Pesquisa forense pode usar genômica para ajudar a resolver crimes

Projetos da USP em genética de populações, genética forense e antropologia molecular poderão ajudar na identificação de criminosos

 12/07/2018 - Publicado há 6 anos     Atualizado: 26/07/2018 às 16:28
Uma das possibilidades seria obter informações sobre as características físicas de indivíduos possivelmente envolvidos com o crime (por exemplo, cor da pele, olhos e cabelos), auxiliando no delineamento de investigações onde não há um suspeito prévio – Foto: Nasa’s Marshall Space/Flickr-CC

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Os mecanismos da hereditariedade, a programação de células embrionárias, o encurtamento dos telômeros (extremidades dos cromossomos, cuja diminuição está relacionada ao envelhecimento), são descobertas que surgiram de pesquisas em genética a partir do século 20. Hoje, muitos estudos da área estão associados com a resolução de problemas das populações humanas, como na saúde e segurança pública. A USP, por exemplo, vem desenvolvendo projetos relacionados à pigmentação da pele que poderão ajudar na identificação de criminosos.

Envolvendo a genética de populações, a genética forense e a antropologia molecular, parte desses trabalhos acontece no Laboratório de Pesquisas Forenses e Genômica (LPFG), do Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP. Um dos focos é a elucidação de mecanismos genéticos e moleculares envolvidos na biossíntese da melanina, uma proteína produzida por células denominadas melanócitos e que tem como principal função a proteção do DNA contra a radiação emitida pelo sol.

Os projetos poderão beneficiar duas grandes áreas. “A medicina personalizada poderia se beneficiar com a compreensão de mecanismos que possam levar a diferentes doenças caracterizadas por distúrbios pigmentares”, conta o professor Celso Teixeira Mendes Junior, da FFCLRP, um dos pesquisadores que têm se dedicado a esse tema.

“E a pesquisa forense poderia fazer uso de polimorfismos [variações na sequência do DNA de uma população] associados direta e indiretamente à variação dos diferentes fenótipos de pigmentação, em que estes poderiam ser analisados para encontrar tais variações em amostras biológicas em locais de crime. Assim, seria possível obter informações sobre as características físicas de indivíduos possivelmente envolvidos com o crime (por exemplo, cor da pele, olhos e cabelos), podendo auxiliar no delineamento de investigações onde não há um suspeito prévio”, complementa o professor.

No total, 288 amostras de DNA humano estão sendo analisadas no projeto denominado Sequenciamento de nova geração de genes envolvidos na biossíntese de melanina em amostra da população brasileira.

“Neste projeto, inicialmente, buscamos encontrar alelos e genótipos em genes específicos envolvidos no processo de biossíntese de melanina que pudessem estar associados à variação normal da pigmentação da pele, olhos e cabelos, e também outras características como a presença ou ausência de sardas na pele e estruturas secundárias presentes na íris. Para isso, sequenciamos as regiões regulatórias e codificantes de 16 genes diretamente envolvidos na produção de melanina”, conta Mendes Junior.

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Parcerias e expertises

O envolvimento de uma diversidade de pesquisadores e instituições mostra que essas pesquisas exigem muita expertise. “Sem as ferramentas ômicas atuais [que são capazes de analisar o DNA (genômica), o RNA (transcriptômica), as proteínas (proteômica) e os metabólitos (metabolômica)], o desenvolvimento deste projeto em parceria seria inviável. Com a análise de quase dois milhões de SNPs [regiões onde ocorrem variações na sequência do DNA], será possível identificar outros genes candidatos a influenciarem a variação normal da pigmentação humana. Isso nos levará a selecionar genes adicionais para estudos futuros, a fim de compreender detalhadamente o impacto de cada um na determinação da pigmentação. O maior desafio consiste em extrair toda a informação possível deste vasto conjunto de dados, evitando que seja utilizado de maneira superficial. Um desafio adicional está em individualizar os efeitos da ancestralidade, fator diretamente correlacionado com a pigmentação”, explica Celso.

Em 2017, a fim de complementar o estudo por meio da análise de imagens digitais dos olhos dos sujeitos da pesquisa, o então doutorando do LPFG Guilherme Debortoli realizou estágio no laboratório do professor Esteban J. Parra da University of Toronto, Mississauga (Canadá), com suporte da Coordenação de Aperfeiçoamento de Ensino Superior (Capes) por meio do Programa de Doutorado-Sanduíche no Exterior (PDSE).

A partir do projeto inicial, estabeleceu-se uma parceria para a realização de um estudo de maior abrangência nas amostras, conhecido como Análise de Associação em Larga-Escala (do inglês GWAS, Genome Wide Association Studies). “Este estudo permitirá analisar não apenas genes específicos associados à pigmentação, mas também a sítios polimórficos distribuídos pelo genoma completo”, diz Celso.

Dessa colaboração , nasceu um projeto de parceria internacional entre a USP, a University of Toronto Mississauga e a University of Cincinnati (Estados Unidos), sob o título Genome-wide association of quantitative pigmentary traits in admixed US populations, que tem como pesquisadora responsável a professora Heather Norton, da University of Cincinnati.

“As análises das amostras referentes a esta parceria estão sendo realizadas no Centro de Genômica Funcional da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, coordenado pelo professor Luiz Lehmann Coutinho”, conta Celso.

Outros pesquisadores estão associados a esses projetos, como o professor Esteban J. Parra, o professor Aguinaldo Luiz Simões e o professor Eduardo Antônio Donadi – ambos da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP –, bem como o pesquisador Erick Castelli da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Botucatu.

“Estudos dessa magnitude – com o uso de GWAS –, que visam elucidar a diversidade genética e os mecanismos envolvidos nos processos que envolvem a variação normal da pigmentação, são escassos no Brasil, sendo focados principalmente em populações de fora do continente sul-americano. Desta forma, esses estudos na população brasileira podem auxiliar em uma melhor compreensão desses processos, uma vez que temos uma grande diversidade genotípica e fenotípica, fruto da ampla miscigenação existente na população brasileira”, conta Guilherme, que recentemente defendeu o doutorado.

O projeto inicial, que realizou o sequenciamento de nova geração, contou com financiamentos brasileiros da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq). Já para a realização do projeto internacional, houve o investimento americano por meio do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, (DOJ – Department of Justice).

Tássia Oliveira Biazon, especial para o Jornal da USP

Mais informações: (16) 3315-0417 ou e-mail: ctmendes@ffclrp.usp.br

 

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