Do vulcão ao gelo: microrganismos da Antártica são essenciais para a saúde do Planeta

Pesquisa inédita investiga microbiomas antárticos, que vão de altas temperaturas de área vulcânica às camadas de neve do interior do continente

 29/11/2023 - Publicado há 5 meses     Atualizado: 30/11/2023 as 13:50

Texto: Ivan Conterno*
Arte: Carolina Borin**

Estudo da USP analisou vulcão ativo nas Ilhas Shetland do Sul — próximo à Península Antártica — e de neve continental a 670 quilômetros do Polo Sul geográfico - Foto: Cedida por Vivian Pellizari

Um estudo recente revelou comunidades microbianas da Antártica que desempenham papéis vitais em diferentes ecossistemas, o que ajudará a saber como elas podem ser afetadas pelas mudanças ambientais. “Muitas pessoas podem imaginar que na Antártica é tudo gelo, tudo neve, mas vemos nesse trabalho que existem habitats muito diferentes, desde um vulcão ativo até sedimentos marinhos”, conta Amanda Gonçalves Bendia, pesquisadora do Instituto Oceanográfico (IO) da USP que conduziu o estudo.

Os resultados publicados nos Anais da Academia Brasileira de Ciências mostram como bactérias e arqueias, organismos com apenas uma célula e invisíveis a olho nu, podem se dispersar para o interior do continente. Os pesquisadores analisaram amostras de sedimentos marinhos, solo, água do mar, fumarolas (gases e vapor d’água) de um vulcão ativo nas Ilhas Shetland do Sul — próximo à Península Antártica — e neve continental a 670 quilômetros (km) do Polo Sul geográfico.

Pesquisadores analisaram amostras de sedimentos marinhos, solo, água do mar, fumarolas de um vulcão e neve continental - Imagem: Amanda Bendia e outros autores/Academia Brasileira de Ciências

“Nós selecionamos as amostras que empregaram a mesma metodologia de sequenciamento, possibilitando compararmos os microbiomas nos diferentes habitats antárticos”, explica Vivian Helena Pellizari, professora do IO que coordenou a pesquisa.

Os sedimentos marinhos estudados tiveram maior diversidade de microrganismos que os demais ambientes. De acordo com a pesquisadora, em cada camada são depositados diversos microrganismos trazidos de outros habitats. “Nós não conseguimos afirmar por que há maior diversidade, mas provavelmente é por deposição e acúmulo de células junto às partículas de sedimento.”

Na superfície da água do mar, há uma predominância de microrganismos especializados, como cianobactérias, que realizam fotossíntese, produzindo oxigênio sob a luz do Sol.

No solo, onde há degelo, foram encontradas espécies relacionadas ao ciclo do nitrogênio e que degradam compostos orgânicos deixados pelas aves e mamíferos, que vivem nas áreas costeiras.

Perto dos vulcões havia mais microrganismos que usam o enxofre e são adaptados a temperatura extremas, acima de 100 graus celsius — denominados hipertermófilos; próximo a geleiras, foram observadas arqueias que produzem metano. 

Fotos da expedição, que teve apoio do Programa Antártico Brasileiro (Proantar) e contou com o suporte da Estação Antártica Comandante Ferraz - Fotos: cedida por Vivian Pellizari e Amanda Bendia

A dispersão dessas espécies pela atmosfera antártica é um desafio para esses organismos segundo Amanda. “Eles são transportados para um ar muito frio e com radiação ultravioleta intensa, então as células podem ser degradadas até chegar ao interior do continente. Só as que estão muito adaptadas àquela condição conseguem sobreviver.”

Uma explicação para a dispersão dos microrganismos seria que, recentemente, os fenômenos conhecidos como ciclones-bomba têm promovido uma transferência mais intensa de partículas suspensas no ar sobre os oceanos que contêm componentes biológicos (bioaerossóis marinhos) para a atmosfera. Essas partículas são transportadas por longas distâncias e depositadas na neve. Porém não é possível ainda dizer a quais consequências isso pode levar.

