Bariátrica: transtornos psíquicos e tempo após cirurgia impactam no reganho de peso

Mais de 90% dos pacientes bariátricos acompanhados em estudo voltaram a engordar depois do procedimento cirúrgico

 10/08/2023 - Publicado há 9 meses     Atualizado: 14/08/2023 as 12:09

Texto: Ivanir Ferreira

Arte: Simone Gomes

Acompanhamento de longo prazo e o suporte ao paciente são essenciais para resultados da cirurgia - Foto: Freepik

A compulsão alimentar – ingestão descontrolada de grande quantidade de alimentos, sem apetite e quase sem mastigar, seguida por um sentimento de culpa e angústia – foi o transtorno psicológico mais associado ao reganho de peso em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica, como mostra uma pesquisa de doutorado do Instituto de Psicologia (IP) da USP realizada em um hospital privado na cidade de João Pessoa (Paraíba).

O estudo envolveu 121 pacientes entre 18 e 65 anos, submetidos à cirurgia bariátrica no Centro de Tratamento Médico e Obesidade do Hospital Samaritano, na capital paraibana. Mais de 90% deles voltaram a engordar depois do procedimento cirúrgico, sendo que 16% apresentaram transtorno de compulsão alimentar leve e 6%, a forma grave. A coleta de dados foi obtida de forma on-line entre 2020 e 2022. A pesquisa ainda contou com uma revisão da literatura científica sobre o tema a partir de bases de dados nacionais e internacionais.

“A cirurgia bariátrica é considerada padrão ouro para o tratamento da obesidade mórbida, mas a recidiva de peso observada em alguns pacientes é preocupante sob o aspecto do desfecho em relação ao controle metabólico e nutricional”, explica ao Jornal da USP a autora do estudo, a enfermeira especialista no pós-cirúrgico de obesos mórbidos, Jogilmira Macedo Silva Mendes.

A obesidade é classificada de acordo com o Índice de Massa Corporal (IMC), calculado a partir da divisão do peso (em quilos) pela altura ao quadrado (em metros). Se o resultado for entre 25 e 29, a pessoa é considerada com sobrepeso; entre 30 e 34, é obesidade grau I; entre 35 e 39, é obesidade grau II; e igual ou superior a 40, é obesidade grau III. Os pacientes avaliados por Jogilmira Macedo haviam passado pelo procedimento cirúrgico há, pelo menos, três anos; sofriam de obesidade graus II e III (os tipos mais graves); e apresentavam reganho de peso de mais de 10% do valor perdido logo após a cirurgia.

Jolgimira Macedo - Foto: Arquivo pessoal

O cálculo para o reganho de peso foi obtido por meio da diferença entre a maior perda alcançada pelo paciente após a cirurgia (denominado nadir) e o peso que ele voltou a ter (a recidiva). “É o momento ‘lua-de-mel’ pós-bariátrica, que corresponde a um período de mais ou menos 18 meses após a realização do procedimento cirúrgico, quando a pessoa perde mais peso, está mais motivada e disposta a seguir as recomendações médicas e nutricionais. Passado esse momento, o apetite, que estava reduzido, volta a crescer; o peso se estabiliza e depois passa a aumentar”, diz.

A pesquisa

Foto: Pixabay

Para avaliar os pacientes, Jogilmira Macedo utilizou questionários contendo perguntas relacionadas aos dados sociodemográficos e clínicos dos pacientes e três escalas – a de Compulsão Alimentar Periódica (Ecap), para avaliar a compulsão alimentar; a Ehad, para medir o nível de ansiedade e a depressão; e a Audit, para medir o consumo e provável dependência de álcool.

A Ecap é composta de 16 itens que avaliam a gravidade da compulsão alimentar dos pacientes levando em conta as manifestações comportamentais e os sentimentos e cognições envolvidos num episódio de compulsão alimentar. A classificação é feita de acordo com a pontuação obtida, sendo indivíduos com pontuação menor ou igual a 17 considerados sem compulsão; com pontuação entre 18 e 26, com compulsão moderada; e aqueles com pontuação maior ou igual a 27, com compulsão grave.

