Descoberta abre caminho para novos tratamentos da leishmaniose e doença de Chagas

Informações são inéditas e devem ajudar no combate a doenças negligenciadas como as leishmanioses e o mal de Chagas

 22/09/2016 - Publicado há 8 anos
enzima pesquisadoras
Patricia Rosa Feliciano (à esq.) e Maria Cristina Nonato Costa vêm estudando há quase uma década enzima presente em parasitas – Foto: Divulgação

Cientistas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, com a colaboração da professora Catherine Drennan,do Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos EUA, desvendaram a estrutura atômica de uma enzima vital para parasitas causadores de graves doenças como as leishmanioses e as doenças de Chagas e do sono. O feito é inédito e de extrema importância para o controle de doenças negligenciadas que colocam em risco a saúde de 350 milhões de pessoas em todo o mundo.

Fumarato hidratase (FH) da Leishmania major (parasita causador da leishmaniose cutânea) é a enzima que as pesquisadoras Patricia Rosa Feliciano e Maria Cristina Nonato Costa vêm estudando há quase uma década. Esse tipo de enzima é essencial para a realização de processos metabólicos e manutenção da vida de vários organismos, como o parasita causador da leishmaniose e o da doença de Chagas.

Com a determinação da estrutura tridimensional (cada átomo e suas posições) dessa enzima, conseguiram ainda explorar seu mecanismo de ação. Essas informações podem, segundo as pesquisadoras, servir “como uma ferramenta para o desenvolvimento de novas terapias de combate a doenças negligenciadas”. As descobertas devem ajudar a descobrir formas de inibir a ação das FHs.

A professora Maria Cristina conta que, até o momento, não se conhecia a estrutura dessa classe de proteínas e, agora, abre espaço para “predizer a estrutura de várias outras enzimas da mesma classe, tanto do mesmo parasita, a Leishmania major, quanto de outros organismos”.

Enzima estudada também é essencial para a sobrevivência do Trypanosoma cruzi, parasita causador da doença de Chagas - Foto: Wikimedia Commons
Enzima estudada também é essencial para a sobrevivência do Trypanosoma cruzi, parasita causador da doença de Chagas – Foto: Wikimedia Commons

Outro achado importante, assinalado por Maria Cristina, foi o de que “o mecanismo de ação da FH do parasita é completamente distinto da FH humana”. A professora acredita que esse fato faz da enzima fumarato hidratase “um alvo ainda mais atraente” para o desenvolvimento de novas terapias contra as diferentes formas da leishmaniose e outras doenças negligenciadas.

O artigo Crystal struture of an Fe-S cluster-containing fumarate hydratase enzyme from Leishmania major reveals a unique protein fold acaba de ser publicado pela revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). As bases do trabalho são resultados de anos dedicados ao tema pelas pesquisadoras da FCFRP. O estudo foi finalizado nos laboratórios do MIT, conta a professora Maria Cristina, pois o Brasil ainda não possui infraestrutura adequada para a realização de estudos cristalográficos em ambiente anaeróbico, isto é, na ausência de oxigênio.

Essas proteínas são altamente suscetíveis à presença do oxigênio e necessitam ser manipuladas em caixas protegidas, denominadas gloveboxes, durante todo o processo, explicam as pesquisadoras, permitindo o estudo sem a exposição ao oxigênio. Foi ao chegar nesse ponto do estudo que Patricia Feliciano, que realizou seu pós-doutoramento na USP, obteve a colaboração do MIT. Maria Cristina e Patricia trabalham agora para construir essa infraestrutura aqui no Brasil, para continuar pesquisas “com as outras proteínas sensíveis a oxigênio e buscar inibidores para elas”.

O projeto que resultou na descrição da estrutura cristalográfica da enzima FH foi desenvolvido no Laboratório de Cristalografia de Proteínas da FCFRP com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

Grave problema sem tratamento

Leishmania major, uma espécie de protozoário flagelado da família Trypanosomatidae - Foto: Abanima via Wikimedia Commons
Leishmania major, protozoário flagelado da família Trypanosomatidae – Foto: Abanima via Wikimedia Commons

As leishmanioses são doenças endêmicas em vários países pobres, mas algumas formas vêm assustando pela expansão de casos, como a leishmaniose visceral, que é considerada a mais grave.

Basicamente, elas se caracterizam por duas formas básicas: a cutânea e a visceral. Entre os sintomas da cutânea estão feridas, inicialmente pequenas, na pele, que vão aumentando e demoram a cicatrizar. A visceral causa infecção generalizada que pode atacar diversos órgãos vitais do corpo humano – fígado, baço, gânglios linfáticos – e pode levar à morte.

São transmitidas por picada de fêmeas de mosquitos, com nome popular de mosquito palha. Para a transmissão, a fêmea deve estar infectada com uma das mais de 20 espécies de protozoários do gênero Leishmania. Os homens e os animais domésticos, principalmente o cachorro, estão entre os hospedeiros.

O Brasil é um dos países com mais notificações dessas doenças. Mais de 20 mil casos da forma cutânea e 3 mil, da visceral, são notificados anualmente, segundo o Ministério da Saúde. E a maior mortalidade está entre as crianças menores de um ano de idade, cerca de 10% dos casos.

As leishmanioses são consideradas graves problemas de saúde pública no Brasil e em outros 90 países do mundo. Apesar disso, poucos foram os avanços obtidos até hoje quanto aos tratamentos e controle.

Rita Stella, de Ribeirão Preto

Mais informações: email cristy@fcfrp.usp.br

 


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