Em Ribeirão Preto, nível de chumbo em esmalte dental de criança cai 60%, mas ainda é alto

Queda pode estar ligada a mudança nas atitudes humanas, políticas adequadas de descarte de equipamentos com chumbo e abandono do uso do metal na gasolina

 01/10/2020 - Publicado há 4 anos
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Limite para a presença de chumbo no esmalte dental é de 300 partes por bilhão (ppb). Em 2008, pesquisa constatou que a quantidade de chumbo encontrada no esmalte dental das crianças de Ribeirão Preto estava em 1.335 ppb.  Um novo estudo, em 2020, mostrou que está atualmente em 514 ppb – Foto: Michal Jarmoluk via Pixabay – CC

Em 2008, um estudo que analisou o esmalte dental de crianças de Ribeirão Preto encontrou uma quantidade de chumbo quase cinco vezes maior do que o limite considerado inofensivo ao organismo humano. Agora, surge uma boa notícia. Uma nova pesquisa constatou que os níveis do metal nos dentes das crianças da cidade diminuíram 60%, porém, continuam acima do limite.

O primeiro estudo, realizado em 2008 pelo Laboratório de Proteínas e Histologia, da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp) da USP, apontou que a quantidade de chumbo encontrada no esmalte dental das crianças da cidade estava em 1.335 partes por bilhão (ppb). O limite para a presença deste metal no esmalte dental é de 300 ppb.

Agora, em 2020, segundo dados coletados pelo biólogo Renê Seabra Oliezer e utilizando a mesma metodologia, esse índice ficou em 514 ppb –  ainda considerado alto, mas com uma diferença de 821 ppb em relação aos resultados do estudo anterior.

Oliezer, autor da pesquisa de mestrado apresentada em janeiro deste ano na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP), conta que a diferença entre os dois estudos pode estar relacionada a diversas mudanças nas atitudes humanas e em políticas públicas de descarte de baterias e equipamentos industriais que usam o metal em sua composição. O pesquisador também cita a interrupção, em 1989, da adição de chumbo à gasolina brasileira como fator que pode ter influenciado a queda dos níveis de chumbo no esmalte.

Área industrial ainda concentra maiores índices

A pesquisa de Oliezer analisou o esmalte de 80 dentes de leite e, além do chumbo, também encontrou manganês, zinco, arsênio, cádmio e mercúrio. Ele conta que ao relacionar a quantidade desses metais com as regiões da cidade de onde as amostras vieram, observou que os maiores índices de contaminação vinham de crianças moradoras das zonas norte, leste e sul de Ribeirão Preto, setores urbanos “onde temos uma maior concentração de indústrias que liberam substâncias nocivas ao meio ambiente”. 

Por outro lado, o pesquisador verificou que, nas regiões centrais, os valores desses metais nos dentes era menor. Como exemplo, cita o caso do arsênio que, na região sul, alcançou a marca dos 8,5 mil partes por bilhão, enquanto na oeste teve o menor valor encontrado, 2,08 mil ppb. 

Confira na tabela abaixo os valores encontrados nas quatro regiões de Ribeirão Preto:

Para o biólogo, o que chama a atenção é a diferença entre os valores mínimos e máximos encontrados. Cita como exemplo o valor de arsênio, com o menor índice de 50 ppb contra 8.522 ppb do maior, “uma discrepância muito grande”.

Já em relação ao zinco e ao manganês, é preciso ressaltar que o organismo humano necessita de quantidades equilibradas desses elementos para o seu bom funcionamento.

Mas, segundo Oliezer, a preocupação vem do fato de que os outros elementos químicos não deveriam ser encontrados no corpo humano, já que “são substâncias que não têm função no nosso organismo”. Ele diz que o ideal seria não encontrar nada, pois os metais não possuem nenhuma função biológica, portanto ficam retidos. “O pouco que tem já pode ser prejudicial”, diz. 

O pesquisador adianta que, até o momento, não existem informações científicas quanto a possível relação de morbidade com a quantidade desses metais no esmalte dental. “O uso do esmalte como biomarcador é algo novo e tem poucas pesquisas com isso, então ainda deve ser regulamentado. O único que a gente tem conhecimento é o [limite máximo] de 300 ppb para o chumbo.”

Quanto aos possíveis efeitos desses metais no organismo humano, o pesquisador lembra que outras pesquisas, ao longo de décadas, já revelaram que eles podem ser “tóxicos ao sistema nervoso” e causar problemas neurológicos, como deficiências cognitivas, perda de visão, audição e de coordenação motora e sensorial. “As crianças que se expõem podem ter dificuldades cognitivas e comportamentais, o que as levam, muitas vezes, ao isolamento social e dificuldades no desenvolvimento escolar”, afirma.

Excelente biomarcador, esmalte dental resiste a fatores ambientais

Os dentes foram coletados pela campanha Doe seu Dentinho, realizada pelo pesquisador e sua orientadora, a professora Raquel Fernanda Gerlach, da Forp, que arrecadou dentes de leite de crianças de sete a oito anos, nascidas em Ribeirão Preto, entre janeiro de 2010 e maio de 2011. O objetivo foi analisar a possível exposição da população a metais pesados, como o chumbo, durante a gestação e a primeira infância.

Biólogo Renê Seabra Oliezer – Foto: Arquivo pessoal

Oliezer conta que o esmalte das amostras foi analisado através da técnica de Espectrometria de Massas em Plasma Indutivamente Acoplado, capaz de detectar a presença dos metais mesmo em concentrações bem baixas. E que escolheu o esmalte dental para os estudos já que “é um excelente biomarcador que pode resistir a diversos fatores ambientais, possui fácil coleta, não é invasivo e é de baixo custo”. 

O próximo passo da pesquisa, informa, é analisar os níveis tóxicos de concentração desses metais e as possíveis fontes de exposição em ambientes urbanos. O pesquisador diz que pretende relacionar os índices de contaminação com dados socioeconômicos e hábitos que possam influenciar nessa exposição e identificar que tipo de população está mais exposta à intoxicação. “No meu doutorado, pretendemos analisar amostras maiores. Ao invés de coletarmos os dentes, vamos fazer a biópsia in vivo em adultos e crianças”, conta.

A pesquisa de Oliezer é resultado da dissertação de mestrado em Psicobiologia, Análise da presença de metais no esmalte em dentes decíduos de crianças residentes em regiões distintas da cidade de Ribeirão Preto – SP: relações neurotóxicas e abertura de dados junto às comunidades escolares. O pesquisador foi orientado pela professora Raquel Fernanda Gerlach, da Forp, e apresentou seu mestrado em janeiro deste ano.

Mais informações: e-mail reneseabra@usp.br, com Renê Seabra Oliezer


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