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Estudo realizado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP buscou compreender como a distribuição de livros em escolas públicas beneficia o jovem, e qual a efetividade de iniciativas do gênero. A partir de entrevistas com estudantes de dez colégios amparados pelo programa Apoio ao Saber, localizados na cidade de Santo André, no ABC paulista, a professora Denísia Moraes notou uma identificação inesperada entre alunos e obra. Os discursos presentes em O Diário de Anne Frank, livro mais lido entre eles, relacionam-se à temática da intolerância humana e se assemelham aos discursos que atravessam o contexto socio-histórico-cultural do jovens.
Para chegar a esta percepção, ela conversou com centenas de estudantes no último ano do ensino médio que tinham lido o Diário, e analisou seus relatos. O resultado foi uma mistura de identificação pessoal dos adolescentes com a personagem Anne, apesar dos cenários tão distantes. “O livro escolhido chama a atenção pelas marcas de discurso que estão em nossa sociedade.”
Anne Frank e o adolescente paulista estão separados por milhares de quilômetros e mais de meio século. Certamente, não se pode comparar o contexto da Segunda Guerra com uma cidade do ABC paulista. Mas Denísia Moraes aponta fatores que se assemelham e geram empatia dos estudantes com a obra. Ela identifica questões que geram nos alunos o mesmo desconforto vivido por Anne. A professora comenta a identificação com a angústia e o sofrimento da personagem em relação a marcas de discurso que circulam pela sociedade. “Nas entrevistas, está marcado desconforto com a exclusão e a intolerância, que estão cada vez mais fortes”, diz. Racismo, desigualdade social e outros problemas estruturais também são questões fortes no Brasil, e ela enxerga, na literatura, o entendimento entre personagem e leitor.
A voz do outro
A pesquisadora também destaca a importância do outro na tomada de iniciativa do estudante para a leitura. O termo parece abstrato, mas se aproxima de exemplos concretos e próximos de cada um. Pode variar entre um parente, um professor, uma resenha crítica postada ou até mesmo cartazes em cinemas. São objetos socioculturais e espaciais que geram a vontade. Em tese, é um mediador entre a obra e o leitor.
Mas a estudiosa vai além, e considera o outro como parte do processo de aprendizado e leitura.“Não há resposta universal para conduzir o jovem a ler.” Entretanto, segundo ela, o outro institui a relação e o interesse no adolescente. “O outro permeia a relação entre o estudante e o livro, é indissociável.”
Para ela, o programa Apoio ao Saber constituiria esse mediador, mas é preciso que os responsáveis planejem essa figura como constituinte no caminho entre o jovem e o livro. “Distribuir livros é importante, mas é apenas o ponto de partida, e não de chegada.”
O programa de leitura Apoio ao Saber foi uma medida da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo que durou seis anos (entre 2009 e 2015). Nesse período, o governo do Estado destinou cerca de 43,6 milhões de livros a alunos da rede pública estadual – incluindo Ensino Fundamental, Ensino Médio e EJA, Educação de Jovens e Adultos.
As perguntas-chaves do estudo de Denísia eram que fim esses livros levavam e o impacto do programa entre estudantes. Posteriormente, ela aplicaria teoria literária para analisar a iniciativa. Para chegar à resposta, Denísia foi a campo. Na primeira etapa da pesquisa, em 2015, foi aplicado um questionário para concretizar o recorte: nas escolas selecionadas, qual era o livro mais lido pelos estudantes? Essa foi a guia para a próxima parte do estudo. O questionário revelou que a obra mais popular era O Diário de Anne Frank. Isso deu a base para as entrevistas, a segunda etapa da pesquisa, realizada em 2017. As pesquisas resultaram na tese de doutorado Alteridade nos Relatos Orais de Estudantes do Ensino Médio: Leitura Literária de ‘O Diário de Anne Frank’, orientada por Maria Inês Batista Campos na FFLCH.
O Diário de Anne Frank vendeu 30 milhões de cópias em todo o mundo e foi traduzido para 70 idiomas. Como o nome diz, são os relatos escritos de Anne, uma adolescente de origem judaica que, durante a Segunda Guerra Mundial, vive escondida dos nazistas com sua família em Amsterdã, na Holanda. Ela relata sua rotina no esconderijo e sua vida antes do conflito. Em 1944, foi encontrada e levada a um campo de concentração, falecendo no ano seguinte.
Mais informações: e-mail denisia.moraes@hotmail.com, com Denísia Moraes