolução dos fatores de risco para essas doenças – que são consideradas a principal causa de mortalidade no Brasil e no mundo.

O grupo da FSP tem como foco o estudo de consumo alimentar em diversos ângulos, desde a ingestão de nutrientes (como magnésio), alimentos (como café) e indicadores de qualidade da alimentação. Desenvolve, também, métodos de aferição do consumo alimentar e investigam o desempenho desses métodos.

O trabalho mais recente da equipe foi publicado em novembro de 2021 na revista Nutrients. Com o objetivo de avaliar a adesão a uma dieta saudável e sustentável e a sua relação com a obesidade, Cacau, que é nutricionista de formação, usou dados da linha de base do Elsa-Brasil. Os resultados mostraram que, quanto mais se adere a esse tipo de alimentação, menores são os valores do Índice de Massa Corporal (IMC) e da circunferência da cintura (CC).

IMC é um parâmetro adotado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para estabelecer o peso ideal de cada pessoa. É calculado dividindo o peso do paciente pela sua altura elevada ao quadrado. Se o resultado for entre 18,5 e 24,9, diz-se que ela tem peso normal. Já a circunferência da cintura, a depender do tamanho, é um dado que deve ser tratado com atenção. A gordura que se acumula na região está associada ao aumento da mortalidade geral. 

Leandro Cacau – Foto: Arquivo Pessoal

Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), dietas saudáveis e sustentáveis são padrões alimentares que promovem saúde e bem-estar às pessoas, têm baixo impacto ambiental, são acessíveis, seguras e culturalmente aceitáveis. “A discussão sobre o assunto tende a crescer, pois já é evidente e consensual que o modo que nos alimentamos e que produzimos alimentos tem culminado em uma situação de má nutrição, com o crescimento contínuo da obesidade nas populações, persistência da fome (que voltou a crescer em 2018/2019 e “explodiu” na pandemia) e a emergência climática, explica a professora Dirce Marchioni.

Foram utilizadas informações de 14.515 participantes do Elsa-Brasil, coletadas entre agosto de 2008 e dezembro de 2010. Os dados dietéticos foram avaliados por meio de um questionário composto de 114 itens alimentares.

O índice PHDI

Para se chegar aos resultados, o trabalho começou bem antes, com a criação – e posterior validação – do Índice de Dieta de Saúde Planetária (PHDI). Trata-se de um indicador que contém 16 componentes baseados no consumo de grupos alimentares incluídos na Dieta de Saúde Planetária. Os dados geram um escore, que vai de zero a 150. Uma maior pontuação significa maior adesão a esta dieta e, portanto, mais saudável e sustentável. 

“Quando temos uma dieta modelo como a do EAT-Lancet, são indicadas as quantidades de ingestão de alimentos, mas não há como saber se a população está seguindo as recomendações”, relata. “O nosso índice foi criado justamente para avaliar essa adesão.”

Na pesquisa realizada por Cacau, as pessoas que atingiram PHDI mais altos eram idosos, se autodeclararam brancos ou de outras raças, não fumantes e tinham alta renda per capita. Além disso, não faziam uso excessivo de álcool, praticavam níveis elevados de atividade física, eram diabéticos e hipertensos.

O estudo mostrou, ainda, que pessoas com os maiores escores de PHDI tinham 24% menos chances de estarem acima do peso ou de serem obesas. 

“O ineditismo do nosso trabalho está em utilizar um indicador baseado em uma dieta saudável e sustentável para relacionar com obesidade, que é considerada uma pandemia e um dos mais importantes problemas de saúde pública da atualidade”, comenta Dirce. “É um tema extremamente atual, que tem estado cada vez mais em pauta ao abordar o conceito de One Health, ou seja, a saúde humana e do planeta.”

Dirce Marchioni – Foto: Divulgação/FSP USP

Saúde e ambiente interligados

Antes de ser usado neste estudo, o PHDI foi testado em diferentes estratégias. Em um dos estudos, que deu origem a um outro artigo científico, o PHDI foi aplicado para avaliar hábitos alimentares de mais de 46 mil brasileiros. 

A amostragem utilizada vem do Inquérito Nacional de Alimentação (INA) realizado junto à Pesquisa de Orçamentos Familiares (INA/POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que é apoiado pelo Ministério da Saúde. O INA avalia o consumo alimentar individual das famílias brasileiras sorteadas para participarem da POF entre os anos de 2017 e 2018.

Os resultados mostraram que a população brasileira atinge apenas cerca de 30% das recomendações para uma dieta saudável e sustentável proposta pela Comissão EAT-Lancet. Quando avaliadas por regiões geográficas, a região Sudeste atinge cerca de 32%, enquanto a região Nordeste atinge cerca de 29%. 

Foto: Freepik

As mulheres possuem maior adesão a uma dieta saudável e sustentável, o mesmo acontece para os brasileiros com idade acima de 31 anos. Brasileiros com maior renda per capita também possuem maior adesão a essa dieta, junto dos brasileiros que vivem em áreas urbanas.

Os principais grupos alimentares que merecem atenção são os alimentos de origem animal (carne vermelha, laticínios, frango e outras aves, ovos), que foram baixos entre a população brasileira, indicando elevado consumo. Por outro lado, os cereais integrais e oleaginosas tiveram as menores pontuações, indicando consumo aquém do recomendado.

Trabalho no exterior

O pesquisador está, atualmente, na Bélgica, para fazer uma parte do seu doutorado-sanduíche. Lá ele conduz um trabalho que quer avaliar a adesão do público adolescente baseada na Dieta de Saúde Planetária. “Estamos trabalhando com dados de dez cidades da Europa e em breve teremos mais dados para publicar”, anima-se.

Mais informações: e-mail lcacau@usp.br, com Leandro Cacau;  e-mail marchioni@usp.br, com Dirce Marchioni

Veja, neste link, outras pesquisas realizadas pelo Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil)


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