“O fenômeno já ocorria antes, mas agora com as mudanças climáticas tem acontecido em uma frequência maior. Sendo depositados na neve, não se sabe se eles vão se manter inativos ou ativos”, explica Vivian Pellizari. “Além disso, os bioaerossóis podem influenciar a reflectância da luz solar”, complementa Amanda Bendia.

Amanda Bendia - Foto: Ivan Conterno/Jornal da USP

Amanda Bendia - Foto: Ivan Conterno/Jornal da USP

Conhecer para preservar

As comunidades microbianas são essenciais para a saúde do Planeta. De acordo com a professora, esse foi um dos primeiros artigos científicos sobre a dispersão de microrganismos na neve no interior do continente antártico e ainda há poucos sobre os sedimentos marinhos na Antártica, principalmente em regiões de mar profundo.

Ela enfatiza que esse conhecimento poderá servir de base para entender os efeitos da temperatura e outros parâmetros nas comunidades microbianas ao longo do tempo, usando ferramentas de machine learning e bioinformática. “Os dados genéticos sequenciados gerados ficam em um banco de dados que pode ser usado por outros pesquisadores.” Assim, os computadores podem prever algumas consequências das mudanças climáticas através de simulações.

Fumarola liberando bolhas de gás de fonte geotermal. Próximo aos vulcões, há microrganismos hipertermófilos, que são adaptados a temperaturas acima de 100 graus celsius - Foto: Cedida por Vivian Pellizari

Expedições para a Antártica

Os cenários projetados para os próximos anos de aumento de gás carbônico na atmosfera poderão ser relacionados com as informações da diversidade microbiana da Antártica. “A diversidade de algumas espécies poderia sofrer muitas alterações dependendo do cenário climático futuro. Conhecer a diversidade atual irá ajudar a entender como o papel dos microrganismos nos ciclos biogeoquímicos será alterado frente às mudanças climáticas.”

A neve foi coletada no Módulo Criosfera 1, uma base no interior do continente, pelo professor Heitor Evangelista, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). A neve é processada e filtrada ainda no módulo.

As amostras de água precisam ser filtradas também no local. Nesse caso, somente o filtro é congelado para ser estudado. Os materiais de coleta com as amostras chegam de navio ao Brasil para análise em laboratório e posterior extração de DNA.

Para essa expedição, as pesquisadoras tiveram apoio do Programa Antártico Brasileiro (Proantar), a bordo do Navio Polar Almirante Maximiano e contando com o suporte da Estação Antártica Comandante Ferraz. A viagem ao continente (módulo Criosfera1) contou com a coordenação da Uerj e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia da Criosfera (INCT-Criosfera).   

No laboratório, as células são quebradas e o DNA é separado de outras biomoléculas, como proteínas, carboidratos e lipídeos.

Após o sequenciamento do material genético, é possível determinar a quais grupos taxonômicos pertencem os microrganismos presentes na amostra a partir de ferramentas de bioinformática.

As análises foram feitas no Laboratório de Ecologia Microbiana do IO, coordenado pela professora Vivian, e a pesquisa será continuada pelo recém-criado Laboratório de Extremófilos Marinhos do IO, sob a coordenação de Amanda Bendia, que trabalhará com microrganismos de ambientes marinhos extremos.

O trabalho também teve o apoio do projeto MonitorAntar, custeado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), e do Microsfera, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) através do Programa Antártico Brasileiro (Proantar).

Vivian Helena Pellizari - Foto: Ivan Conterno/Jornal da USP

Vivian Helena Pellizari - Foto: Ivan Conterno/Jornal da USP

Mais informações: e-mails amandagb@usp.br, com Amanda Bendia, e vivianp@usp.br, com Vivian Pellizari

*Estagiário sob orientação de Valéria Dias

**Estagiária sob orientação de Moisés Dorado

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