Buraco negro adormecido descoberto na Via Láctea tem massa 33 vezes maior que o Sol

Descoberta de buraco do tipo estelar anunciada pela Missão Espacial Gaia da Agência Espacial Europeia teve a participação de pesquisadores da USP

Texto: Júlio Bernardes

Arte: Simone Gomes

 Publicado: 17/04/2024     Atualizado: 19/04/2024 as 16:08

Sistema binário do Gaia BH3, apontando a órbita da estrela companheira (círculo lilás) e o centro de massa do buraco negro (cruz verde) – Credito: ESA/Gaia/DPAC – CC BY-SA 3.0 IGO

A Missão Espacial Gaia da Agência Espacial Europeia (ESA) descobriu um buraco negro de origem estelar adormecido na nossa galáxia, a Via Láctea, situado a 2 mil anos-luz da terra, com massa 33 vezes maior que a do Sol. O objeto astronômico, que recebeu o nome Gaia BH3, considerado adormecido ou dormente por emitir pouca ou nenhuma radiação, é muito maior do que os buracos negros encontrados anteriormente na Via Láctea, que tem, em média, 10 vezes a massa do Sol. A Missão Gaia usa um satélite com dois telescópios e um sistema especial de detecção para medir principalmente posição, movimento e distância de cerca de 2 bilhões de estrelas da nossa galáxia e outras vizinhas.

O anúncio é uma antecipação da próxima divulgação de dados da Missão Gaia, que também faz medições fotométricas e espectroscópicas, relacionadas ao brilho e a composição química das estrelas, prevista para o primeiro semestre de 2026. O estudo tem a participação de pesquisadores do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP.

Buraco negro adormecido

No círculo, buraco negro de origem estelar adormecido Gaia BH3, que foi descoberto na constelação de Aquila (Águia) pela Missão Espacial Gaia, situado a aproximadamente 2 mil anos-luz de distância da Terra – Credito: ESA/Gaia/DPAC – CC BY-SA 3.0 IGO

O professor do IAG Ramachrisna Teixeira, que integra o grupo de colaboradores da Missão Gaia, explica que buracos negros são corpos tão densos que sua gravidade é intensa a ponto de impedir que a própria luz, com sua velocidade inimaginável, consiga deixá-lo. Alguns deles resultam do colapso de uma estrela muito massiva no final de sua vida e normalmente são acompanhados por radiações originárias da matéria de estrelas próximas, aceleradas em direção ao centro do buraco negro.

Os buracos negros estelares são bem menores e mais jovens do que os buracos negros supermassivos presentes no centro das galáxias (como o Sagitário A*, “fotografado” no centro da Via Láctea). Estes últimos geralmente surgem após a formação de suas galáxias, e podem ter milhões – e até bilhões – de vezes a massa do Sol.

Teixeira ressalta que buracos negros estelares costumam ser mais simples de serem encontrados, pois a radiação emitida denuncia sua existência. No entanto, o buraco negro adormecido ou dormente não tem uma estrela companheira por perto que o alimente, assim, não existe nenhuma ou pouca radiação que o acompanha e, portanto, é mais difícil de ser encontrado. Eles são encontrados através de ondas gravitacionais, como tem acontecido com buracos negros em outras galáxias e agora, investigando o movimento de estrelas em nossa galáxia graças à astrometria Gaia.

Ramachrisna Teixeira - Foto: UFG

A descoberta do Gaia BH3 aconteceu durante o processo de validação dos dados do satélite pelo Gaia Data Processing and Analysis Consortium (Gaia DPAC). Segundo o professor do IAG, o grupo responsável por examinar os movimentos de milhões de estrelas se deparou com algo anomal, diferente do esperado.

Ao ser investigado mais de perto, os cientistas verificaram tratar-se de um buraco negro dormente ou adormecido, de origem estelar, na nossa galáxia, com uma massa bastante grande, 33 vezes a massa do Sol. Os demais buracos negros de origem estelar encontrados na Via Láctea têm em média 10 massas solares.