Também foram feitos cálculos porcentuais com o excesso de peso (EP) antes da cirurgia, da perda de excesso de peso (PEP) e do reganho de peso (RP), cruzando os dados referentes ao três momentos distintos: o peso pré-operatório (até 30 dias antes da cirurgia), o peso nadir (menor peso atingido pós-cirurgia) e o peso recidiva (peso recuperado em relação ao nadir).

Resultados

Feitas as correlações entre comorbidades psíquicas e reganho de peso, Jogilmira Macedo relata que, embora os pacientes apresentassem níveis variados de transtornos psíquicos (como ansiedade, depressão e alcoolismo), o que apresentou uma maior associação ao reganho de peso foi o transtorno de compulsão alimentar. De acordo com a escala Ecap, 16% tiveram a forma mais leve desse transtorno e 6% a forma grave. O porcentual de pessoas que voltaram a engordar após a cirurgia bariátrica (cálculo feito entre o menor peso atingido pelo paciente depois da cirurgia e a recidiva) foi de 92,4%.

A pesquisadora reforça a importância de um acompanhamento médico multidisciplinar dos pacientes antes, durante e após a cirurgia bariátrica, o que, em sua opinião, garantiria melhores resultados do procedimento.

“A cirurgia bariátrica controla a obesidade, mas não trata da dinâmica psíquica que leva a pessoa a usar a comida como mediadora para lidar com os seus conflitos. O corpo foi cuidado, mas as questões emocionais que levaram ao comportamento alimentar disfuncional podem persistir”, diz.

Tempo pós-cirúrgico e impacto na manutenção do peso

Para Leorides Severo Duarte Guerra, psicóloga e pós-doutoranda da Faculdade de Medicina (FMUSP), os transtornos psiquiátricos são comuns em pacientes com obesidade grave e podem afetar os resultados de perda de peso após a cirurgia bariátrica. No entanto, ela diz que a relação de longo prazo entre transtornos psiquiátricos e mudanças de peso ainda não está clara.

Em uma pesquisa que fez com 189 pacientes do Hospital das Clínicas (HC) da FMUSP, a psicóloga investigou essa associação ao longo de um período de oito anos (2011 a 2019). Segundo a pesquisadora, neste estudo, o aumento de peso após a cirurgia não ficou associado à presença dos transtornos psiquiátricos. “Observamos que os transtornos psiquiátricos – incluindo depressão e compulsão alimentar – tiveram uma tendência a aumentar após a cirurgia bariátrica, porém, o tempo decorrido pós-cirúrgico teve maior impacto na manutenção do peso do que os transtornos psiquiátricos. O aumento de peso ocorreu ao longo do tempo, independentemente dos transtornos psiquiátricos”, relata.

Leorides Duarte Guerra - Foto: Linkedin
Leorides Duarte Guerra - Foto: Linkedin

A pesquisa com os pacientes do HC foi orientada pelo professor Wang Yana Pang, médico psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital da Clínicas da FMUSP, e supervisão do professor Francisco Lotufo Neto, do Instituto de Psicologia.

Comorbidades psiquiátricas

Sobre o resultado do estudo realizado com pacientes no hospital na Paraíba, a psicóloga diz que, apesar da compulsão alimentar ser frequente entre pacientes com reganho de peso, ela não responde sozinha pelo problema porque os transtornos psiquiátricos são comórbidos.

“A compulsão alimentar é uma condição complexa e multifatorial e pode incluir diversos fatores, como emocionais, biológicos, ambientais, sociais, padrões alimentares disfuncionais e dietas restritivas. Cada indivíduo pode ter uma combinação única de causas subjacentes à sua compulsão alimentar”, diz.

“O acompanhamento de longo prazo e o suporte são cruciais para otimizar os resultados de perda de peso e tratar as comorbidades psiquiátricas em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica”, reforça.

A tese de doutorado Aspectos psicológicos associados ao reganho e excesso de peso tardios em pessoas submetidas a cirurgia bariátrica teve orientação do professor Francisco Lotufo Neto, do Instituto de Psicologia da USP, e foi defendida em julho deste ano. Um artigo de revisão foi publicado na Research Society and Development. Outro artigo, sobre perfil clínico de pacientes bariátricos, foi submetido à revista ABCD Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva.

Mais informações: e-mails miramacedomendes@hotmail.com com Jogilmira Macedo Silva Mendes e leoduarteguerra@hotmail.com, com Leorides Severo Duarte Guerra


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