O Gaia BH3 é o terceiro buraco negro dormente (adormecido) excepcionalmente massivo descoberto na nossa galáxia, localizado a cerca de 2 mil anos-luz da Terra, todos encontrados a partir dos dados da missão Gaia. Teixeira aponta que a descoberta levanta uma questão sobre como surgem buracos negros de origem estelar com tamanha massa. A ideia é que à medida que envelhecem, as estrelas massivas perdem parte considerável de suas massas através de ventos fortes ou de explosões. O que resta do seu núcleo se contrai ainda mais e irá se tornar uma estrela de nêutrons ou um buraco negro, dependendo de sua massa.

Velha Estrela Gigante

Buracos negros Gaia BH1, BH2 e BH3 em suas posições no mapa do céu elaborado a partir das medições de satélite; esses buracos negros são os mais próximos da Terra encontrados pelos astrônomos - Crédito: ESA/Gaia/DPAC- CC BY-SA 3.0 IGO

No entanto, núcleos grandes o suficiente para acabarem como buracos negros com 30 vezes a massa do nosso Sol são muito difíceis de explicar, enfatiza o professor. A estrela que orbita o Gaia BH3, a cerca de 16 vezes a distância da Terra ao Sol e com período orbital de 11 anos, é um tanto incomum. Trata-se de um estrela gigante, que se formou quando o universo era bastante jovem, alguns poucos milhões de anos apenas, justamente quando nossa própria galáxia começou a se formar. Essa estrela pertence ao halo de nossa galáxia e move-se na direção oposta àquela seguida pelas estrelas do disco galático. Sua trajetória indica que esta estrela provavelmente fazia parte de uma galáxia anã ou de um aglomerado de estrelas canibalizado pela Via Láctea há mais de 8 bilhões de anos.

Essa estrela tem poucos elementos mais pesados que o hidrogênio e hélio, sugerindo que a estrela que deu origem ao buraco negro Gaia BH3 também poderia ter sido muito pobre em elementos pesados. De acordo com Teixeira, essa possibilidade reforça a ideia de que buracos negros de grande massa com origem estelar foram produzidos a partir do colapso de estrelas massivas de primeira geração, pobres em elementos pesados. Como não há evidência de que essa estrela tenha sido contaminada pelo material expelido pela explosão da supernova que deu origem ao Gaia BH3, isso poderia sugerir que o buraco negro adquiriu a sua companheira apenas após o seu nascimento, capturando-a de outro sistema.

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A Missão Espacial Gaia da Agência Espacial Europeia (ESA) tem como foco principal a astrometria (posição, movimento e distância) extremamente precisa (micro-segundo de grau) de aproximadamente 2 bilhões de estrelas da nossa galáxia e de galáxias vizinhas, por meio de um satélite dotado de um conjunto de telescópios. Além disso, são realizadas observações fotométricas, foto-espectrométrica e espectrométricas, inclusive de objetos extragalácticos distantes, como quasares, por exemplo. Os dados do satélite Gaia são publicados em data releases, aproximadamente a cada dois anos; o primeiro, Gaia DR1, foi publicado em setembro de 2016 com dados baseados em 14 meses de observação.

O segundo lançamento de dados, Gaia DR2, relativo a 22 meses de observação, foi divulgado em abril de 2018, e o terceiro, dividido em duas partes (apresentadas em 2020 e 2022), compreende 34 meses de observação. Um quarto lançamento deverá acontecer entre 2025 e o primeiro semestre de 2026, contendo os resultados dos 60 meses de observação previstos originalmente e de mais 6 meses da extensão da missão. O restante, 120 meses de observação, será provavelmente publicado de uma só vez por volta de 2030. A descoberta do Gaia BH3 é relatada em artigo aceito para publicação na revista especializada Astronomy and Astrophysics, assinado pela Colaboração Gaia, com a coordenação de Pasquale Panuzzo, pesquisador do Observatório de Paris (França), cuja versão prévia está disponível neste link.

Mais informações: e-mail rama.teixeira@iag.usp.br, com o professor Ramachrisna Teixeira


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